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[The Hall da Fama of Chégas] O Gralha

Em 1997, enquanto os MdM originais curtiam o carnaval mais inesquecível de suas vidas, um bando de malucos se reuniu em Curitiba para criar um super-herói brasileiro tão banal quanto original. Foi da união de Alessandro Dutra, Antônio Eder, Augusto Freitas, Edson Kohatsu, Gian Danton, José Aguiar, Luciano Lagares, Nilson Müller e Tako X que nasceu o herói curitibano Gralha. O personagem fez sua estreia naquele ano mesmo, numa edição da (falecida) revista Metal Pesado, em comemoração aos 15 anos da Gibiteca de Curitiba. No ano seguinte, passaria a estrelar páginas semanais no jornal Gazeta do Povo.

Em seu backgroud, o Gralha era a repaginação de um super-herói curitibano perdido da Era de Ouro, o Capitão Gralha, cria do misterioso Francisco Iwerten.

Daquela publicação original até recentemente, muita coisa aconteceu. De cara, aquela Metal Pesado original ganhou o HQMix de melhor revista mix de 1997. As páginas semanais do jornal foram compiladas num álbum pela Via Lettera, lançado em 2001. O personagem estrelou curtas-metragens (2002) e peças de teatro (2005). Em 2006, seu criador original, Francisco Iwerten, ganhou o troféu Angelo Agostini de mestre do quadrinho nacional. Em 2014 a Editora Quadrinhópole lançou um novo álbum do personagem que mudou para sempre a história. Literalmente.

Primeiro, seus autores tornaram público o que muita gente já imaginava, menos o pessoal da AQC de São Paulo (gestora do Troféu Angelo Agostini) e alguns pretensos (e delirantes) “pesquisadores” do quadrinho nacional: Francisco Iwerten e seu Capitão Gralha nunca existiram. Ou melhor, nunca existiram antes de 1997. Sem querer querendo, aqueles jovens quadrinistas tinham inventado um recurso que só uns anos depois se tornaria coqueluche no marketing, que é o conceito de storytelling. Mais do que isso, eles anteciparam outra tendência da publicidade: o storytelling fake! Algum tempo depois, nas tirinhas de seu super-herói Overman, Laerte também lançaria mão do mesmo recurso, dizendo que o personagem havia sido criado em 1959 por um certo “Porteirinha”. Sabe-se lá porque cargas d’água, todo mundo sacou que o Overman da Era de Prata era piada, mas o Capitão Gralha da Era de Ouro, não.

Mas, afinal, quem é o Gralha? O Gralha na verdade é Gustavo Gomes, um pré-vestibulando que vive numa Curitiba de um futuro próximo. Neto do Capitão Gralha “original”, ele veste um uniforme preto e azul (que praticamente faz dele um membro desgarrado da G-Force/Gatchaman) que, munido das Gemas do Poder, lhe conferem o kit super-herói básico: vôo, força, alguma lerdeza e outros poderes misteriosos, convenientemente evocados conforme a necessidade (do roteirista).

Para a inauguração dessa minha coluna(?), vou me ater aos dois álbuns exclusivos do personagem (ambos podem ser adquiridos aqui), o original, pela Via Lettera (2001) e o mais recente, lançado pela Quadrinhópole (2014). Infelizmente, nunca tive acesso à Metal Pesado que marcou, de fato, a estreia do personagem.

O primeiro álbum, de 2001, deixa evidente o caráter de “personagem em construção” que imperava nas páginas da Gazeta do Povo: a variação de estilos é grande, não só sob o aspecto gráfico, mas também no que toca ao tom das histórias. Assim, coexistem as HQs intimistas e poéticas de Tako X com o heroísmo clichê norte-americano de Augusto Freitas, ou tônica cartunesca de Antonio Eder.

Inclusive, é uma das típicas histórias do Antonio Eder (“O início e o fim das coisas”, onde ele mais uma vez brinca com a estrutura dos quadrinhos) que serve, na edição, como um divisor de águas informal do álbum: abrindo o último terço da publicação, dessa história em diante veremos o Gralha começar um aparente processo de decantação. Edson Kohatsu ainda faz ainda uma pequena brincadeira em “Antigos fantasmas”, mas de “Bem-vindos à Cidade Sorriso” (com roteiro e arte do chégas José Aguiar) pra frente o personagem começa a ganhar cara e corpo. Quer dizer, não exatamente – o próprio Zé e o Eder deixarão de lado o biotipo “herói bombadão clássico” para dar a Gustavo Gomes e seu alter ego um corpo mais esguio, mais adolescente. Zé também cuidará de, sobretudo na arte, delinear melhor a Curitiba d’O Gralha. Ela não é só uma cidade mezzo futurista mezzo provinciana: ok, ela continua sendo essas coias, mas com uma identidade própria, como por exemplo os pinhais plantados acima dos prédios. Não a toa, é nessa história que começa a se desenrolar uma trama de fundo que só será exposta ao fim do álbum.

