A Gente LemosQuadrinhos

A gente lemos: Uma cacetada de HQ fora do convencional!

Então, deu que a vida mudou. A delegacia mudou de lugar, tive de deixar o carro em casa e voltar a usar o maravilhoso transporte público de Belo Horizonte. Entretanto, o que seria algo ruim para as muitas pessoas, não me abala. E sabe por quê? Porque eu sou Joseph Climber o Poderoso Porco, herói das multidões, padroeiro dos proletários do Brasil e, bem, se a vida me dá um busão, eu faço dele a minha sala de leitura de quadrinhos número 2 (a número 1 é sempre o banheiro)!

Mas chega de conversê fiado que a lista é longa!

O amor infinito que tenho por você e outras histórias, de Paulo Monteiro
Balão Editorial, 132 páginas, preto e branco, R$30,00
Nota: 7,5

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Ler material da Balão Editorial é sempre tenso. Primeiro, porque é sempre por indicação do editor de lá, o mui amigo Guilherme Kroll. Aí você sabe como é, né? O cara quer vender o peixe. Segundo, porque a minha reação inicial com as indicações dele é sempre torcer o nariz: será que eu vou gostar? Será que não é uma parada viajandona demais não? O problema é que esse infeliz do Kroll me conhece, e as indicações sempre são certeiras!
Em “O amor infinito…” o português Paulo Monteiro conta pequenas histórias, algumas autobiográficas, outras nem tanto, sobre diferentes momentos da vida. Não sei como chamar o que ele faz. Às vezes, história em quadrinhos soa inadequado – talvez fosse melhor “poesia em quadrinhos”, abandonando a noção de narrativa que o termo “história” carrega. É um trabalho sensível, tocante, que muitas vezes nos deixa na dúvida se vemos ou se estamos sendo vistos nos “contos” (ainda falta uma palavra que seja realmente boa).
Destaco “A sua guerra acabou” e “Esse é meu ofício” como os momentos mais marcantes, pra mim, da publicação, que vale muito a lida. Como ponto negativo, tem o lance do preço. Entendo que é a parte mais triste de um material de divulgação difícil e tiragem pequena, mas espero que não afaste leitores em potencial.
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Fashion Beast – A Fera da Moda, de Alan Moore e Malcom McLaren, adaptado por Antony Johnston e Facundo Percio
Panini Comics, 272 páginas, colorida, R$ 29,90
Nota: 4

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Um trabalho antigo de Alan Moore e que ele, aparentemente, não se incomodou em ter sua lixeira remexida. Publicado originalmente em 2012 (foi escrito na década de 1980), Fashion Beast – A Fera da Moda nada mais é do que o roteiro de um filme, uma fábula moderna, escrito por Moore e Malcom McLaren, ex-empresário dos Sex Pistols ambientada num futuro distópico temperado pelo mundo da moda fashion.
Na real? Fashion Beast é uma HQ chata, chata como Alan Moore só viria a fazer muitos anos depois – ela simplesmente não tem nada a ver com a genialidade de sua produção daquele período. A crítica ao ocularcentrismo do mundo da moda é boba, ingênua e não leva a lugar nenhum que seja de fato instigante, sendo muito mais um blá blá blá que tenta chocar com cenas manjadas do que qualquer outra coisa. Na adaptação, chama atenção a arte fraca, sem brilho e enganadora de Facundo Percio: é notável que ele muda a anatomia dos personagens conforme o roteiro revela o que eles de fato são (uma garota que parece um garoto que parece uma garota e um garoto que parece uma garota que parece um garoto, como diz o próprio Moore na introdução), e se você está prestando atenção, vai sair puto por terem tentado te enganar assim, de maneira tão incompetente.
Enfim, na melhor das hipóteses, serve como curiosidade história. Ou como estímulo para (re)assistir o documentário “Paris is Burning”, onde as casas cantadas nos versos de Deep in Vogue, “canção-tema” de Doll Seguin, dão as caras de fato.
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Quem matou João Ninguém? De Zé Wellington, Wagner Nogueira, Wagner de Souza, Cloves Rodrigues, Ed Silva, Alex Lei e Rob Lean
Editora Draco, 120 páginas, preto, branco e cinza, R$29,90.
Nota 9

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Admito que eu estava muito curioso para ler essa HQ, cuja capa toda hora pipocava no meu facebook. Sem saber como adquirir (e sempre deixando pra depois) foi uma grata surpresa quando a editora me enviou e mais surpreso ainda fiquei quando terminei de ler. A despeito do título dramático, “Quem matou João Ninguém?” é uma tentativa muito interessante de se fazer uma HQ típica de super-heróis totalmente ambientada no Brasil. Todos os clichês do gênero estão lá, a origem dramática, o arqui-vilão, o uniforme, a identidade secreta, a narração reflexiva em primeira pessoa, etc, mas tudo se passa numa favela, entre tiros, milícias e aviõezinhos. Diante da proposta (trazer todos os clichês de uma HQ de supers para o Brasil), acho que os roteiristas Zé Wellington e Wagner Nogueira fizeram um trabalho excelente, bom como eu não via desde a “Insólita Família Titã”, de Gian Danton e Joe Bennett (que foi reeditado recentemente). Na trama, um assassinato brutal e inesperado é o estopim para que surja a resistência contra o domínio do morro de Santa Edvirges por um novo e perigoso super-traficante, com braços que se estendem até os altos patamares do governo! Será que o herói, o Sujeito-Homem, dará conta do recado?
A graphic novel tem seus problemas, claro, mas pra mim passam longe de ofuscar (ou mesmo diminuir), um risquinho que fosse, a diversão de lê-la. É como ver um bom filme nerd: você se diverte com a trama e com as referências perdidas no meio delas, e as derrapadas acabam passando batidas.
Mas uma coisa é preciso destacar com louvores: o que é a arte de Wagner de Souza? CARAMBA! Com uma pegada forte do mangá (e algo do grafiti), Wagner tem uma arte poderosa, cheia de ação e movimento na medida exata pra encher os olhos, como nas páginas 56 e 57, minhas favoritas. Em alguns momentos, chegou a me lembrar o Rafael Albuquerque em Vampiro Americano. Quero ver mais trabalhos desse cara!
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Mister X, coleção definitiva, de Dean Motter
Editora Devir, 180 páginas, colorida, R$45,00
Nota: 2

