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Por que o universo DC nos cinemas falhou

Eu sei que todo mundo só quer falar de eleições, mas aproveitando o sai-não-sai do Henry Cavill no papel de Superman, decidi falar sobre algo que nunca dá treta e que não tem seguidores fanáticos: os filmes da DC!

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Embora ainda tenha alguns filmes para sair que tecnicamente fazem parte do mesmo universo – Aquaman, Shazam e Mulher-Maravilha 84, acho que já é hora de até os mais apegados ao Snyderverso admitirem que a coisa não tá muito boa para a Warner no que diz respeito a um possível universo compartilhado de filmes.

Parêntese: quando digo que o universo DC nos cinemas “falhou”, estou me referindo ao projeto de conectar os filmes e criar um único universo coeso, de forma semelhante ao que a Marvel Studios fez com seus personagens. Antes do chamado “universo expandido da DC”, é claro que a Warner chegou a ter sucesso com franquias isoladas, como Superman e Batman. Não é isso que está em discussão.

Mas qual é realmente o problema com a Warner/DC? Bom, primeiro de tudo, o que eu acho que NÃO é o problema:

  1. A dificuldade do público de se identificar com os personagens da DC. Se isso fosse problema, não teríamos diversas séries e animações de sucesso com esses personagens – fora os quadrinhos durarem todo esse tempo.
  2. Não ser igual à Marvel Studios. A FOX, apesar de tudo, está aí para mostrar que filmes de super-herói não precisam seguir a fórmula da Marvel pra funcionar com o público.

 

Analisando o MCU
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Apesar de eu não achar que a Warner precise fazer igual à Marvel, a melhor maneira de ver onde os filmes da DC erraram (além do fato de fazerem filmes ruins) é analisando o que deu certo na concorrência.

Vale lembrar que o universo Marvel nos cinemas também não era lá tudo isso no seu começo. Com exceção do primeiro Homem de ferro e Os Vingadores, todos os filmes da fase 1 foram sucessos apenas moderados, tanto de crítica quanto de público. Mas o ponto aqui é que, mesmo assim a Marvel Studios conservou certa paridade entre público e crítica desde sempre, bem diferente dos filmes recentes da DC.

O MCU já tem 20 filmes até o momento e, apesar de muitos reclamarem que os filmes da Marvel tem sempre a mesma fórmula (e filmes como Homem de Ferro, Doutor Estranho e Homem-Formiga reforçam essa visão), filmes como Soldado Invernal, Guerra Civil, Guardiões da Galáxia, Pantera Negra e Guerra Infinita mostram que a coisa não é bem assim. O MCU foi evoluindo e já faz um bom tempo que deixou para trás a uniformidade dos filmes.

O que eu acho que acontece é que as pessoas confundem “idiossincrasia” com “fórmula”. Para que um universo compartilhado seja coeso e você “sinta” que está no mesmo mundo ao ver dois filmes completamente diferentes, colocar o personagem de uma franquia aparecendo em outra não é suficiente. É preciso que os filmes compartilhem certos aspectos que façam com que a diferença entre os personagens possa ser combustível para a narrativa, mas que não pareça um Frankenstein em termos de tom.

 

Porque o MCU deu certo

As explicações variam para explicar porque a Marvel deu tanto certo e eu acho que, em parte (uma pequena parte, mas ainda assim), talvez possamos atribuir o sucesso à chamada “sorte de principiante”. Mas acho que é bem mais que isso. Num geral, os critérios normalmente apontados são:

A Marvel respeita os personagens/entende seus personagens;
A Marvel tem um plano coeso para seu universo;
A Marvel tem uma cabeça que gerencia todo o universo, criativamente falando;
Os filmes da Marvel são divertidos;
A Marvel faz filmes bons.

Eu não vou falar sobre cada um desses itens em particular. Alguns critérios são subjetivos (Thor 2 é bom? Eu gosto porque sou um verme, mas né…) e outros eu acho que são consequência do que acredito ser o principal critério que faz o MCU bem-sucedido. Mas dois desses itens valem a pena discorrer um pouco mais:

A Marvel tem um plano coeso para o seu universo cinematográfico.

