A Gente Vimos: Logan (com spoilers)
Eu estava preparado para me decepcionar de forma catastrófica com Logan. Cada crítica deixava minha expectativa ainda mais alta, e a franquia não tinha exatamente conquistado minha confiança (na verdade, confiava mais em assassinos condenados do que na FOX). Era a receita pro desastre.
Contudo, saí do cinema com a impressão de que não apenas tinha visto um puta filme, mas possivelmente o filme de heróis mais importante desde Vingadores.
Logan começa já com o pé na porta, tapa na cara e garras no topo do crânio. A cena inicial dos assaltantes mexicanos tentando roubar o Uber que o Wolverine dirige (sim) define o tom de violência do filme, com direito a membros decepados, decapitações e arremessos de barras de ferro em carros. Já os próximos minutos são para mostrar que, bem, tudo foi pro cacete no universo dos X-Men.
Não existem mais nascimentos de mutantes desde 2004 (o filme se passa em 2029), e os únicos que vemos são Wolverine, um Professor Xavier decrépito e com problemas degenerativos no cérebro, e mais uma iteração do Caliban no cinema (deve ser a sexta). Logan está juntando dinheiro para conseguir manter o professor Xavier vivo através de suas convulsões apocalípticas e ainda comprar um barco para fugir de toda essa merda. Nisso, ele é abordado por uma enfermeira chamada Gabriela, que quer ser levada para Dakota do Norte com sua filha, Laura.
Obviamente, tudo vai pro cacete. Os Carniceiros, grupo de pessoas com modificações tecnológicas, mata Gabriela e obriga Wolverine e Xavier a fugirem, tendo que levar Laura na carona também. E é aí que começa o road movie.
A primeira coisa que vale ser analisada é a personalidade do Wolverine. Finalmente, desde X-Men 2 (há CATORZE ANOS), tivemos uma representação decente do personagem, que até foge da proposta da obra que deu origem ao filme, Old Man Logan. No quadrinho, temos um Logan velho e disposto a não lutar a qualquer custo. No filme, o personagem é muito mais similar às versões contemporâneas das HQs. Ele inicialmente prefere não brigar, mas isso não o impede de esquartejar qualquer malandro no caminho. A idade não trouxe temperância ao Wolverine, mas parece ter tirado um pouco da paciência.
Outro ponto fiel na adaptação é a incapacidade de Logan se adaptar a qualquer papel. O de super-herói se foi com a morte dos X-Men, sobrando uma casca alcoólatra e tendo que cuidar de um nonagenário doente. Ele recebe a missão de ser um pai no decorrer do filme (até porque descobre que Laura foi criada a partir de seu material genético), mas ele não consegue fazer essa também. É bem interessante como o filme parece assumir que ele não conseguiria ser um pai atencioso depois de tanta merda, e nem tenta forçá-lo nessa direção.
Agora, falando em paternidade, que excelente personagem é Laura, a X-23. Ela passa metade do filme calada, tendo que se apoiar nos olhares para transmitir as emoções. Além disso, seu personagem não cai no clichê da garotinha inocente que não entende o mundo. Ela é inteligente e sabe as consequências de tudo que está acontecendo (exceto o que significa um roubo), mas não tem maturidade emocional para lidar com situações mais extremas. Como deveria ser, e como é muito bom que foi feito desse jeito.
Outro ponto importante a notar são as lutas. Eu sempre reclamei do arame-fu da franquia dos X-Men e temi que fossem por esse caminho aqui também, mas tiveram apenas dois pulos no filme todo. Ao invés disso temos esquartejamento, sangue e cabeças arrancadas, raramente parecendo gratuitas. O filme é violento, aliás, muito violento, mas não há uma superexposição de ferimentos ou um tratamento pornográfico dado ao sangue.
Por fim, o tom é bastante sóbrio. Não há uma história em que duas pessoas diferentes aprendem a deixar de lado suas diferenças e se amar, mas um tratamento mais real do relacionamento entre Laura e Wolverine. Ela o idealiza, parte porque é o pai que nunca teve e parte porque cresceu lendo quadrinhos dos X-Men, mas nem por isso vai deixar de tomar as rédeas da situação quando necessário. Já Logan, por sua vez, não termina o filme cheio de amores e abraços com a filha.
Em suma, finalmente a FOX parece ter tentado fazer um filme bom, ao invés de ligar o automático como fez na franquia dos X-Men. Logan não é primariamente uma obra de super-herói, mas sim um filme que tem super-heróis no meio. Ele sai do gênero e aplica suas características em um road movie, e há muito potencial para esse tipo de abordagem no futuro.
Só esperamos que isso seja um recomeço, não um canto do cisne.
Nota: 9,5