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A gente lemos: O Xerife da Babilônia

Data de um pouco antes da saída de Karen Berger o “começo do fim” do selo Vertigo que tanto aprendemos a amar. Foi ainda no reinado de Berger, a grande, que o clássico se perdeu (Hellblazer virou uma série colorida de poderezinhos e planos vilanescos mirabolantes) e os sucessos escassearam (como Escalpo). A verdade é que, tal qual a Liga da Justiça sem Ajáx (ou os Vingadores sem um Capitão América), o futuro do selo Vertigo sem Karen Berger não parecia auspicioso.

E não foi mesmo. Séries como Coffin Hill de Caitlin Kittredge (de 2013) ou Suicidas, de Lee Bermejo (de 2015), executadas já no pós-Berger pareciam demonstrar que aparentemente o futuro do selo seria abordar, assim de qualquer jeito, qualquer tema que fosse considerado tabu ou adulto. Aparentemente, abordar temas de maneira adulta foi subestimado: “tá falando de violência ou bruxaria? Oxê, é adulto pra caralho, lek!”. Sim, um jeito snyderiano de ser adulto sem de fato ser…

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Daí que quando você se depara com algo muito elogiado, já fica cabreiro. E quando lê e descobre que o material é realmente bom? Fica mais cabreiro ainda.

Foi o que aconteceu quando peguei O Xerife da Babilônia, do aclamado Tom King (do gibi do Visão) e Mitch Gerards.

A história se passa em 2003, após o ataque das Torres Gêmeas, após a caçada e morte de Saddam Hussein. Chris Henry é um ex-policial de Los Angeles que aceitou um contrato para treinar e reestruturar a polícia de Bagdá. O que é basicamente como tentar limpar um ferimento causado por um tiro de bazuca usando cotonetes Johnson & Johnson, mas trabalho é trabalho. Quando um de seus treinandos é encontrado morto misteriosamente, Chris solicita ajuda à Sofia/Saffiya, do conselho de governo e Nassir, um ex-oficial da polícia de Saddam, agora sem ocupação. É a improvável dupla formada por Chris e Nassir que centralizará a trama.

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Tom King foi agente da CIA e trabalhou no Iraque. Conhecer o cenário sobre o qual se está escrevendo, sobretudo num caso como este, em que é preciso representar a alteridade tantas vezes demonizada (e sem demonizá-la em essência), faz toda a diferença. Isso porque, desprovida de seus contornos locais, a trama deste primeiro volume de O Xerife da Babilônia não tem nada demais: personagens com passados/interesses obscuros inseridos num contexto conspiratório maior e mais forte que eles mesmos. Mas Tom King ganha a gente mesmo é nos detalhes. Há todo um clima de paranoia, de tensão (a grande cena de abertura já te dá bem o tom –King– da coisa). Ninguém é confiável, nada é tranquilo, nada é seguro. E isso só piora porque seu personagem principal é um americano inserido num universo que ele mal entende, mas que tem a pachorra de achar que tem algum domínio sobre.

Tem violência? Pra caralho, explícita, como por exemplo uma cena de duas páginas e meia entre dois soldados americanos e Nassir discutindo se um cadáver morto por esgorjamento é o mesmo cuja execução foi transmitida pela Tv. Mas a violência está à serviço da história, mas não é seu mote, e isso é sensacional. King entrega uma HQ típica da fase áurea da Vertigo, com diálogos mordazes e todo um pano de fundo que te deixa com… o cu na mão.

Esse primeiro volume de O xerife da Babilônia é sensacional. É de um pessimismo fodido, cru: todo o problema do mundo dos personagens é muito maior do que eles e, se tudo der certo, eles vão se foder pouco e morrer rápido. Mas não tenha grandes esperanças, o Iraque pós-Guerra não nos permite isso…

Enfim, é um gibi que vale MUITO a leitura. Pena que os ventos do mau agouro têm anunciado por aí que a Panini só vai trazer o próximo volume ano que vem. Porra, Panini… ajuda nóis!

 

O Xerife da Babilônia (The Sheriff of Babylon), de Tom King e Mitch Gerards. Panini/Vertigo, 164 páginas, encadernadinho capa mole, R$24,90.

Nota: 8

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