Ou sejE: O Gralha, álbum da Via Lettera, é muito mais um experimento do que qualquer coisa – e como todo experimento, mais pro final a coisa começa a tomar um rumo mais certo, as arestas são aparadas e as rebarbas deixadas de lado – assim, espera-se que no final de tudo esse rumo esteja definido. Não a toa, o álbum termina com uma HQ de uma página do próprio Eder, com arte do Luciano Lagares, chamada “Dúvidas e respostas”. Nela os autores brincam com as próprias derrapadas, consertam-nas e deixam o personagem pronto para voar de novo.

É aí que entra (ui!) o álbum O Gralha, tão banal quanto original, da Quadrinhópole. Ainda que o álbum traga algumas histórias pensadas lá em 2002, fica evidente que ele retoma o processo de desenvolvimento que estava rolando com o personagem. Aqui há uma “linha-guia” mais forte e melhor estruturada amarrando as histórias. O experimentalismo ainda cabe, mas em doses muito mais moderadas – seria mais correto chamá-lo de “estilismo” ou coisa que o valha do que experimentalismo – o humor formal do Antonio Eder, a câmera intimista do Tako X ainda estão aqui, mas são mais intervalos do que representantes do espírito do álbum. Inclusive, Tão banal quanto original traz uma HQ sensível que é, de longe, o ponto alto da cronologia d’O Gralha pra mim: “A primeira”, com roteiros do Zé Aguiar e a bela arte de Adilson Orikassa faz a tradução mais verossímil que eu já vi sobre como seria a vida afetiva de um super-herói adolescente. Sensível e com um final de engasgar, é uma daquelas histórias para se ter na memória.

Do ponto de vista gráfico, mesmo com exceções, o estilo mais cartunesco tende a predominar. As artes de Jairo Rodrigues (O Ovo e a Gralha), Rogério Coelho (Glória Mater) e do Carlos Magno (em “Milton, o melhor amigo do Gralha” e na parte 1 de “O limite final da queda” – na parte 4 ele está irreconhecível), casam perfeitamente com o personagem. Para encher os olhos, o álbum traz as artes naturalistas de Nilson Muller, bem como da homenageada (mas que ficou sem biografia no fim da revista) Anamaria Lottici (em parceira com – de novo – Carlos Magno), respectivamente nas partes 2 e 3 de “O limite final da queda”. Entretanto, se na arte a coisa vai bem, nela também é onde as coisas vão mal: dono dos roteiros mais recentes, nosso chégas Leonardo Melo não conseguiu acertar nos desenhistas: é sob sua batuta que, em “Hora, minuto e segundo” e na importante conclusão de “O limite final da queda” que Rui Silveira e JJ Marreiro, respectivamente, vão derrapar, ressuscitando aquele Gralha bombadão e, no caso do Rui, o colocando em uma Curitiba genérica que em nada lembra a capital maluca em que o herói vive.

 Entretanto, isso tudo passa longe de tirar o brilho do álbum, que é em tudo (formato, impressão, papel, histórias e artes) superior a seu irmão mais velho. E o final da revista, tão banal quanto original, deixa um gosto de quero mais.

E vem mais por aí! Neste ano, o Gralha completa 18 anos de nascimento. Pra comemorar, um de seus muitos pais, justamente o Antonio Eder, resolveu encampar uma campanha no Catarse para lançar um sketchbook do Buchemi, digo, um artbook do personagem, juntando material gráfico, histórias e textos sobre o protetor (e enterrador de sementes de pinhão) número um de Curitiba – na verdade, o projeto quer gerar praticamente uma biografia dele. Como de praxe, as contribuições começam em dez barões e vão até a (já esgotada) casa dos 900 réis, que dava direito a uma belíssima estatueta do personagem, feita pelo pessoal da Plastikdog. Pra ver mais sobre o projeto e apoiar (tem que apoiar, pô), você clica aqui.

Bem macacada, é isso aí. Um dia desses eu volto com mais um Hall da Fama of Chégas que, com certeza, vocês não vão ler. Fui!

 

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