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A gente lemos: Demolidor – Fechando as portas

Parece que foi ontem que o competentíssimo (mas pouco incensado) Mark Waid assumiu o título do Demolidor. Mas isso foi em 2011.
Com isso iniciou-se o terceiro volume da série do advogado/justiceiro cego da Cozinha do Inferno. Uma série que a Panini, numa sacada de mestre, decidiu publicar em encadernados independentes ao invés de inserir numa revista mix qualquer, e que agora termina neste sexto número. Foram 36 edições na gringa e, com uma daquelas tradicionais mudanças de ambiente dos personagens de quadrinhos, acabou fechando o círculo – para o começo imediato de outro, pois Daredevil Vol.4 segue (pelo menos até maio do ano que vem) com Waid à frente dos roteiros.

Antes de falarmos do álbum em si, é preciso citar um texto excelente do Érico Assis (ex-Ovolete? Não dá pra saber, a página de redatores do site dos ovos ainda mantém até o Zé Aguiar como colaborador…) sobre o surgimento de uma “Vertigo” da Marvel. Nele o Érico discute sobre como, sem a necessidade de uma formalização institucional, a Marvel tem criado quadrinhos de vanguarda com o Gavião-Arqueiro do Matt Fraction; o Cavaleiro da Lua do Wellis/Wood; e a Mulher-Hulk do Chris Soule, por exemplo. Destacando sobretudo as inovações formais e algumas piradinhas de roteiro, Érico depois justifica a exclusão do Demolidor de Waid da sua lista de uma “vanguarda” da Marvel por ser esta uma revista típica de super-herói e Waid, um escritor muito ligado ao cânone do gênero pra fazer vanguarda.

Pois bem, concordo. Ou não: Durante a faculdade nós criamos um conceito-fetiche, uma grande brincadeira que usávamos pra quase tudo: o “pós-retrô”. “Pós-retrô” era tudo o que tinha cara de velho sem ser e que, olhado de perto, na verdade era bem contemporâneo, mas conseguia se disfarçar. Não era “vintage”: era pós-vintage.

Pra mim, nisso consiste a “vanguarda” do trabalho do Mark Waid em Demolidor. Se por um lado ele está fazendo HQ’s de super-heróis “típicas”, essa tipicidade vem lá dos anos 1960/70. Mesmo trabalhando um personagem soturno como o Demolidor, Waid encheu as páginas com vilões ridículos, com situações bobas, com namoricos pelo parque. Entretanto, diferente da ingenuidade e da galhofa dos anos 60/70, se olhamos direito podemos ver que há ali uma nova apropriação dos conceitos e dos temas, uma apropriação moderníssima. É completamente diferente da devoção anacrônica que um Geoff Johns ou Alex Ross têm ao mesmo período: se estes dizem “Ok, vou fazer histórias como aquelas que me divertiam na infância”, o que Waid está dizendo é: “O que as histórias que me divertiam na infância podem acrescentar às HQs de hoje?” e nisso reside toda a mágica. E ele acaba com isso fazendo um quadrinho que tem tudo de contemporâneo, mas ao mesmo tempo aborda a mídia de um jeito que não se faz mais. Não a toa, os desenhistas da série (notadamente Paolo Rivera, Marcos Martin, Chris Samnee, Javier Rodriguez) estão perfeitamente alinhados a outros dessa “Vertigo da Marvel”, como David Aja e Javier Pulido. Há toda uma inventividade gráfica, uma estilização muito devedora do estilo linha-clara europeu.

Falando especificamente desse volume, ele abre com o Demolidor tendo que se haver com a explosão de um conflito étnico em plena Nova Iorque, causado pelos Filhos da Serpente – grupo de vilões com os quais ele já vinha se batendo. História originalmente publicada um ano atrás, ela ecoa de maneira incrível hoje, quando as populações negras nos EUA estão nas ruas protestando contra a discriminação policial que sofrem. Nisso a história segue, com Murdock/Demolidor se preparando para promover a derrocada dos Filhos da Serpente, se dando conta que, ao fazê-lo, possivelmente acabará consigo mesmo – o que de certa forma acaba acontecendo no final da edição #36. Entretanto, vale muito observar como Waid lida de uma maneira muito própria e completamente diferente da forma como Frank Miller lidou com a mesma situação na vida do Destemido. Saca o lance do “pós-retrô”?

Enfim, sendo vanguarda ou não, sendo genial ou não, pós ou pré retrô, a passagem de Mark Waid no Demolidor vale muito a pena ser acompanhada. É bem escrita, bem conduzida e, se não exige demais do leitor, também não lhe ofende a inteligência. E diverte. Como diverte!

Demolidor – Fechando as portas, de Mark Waid (roteiro), Chris Samnee, Javier Rodriguez e Jason Copland (arte). Editora Panini, 132 páginas, outubro de 2014. R$18,90.

Nota: 8,7

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