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Álbum de 2006 que eu comprei numa baciada de encalhes outro dia, a preço módico. Alardeada na contracapa como “a sensação dos quadrinhos dos anos 80, ajudou a construir uma nova era ao lado de obras-primas como Watchmen, Love & Rockets e Batman: O Cavaleiro das Trevas.”, você não precisa se assustar se, no meio desse panteão de obras-primas, esse tal Mister X te soar completamente estranho. É muito merecido. Mister X é uma HQ completamente esquecível. Nascida de uma ilustração para uma capa de disco que Dean Motter fez lá pelos anos 80, Mister X (o personagem) pintou como um careca de sobretudo e óculos escuro redondos, sentado na penumbra, tendo às suas costas um torreão de uma cidade futurista ao modo de Metropolis, de Fritz Lang, e nada mais.
Por duas vezes eu tive oportunidade de falar sobre roteiro de quadrinhos para algumas plateias, e existe uma máxima que eu sempre repito e que, aparentemente, Dean Motter não conhece: um design de um personagem não é, em si, um personagem, e seu Mister X é um visual legal sem alma nenhuma. Se a história de abertura, produzida por um irreconhecível Dave McKean em início de carreira, é uma HQ curta de depressão e reflexão sobre a vida na grande cidade, as tramas seguintes, assinadas pelos irmãos Hernandez (de Love & Rockets) é uma piada sem graça, chata, de um humor besta e infantil tocado por personagens sem carisma ou motivação. E se Paul Rivoche (co-criador do personagem) reclama que os Hernandez transformaram seu Mister X num pateta, isso aconteceu simplesmente porque… artes bonitas não fazem personagens. De fato, os pôsteres que ele criou são muito mais instigantes do que as HQs propriamente ditas, mas mil pôsteres são mil pôsteres, e não mil quadros de uma história.
Mister X deixa claro a grande história que poderia ter sido – desde que seus criadores a quisessem escrever.
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Planetary vol. 4: Arqueologia Espaço-Temporal, de Warren Ellis e John Cassaday
Panini Comics, 228 páginas, colorido, R$ 24,90
Nota 8

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Enfim a batalha de Elijah Snow, Jakita Wagner e o Baterista contra os temíveis Quatro chega ao fim! Cara, se depois de Planetary Warren Ellis só tivesse escrito lixo, John Cassaday tivesse passado a desenhar pior do que eu, ainda assim seria justo demais que eles figurassem no panteão eterno dos grandes artistas dos quadrinhos. A saga de Elijah Snow e seu grupo é instigante e genial como poucas coisas que eu tive o prazer de ler. Um elogio muito bem amarrado a toda a cultura pop mundial desde seu momento zero, Planetary é coisa pra ler e reler várias e várias vezes. Seja pra catar as referências (elas são um buzilhão!), seja pra refletir na bizarra concepção (quase morrisoniana) de realidade que Ellis propagandeia com a trama, seja simplesmente pra curtir um bom triller de ação e aventura, Planetary é imperdível. É impressionante como, a despeito de ser curta, a trama não tem um momento baixo sequer: é sempre foda e excitante. O final então, trazendo o epílogo publicado no número 27 da série original, é emocionante.

Se há pontos negativos, eles se devem única e exclusivamente à edição brasileira. Fica óbvio para qualquer um, principalmente tendo em mãos as outras versões da publicação no país (da PiXel, por exemplo) ou mesmo outros materiais da própria Panini (como Ex Machina, onde existem notas editoriais explicativas) que essa publicação da série em quatro volumes nada mais é do que um pega-bobo, pois uma edição definitiva certamente virá (trazendo junto os crossovereses da série, também excelentes, com Batman, Liga da Justiça e Authority), com tamanho enorme, capa dura e preço abusivo. Pena que a ao leitor acabe não existindo, de fato, uma liberdade de escolha real. Ler Planetary alijado de uma menção, standard que seja das referências é quase criminoso. Enfim, sejamos os vermes que somos e, agora que a publicação pé-de-chinelo terminou, vamos começar a juntar nossas moedas para a edição de luxo definitiva…

É isso, negada! Teve mais coisa, mas acho que pra um post só está bom, não quero quebrar o record de pagedowns de um certo ex-MdM! Vamos deixar o resto pra próxima! Até lá, pe-pe-pe-pessoal!

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