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[Das antigas] Jackie Brown, do Tarantas

Usturdia estava eu lá no Sebo do Anderson, quando me deparei com a versão impressa, lançada pela editora Rocco, do roteiro de Jackie Brown, filme do Tarantino de 1997. Que, sei lá por qual cargas d’água, eu nunca tinha visto. Com a desculpa de enriquecer as pesquisas de Preto é tudo igual, comprei e comecei a ler o roteiro – o que me obrigou a imediatamente passar na Locadora do Ultra e procurar pelo filme.

Baseado num romance de Elmore Leonard (entre outras coisas escreveu as bases da série como Justified, da FX), Jackie Brown conta a história de uma comissária de bordo negra, na casa dos quarenta anos (Pam Grier, de Foxy Brown e Os gritos de Blácula), que complementa sua renda transportando dinheiro para um traficante de armas, Ordell Robbie (Samuel L. Jackson). Só que a polícia federal está de olho em Ordell e em sua rede, o que acaba fazendo de Jackie uma vítima do jogo. E é assim, entre a prisão e a morte nas mãos do violento Ordell que Jackie precisa se virar.

Situado entre o primeiro trio de longas relevantes dirigidos pelo Queixudo (junto de Cães de Aluguel [1992] e Pulp Fiction [1994]), Jackie Brown tem em comum algumas coisas com seus irmãos mais velhos. Primeiro, é um filme barato (no sentido de orçamento mesmo): são poucas locações, elenco enxuto e nenhuma invencionice técnica. Segundo, os diálogos bem sacados e os personagens interessantes típicos dos filmes do velho Tarantas são o suficiente para que você mal se dê conta dos poucos cenários e/ou cenas em locais abertos.

O elenco apesar de enxuto é como de praxe de primeiríssima: Pam Grier segura muitíssimo bem o papel da quarentona que precisa se virar pra sobreviver, uma vez que sabe que o tempo e a trajetória de vida que viveu não lhe favorecem. Samuca segue sendo o modafócka de sempre, mesmo usando uma barbichinha ridícula. Robert Foster dá a seu Max Cherry um tom muito bem construído, de um coroa cansado, cujo pinto não sobe mais que entra no jogo de uma bela mulher sabendo que está fazendo isso, e o faz num tom de “ah, foda-se, dá nada pra mim”. Ocupando papéis menores, mas longe de serem pequenos, Bridget Foda e Robert deNiro arrebentam vivendo respectivamente a viajandona Melanie e o ignorante Louis Gara. Inclusive, fico cá pensando se Louis Gara, com suas camisas havaianas de segunda mão não foi a inspiração visual do Lono de Eduardo Risso em 100 Balas.

Ainda sobre Jackie Brown, a personagem, é bacana como ela é bem construída. O fato de ser negra (e, como todos os demais negros da história, já tem passagem pela polícia) e de ter a idade que tem são elementos importantes, não para o desenvolvimento da trama, mas pela forma como a personagem vai agir nela. Sem disparar um tiro sequer, ou se responsabilizar diretamente por uma única morte, Jackie é, sem sombra de dúvidas, uma personagem muito mais forte do que Beatrix Kiddo, por exemplo. Falando nela e em morte, acho que Jackie Brown é um dos filmes de menos violência explícita do Tarantas. Ok, a gente pode contar quatro assassinatos durante o longa, mas eles simplesmente “acontecem”: todo mundo que morre precisa morrer, seja para definir o personagem que o assassina (como quando Ordell despacha Beaumont para o outro lado do mistério), seja para deixar a história ainda mais amarradinha (o caso das mortes de Louis e Melanie).

Agora, um ponto interessante é o quanto essa pegada “étnica” do filme é de responsabilidade exclusiva do Tarantas. No romance original de Elmore Leonard (Ponche de Rum) Jackie é caucasiana, e essa mudança foi toda feita em função de se ter Pam Grier no papel, uma escolha pessoal de Tarantino. Para terminar de arrematar essa “homenagem”, Tarantas fez com que o filme fizesse referência a um trabalho importante de Grier nos anos 1970: Foxy Brown, continuação “não-oficial” de Coffy, clássicos blaxplotation estrelados por Pam Grier. Não a toa, as fontes dos títulos de Jackie Brown e Foxy Brown são praticamente idênticas.

Enfim, mesmo sem nenhum dos exageros que se tornariam típicos do velho Tarantas, Jackie Brown é um filmaço que envelheceu muito pouco – o que é ótimo, porque desencoraja, por algum tempo, ímpetos hollywoodianos de remakes e congêneres – e que vale muito a pena ser visto. Sua chegada desbancou Bastardos Inglórios do meu top 3 de filmes do Queixudo. Ah, e se possível, vale também procurar pelo roteiro, que a Rocco lançou aqui em 1998. Ele é bem próximo da versão final do longa, mas tem um ou outro detalhezinho diferente (como o depósito de armas de Ordell, ou uma pequena mudança no final), que justificam a curiosidade.

 

Nota: 10

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