É…. Sim e não, na verdade. Embora o uso do Thanos e das joias do infinito como macguffin nos filmes ajudou o público a entender que as histórias estavam se encaminhando para uma história maior, o plano da Marvel não é tão detalhado assim quanto as pessoas pensam. Vingadores: Guerra Infinita só tinha a ideia de um terceiro filme dos vingadores que envolveria Thanos e as joias do infinito. Quais personagens estariam no filme e como as narrativas individuais iam se cruzar foi algo definido quando o roteiro do filme foi escrito.

O mesmo vale para a presença de personagens como Homem-Aranha e Pantera Negra em Guerra Civil, que foram decididos no momento do roteiro, não eram parte de um plano anterior. Então essa coisa das pessoas acharem que a Marvel planeja detalhe por detalhe é exagero. Kevin Feige pode ter uma visão genérica do que quer fazer, mas muita coisa muda conforme os diretores vão chegando e fazendo seus filmes.

E, plano por plano, Zack Snyder também tinha um plano para pelo menos 4 filmes (Homem de Aço, Batman v Superman e Liga da Justiça 1 e 2). Provavelmente era uma bosta, mas tinha. Então “ter um plano” não é necessariamente um diferencial positivo.

A Marvel tem um cabeça que gerencia todo o universo, criativamente falando

Eu acho que é inegável que Kevin Feige é provavelmente um dos motivos da Marvel dar certo no cinema. Mas só colocar alguém para gerenciar tudo não é suficiente. Zack Snyder começou fazendo esse papel na Warner e isso não garantiu sucesso dos filmes da DC.

O que eu realmente acho que é o ponto crucial na criação do universo compartilhado da Marvel e que, sim, pode ter a ver direta ou indiretamente com a existência do Kevin Feige, é que o MCU tem um PROPÓSITO.

Mas aqui eu não estou me referindo a um propósito criativo (o que eles também tem, aparentemente), mas sim um propósito sobre a relação entre o público e os filmes. Como o diretor/produtor quer que o público se sinta ao sair do cinema? Preocupado? Aterrorizado? Feliz? Triste? Irritado? É relativamente fácil imaginar o que os diretores querem com um filme em particular. Filmes de terror normalmente querem assustar você, mas nem sempre. Corra!, de Jordan Peele, quis fazer você ficar preocupado com o horror que acontece todo o dia e ninguém vê. Filmes de comédia normalmente querem fazer você ficar alegre, mas nem sempre. As Vozes, de Marjani Satrapi, quis que você questionasse não só a realidade, mas aquilo que você considera imutavelmente certo.

Pensar num propósito com relação ao sentimento do público para um filme é uma coisa. Talvez alguns diretores nem se preocupem com isso. Mas, quando diversos filmes independentes precisam estar conectados de alguma maneira que não necessariamente só pela narrativa, definir um propósito geral para o universo, uma “palavra-chave” que delineie o objetivo “final” dos filmes ajuda a manter o universo de personagens coeso sem que este se torne refém de coisas como tom (um dos problemas do universo DC nos cinemas) ou ficar amarrado a desenvolver o universo (principal problema do recente A Múmia). Sim, A Marvel também já foi culpada por essas coisas em um ou outro de seus filmes. Mas o fato é que, 20 filmes depois, essa é a exceção, não a regra.

Então, qual é o propósito do MCU com relação ao seu público? Se tivermos que resumir em uma palavra-chave, eu diria que é DIVERSÃO. Mas, antes de mais nada, é importante deixar claro aqui que “diversão” não está associado apenas a algo alegre, bonitinho ou engraçado. Vale lembrar que também nos divertimos quando andamos na montanha russa e quando assistimos filmes de terror.

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Quem é fã normalmente diz que prefere os personagens da Marvel aos da DC porque eles são mais “realistas”. Mas, na verdade, eles não são nada realistas. Estamos falando de gente como um deus nórdico, um monstro verde e um guaxinim de trabuco que fala!

Mas o que eu acho que as pessoas querem dizer quando usam o termo “realista” é que os personagens da Marvel exibem problemas do cotidiano, com os quais podemos nos identificar. Eles criam invenções que dão errado, tomam decisões ruins, precisam trabalhar para pagar as contas e por aí vai.

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Para traduzir isso no filme de um personagem, é relativamente fácil: é só colocar esses problemas cotidianos como parte da história. Mas quando estamos falando de um “universo”, onde cada filme vai ter seu próprio tom, seu próprio “mundinho”, mas ainda assim coexistir com outros personagens, como mantê-los diferentes e, ao mesmo tempo, de alguma forma conectados?

