A Gente Vimos: Procurando Dory
Quando Ellen DeGeneres anunciou em 2013 que Procurando Nemo teria uma seqüência protagonizada pela personagem que dublou, o peixe tang azul Dory, o próprio título do filme se tornou o desafio que a equipe criativa teria pela frente.
< /br>O “finding” do título original “Finding Dory” não é exatamente um “procurando”, como na tradução nacional. O sentido mais próximo seria “encontrando“, mas também pode ser lido como “descobrindo” ou “revelando“. O desafio do longa-metragem seria justamente elevar a protagonista uma personagem que é sem dúvida muito carismática, mas que em Procurando Nemo é pouco mais que um alívio cômico com piadas baseadas numa condição médica tratada de forma pastelão.
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“Finding Dory” é justamente a descoberta da personagem como algo além do “peixe sem memória”. A produção coloca em primeiro plano o caráter da personagem e sua convicção férrea de que sempre há uma saída, sempre há um jeito de resolver qualquer problema.
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Como se isso já não fosse desafio o bastante, Procurando Dory foge do esquema básico da maioria das continuações de filmes de sucesso, o manjado “vamos fazer tudo igual mas maior”. Os elementos revisitados de Procurando Nemo estão lá pra nos dar a sensação de familiaridade e matar a saudade dos personagens (como a breve aparição das tartarugas surfistas), mas não permanecem na tela tempo suficiente pra parecer uma reprise. A continuação nos apresenta toda uma nova fauna de personagens com novas funções, não meros substitutos dos personagens do filme anterior.
Em termos de estrutura, enquanto Nemo era um road movie, Dory parece um quebra-cabeças em que vamos descobrindo as pistas junto com a protagonista através de flashbacks de memórias até então perdidas. Se no original Marlin procura Nemo, mas o público sempre sabe do paradeiro de ambos o filme todo, na continuação a busca de Dory por seus pais é uma incógnita, gerando dúvidas reais na mente do espectador (os pais da Dory estão vivos? Ela foi abandonada, fugiu, ou foi raptada? É possível voltar pra casa quando não se lembra dela?) que trazem uma sensação de desconforto e de estar realmente se aventurando no desconhecido.
Outro recurso da narrativa para nos colocar na confusão mental da protagonista é a noção de opacidade e transparência da água e do pensamento, como quando a personagem perde completamente a referência de direção por conta da falta de memória, mas a visibilidade do ambiente é tão baixa que o espectador também perde completamente a orientação. No momento de maior desolação, vemos Dory apenas como um minúsculo ponto no que parece ser um oceano de águas turvas. Quando Dory acha o aquário onde cresceu, o ambiente é de total transparência; a imagem na tela passa do espectador vendo Dory, por sua vez vendo um vidro de aquário cheio de água na qual estão os objetos e peixes, para uma visão direta do local, onde tudo é claro e vívido, como se nem o meio aquoso existisse para nublar a sua visão.
Todo esse jogo de opaco/transparente, passado/presente, juntamente com a estrutura narrativa que faz os personagens passarem (física e mentalmente) pelos mesmos lugares repetidas vezes durante as seqüências de ação, nos joga na estranha forma da protagonista de encarar o mundo. E a pergunta que o filme nos faz, “o que Dory faria?“, mostra a incrível força dessa singela personagem diante de suas próprias limitações, que são parte de sua personalidade, mas não a definem. Dory deixa de ser apenas uma personagem simpática e se torna uma personagem inspiradora, que muda a própria vida e a dos outros personagens através de suas ações e de seu exemplo.
Nota: 10
PS: quem ficar na sala de cinema até o final dos créditos verá o destino de alguns dos personagens de Procurando Nemo.
PPS: se puder, veja legendado. Além da Ellen DeGeneres dublando a personagem-título, temos o polvo Hank sendo dublado por Ed O’Neill, o eterno Al Bundy!