Simples (bom, não é simples senão todo mundo teria sido bem sucedido nisso, mas enfim): a conexão é conceitual. O que eu quero dizer com isso? No caso da Marvel Studios, eles fazem o público se sentir próximo dos personagens. Não importa se estamos falando de Capitão América, Homem de Ferro, Thor ou Groot, eles são pessoas que você gostaria de ter como amigos, ou até conhece alguém que é igual a alguns deles – em termos de personalidade, claro.

Amigos fazem a gente se sentir bem. Amigos estão sempre juntos e, mesmo nas horas ruins, estar com eles faz a gente se sentir melhor. É isso que “diversão” significa nesse contexto. Esse é o sentimento que a Marvel Studios tenta passar em todos os seus filmes. Eles querem que você saia se sentindo bem, não vendo a hora de rever seus “amigos” novamente.

E esse propósito permite uma grande abrangência de histórias. Tanto Pantera Negra quanto Guardiões da Galáxia são divertidos, mas são filmes bem diferentes – o primeiro é, inclusive, bem mais sério e com pouco humor. Mas a maioria das pessoas saiu do cinema depois de ver cada um desses filmes se sentindo bem e não vendo a hora de assistir ao próximo filme.

Parênteses: Vingadores – Guerra Infinita parece fugir um pouco dessa temática, especialmente considerando o final, mas a Marvel conquistou o respeito do público o suficiente para fazer isso sem ameaçar sua relação com eles. É justamente essa subversão da expectativa que faz o filme funcionar – mas esse é um outro assunto.

Todas as outras características que fazem o MCU dar certo são consequências desse propósito ou levaram a ele. Personagens carismáticos e interessantes, histórias boas, respeito pelos personagens, etc. Não é (só) o humor, a “fórmula” ou a narrativa compartilhada que tornam o MCU coeso: é o fato dos filmes da Marvel terem como propósito aproximar você dos personagens através do sentimento de “diversão”. O resto é consequência desse conceito.

 

Analisando os filmes da DC

Os filmes da DC tinham, criativamente, uma direção. Mas não tinham um propósito claro que delineasse que tipo de histórias se encaixam melhor. E pra mim é por isso que o universo DC nos cinemas falhou como projeto, mesmo que no passado franquias isoladas como Superman e Batman tenham dado certo. O problema não são os personagens (se é que é preciso declarar o óbvio aqui).

Mas qual seria o propósito de um universo de filmes da DC?

Bom, eu primeiro lugar, não pode ser o mesmo da Marvel, por um motivo muito simples: esse propósito emerge da própria natureza do universo Marvel nos quadrinhos: os personagens são pessoas que você acredita que poderia encontrar na rua – não é à toa que, na maioria dos casos, os personagens da Marvel habitam cidades reais como Nova York, Los Angeles ou São Francisco.

O propósito do universo DC dos filmes tem que ser extraído do universo DC dos quadrinhos. E, se tem um palavra que eu acho que emerge dos quadrinhos DC como propósito natural é DESLUMBRAMENTO. E não me refiro a se deslumbrar com os visuais e efeitos especiais – embora certamente eles tenham um papel a desempenhar – estamos falando de super-heróis, afinal de contas.

Como eu falei antes, os personagens da Marvel são como nossos amigos. Conseguimos nos ver tomando cerveja com eles, batendo um papo, jogando conversa fora. É assim que nos identificamos com eles.

No caso da DC, o tipo de identificação é diferente. Os personagens não são seus amigos ou parentes; eles são o ator que você admira, o autor que você é fã, a pessoa comum que você não conhece, mas cuja história de vida é inspiradora. Os personagens da DC não são com quem você quer conviver. São quem você aspira ser, em quem você se inspira.

O senso de deslumbramento (você pode chamar também se “maravilhamento”, se quiser) é tão amplo quanto o conceito de “diversão” e pode ir das coisas mais grandiosas às mais simples. Pode ser a incrível odisseia dos astronautas da Apolo 13, ou a história da mulher negra que, nos anos 50, se recusou a ceder seu lugar no ônibus a um branco. Pode ser sobre um jovem gay que decifrou o código que ganhou a segunda guerra ou sobre o menino que salvou a vida do irmão de um incêndio. Forest Gump, Goonies e Star Wars são exemplos de filmes com tema, tom, estilo e público completamente diferentes um do outro, mas que compartilham desse senso de deslumbramento a que me refiro.

São as histórias de superação, as histórias que fazem nossos olhos brilharem. São essas histórias que os personagens da DC representam: o imigrante adotado que cresceu e decidiu ajudar as pessoas, a criança que transformou a tragédia em um instrumento para fazer o bem, a mulher que acredita que a paz é algo pelo qual vale a pena lutar. É sobre como essas pessoas tomam decisões relacionadas aos seus amigos, a desconhecidos, aos que tentam feri-los e assim por diante.

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A ideia é que o público saia do cinema maravilhado e inspirado, como quando assistem algum documentário sobre uma pessoa cuja vida foi notável. E isso permite que se crie as mais diferentes histórias, que podem estar conectadas ou não. Não importa, desde que compartilhem desse mesmo propósito.

Tivemos um vislumbre desse conceito em 3 momentos muito específicos da história dos próprios filmes da DC:

Primeiro, em Superman – O filme, do Richard Donner. O diálogo entre Clark e seu pai e o consequente falecimento deste sintetiza bem isso. O resultado dessa cena é uma reflexão profunda sobre nosso lugar no mundo.

Depois, em O Cavaleiro das Trevas, do Cristopher Nolan, que podemos exemplificar com a cena em que o Coringa tenta forçar as pessoas de duas balsas de fuga (uma cheia de criminosos e outra com “cidadãos de bem”) a matarem uma a outra. O resultado dessa cena é emblemático e inspirador.

E, por último, em Mulher Maravilha, da Patty Jenkins. O melhor exemplo nesse caso está na cena em que ela atravessa a “terra de ninguém” porque se recusa a deixar inocentes para trás.

https://youtu.be/MlwHKphUU_Y

Esses 3 filmes são completamente diferentes. Superman não se leva tanto a sério, O Cavaleiro das Trevas é super sério e Mulher Maravilha fica num meio termo. Filmes bem diferentes em época, clima e em plot, mas que compartilham aspectos desse senso de deslumbramento.

Ao estabelecer o Universo DC dos cinemas dentro dessa proposta conceitual, não iria importar qual personagem teria seu filme. Pode ser um personagem mais clássico, um mais desconhecido, uma equipe… Pode ser um protagonista, um coadjuvante… não importa. Todos os personagens da DC compartilham desse conceito em algum nível.

O maior problema da Warner foi tentar pensar em reproduzir o sucesso da Marvel sem analisar profundamente o que faz ele funcionar. O MCU sempre teve uma lista de potenciais personagens para fazer filmes, mas nunca foi escravo dela – tanto que filmes como Doutor Estranho, Pantera Negra e Capitã Marvel demoraram muito para serem feitos, mesmo com a intensa vontade do Kevin Feige de fazê-los. Sempre tiveram uma ideia geral de para onde levar seus personagens, narrativamente, mas logo percebeu que isso não deveria ditar como os filmes eram feitos, e sim servir apenas como um guia. E sempre estiveram dispostos a arriscar e fazer um filme completamente diferente do que o público estava acostumado a ver no universo, sem nunca perder o senso de que o personagem é quem importa.

Bem, de uma forma bem resumida (??), acho que é isso. O segredo da Marvel é bem simples e, ao mesmo tempo, impressionante: eles apenas sabem como querem que o público se sinta cada vez que vá assistir a um filme deles. E a Warner poderia fazer o mesmo com a DC. Talvez isso necessite um “Kevin Feige” cuidando de tudo, talvez não. Não é algo difícil de implementar. Mas necessita que quem gerencia os filmes da DC realmente ENTENDA o que faz o Universo DC funcionar nos quadrinhos em primeiro lugar. E acho que isso é, na verdade, o mais difícil.

Algures

Meu nome é Algures e tenho 41 anos (teria se tivesse vivo). Morri aos 13 anos tentando ouvir o Podcast MDM proibidão. Envie esse post para 20 pessoas para que eu possa descansar em paz. Caso não repasse essa mensagem, vou visitar-lhe hoje à noite e você vai se arrepender. Dia 15 de julho, Rafael riu dessa mensagem e 27 anos depois morreu em um acidente de carro. Não quebre esta corrente a não ser que queira sentir minha presença (atrás de você)

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