Review: Zom 100
Já falei aqui no MdM que não sou um cara do mangá.
Meu conhecimento dos gibis japoneses vai só de Cavaleiros do Zodíaco a Dragon ball.
Mas volta e meia eu fico de olho pra ver qual mangá entra na minha “bolha ocidental”.
O último desses que li foi Minha Experiência Lésbica com a Solidão, da mangaka Nagata Kabi. Logo depois engatei no Minha Fuga Alcoólica da Realidade, da mesma autora.
Pra mim, esses dois últimos mangás são uma preciosidade imensa. É raro, mas de vez em quando surge um(a) autor(a) que consegue capturar toda a angústia de uma geração e colocar em textos e desenhos dentro de quadrinhos.
Recomendo muito.
Corta pra um tempo depois e, enquanto “editava” um podcast MdM, calhou que ouvi alguém falar do anime Zom 100, que saia pela Netflix.
Eu ouvi só uma frase desse anime: era sobre um cara que ficava feliz por causa de um apocalipse zumbi porque aí ele não precisaria ir trabalhar no dia seguinte!
Quão genial é essa premissa?
Comprei o primeiro volume e… Eu não estava esperando a experiência avassaladora que foi ler esse mangá.
Pelo menos pra mim.
No mangá vemos a história de Akira Tendo, um jovem de 24 anos que finalmente consegue entrar em uma das maiores empresas do Japão. É uma daquelas empresas moderninhas com salários altos, benefícios mil e um ambiente teoricamente descontraído e moderno… Só que o que Tendo não esperava era um ambiente de trabalho completamente agressivo, com pessoas virando a noite pra entregar projetos e se orgulhando do tanto que trabalham.
Isso é um fenômeno muito comum no Japão, chamado Karoshi, que significa “morte de tanto trabalhar”. E atualmente isso é um fenômeno no mundo todo – a própria Organização Mundial de Saúde já emitiu um comunicado de como essas jornadas agressivas sáo hoje um problema que afeta todo o planeta!
Enfim, rapidamente vemos toda a empolgação e energia do jovem Akira Tendo ser sugada de dentro da sua alma. Ele vê a vida passar, sua saúde ir embora, seus amigos desaparecendo enquanto, ao mesmo tempo, não consegue sair desse ciclo vicioso.
Seu corpo virou uma carcaça vazia sem nenhum objetivo de vida que não fosse continuar no ritmo avassalador de trabalhar por dias seguidos dentro da empresa.
Até que um dia, sem muitas explicações, Tendo acorda e há um apocalipse zumbi em Tóquio.
De um dia pro outro.
E a primeira reação de Tendo é… A mais pura felicidade e injeção de energia que ele teve nos últimos anos, porque assim ele não precisaria mais ir pro trabalho. E finalmente conseguiria quebrar o ciclo interminável em que ele se vivia.
O que vemos nas páginas seguintes é o contraste absurdo de como o mundo foi pro caralho e Tendo finalmente consegue ver um sentido pra sua vida. Ele precisou de um apocalipse zumbi pra deixar de ser um zumbi, ironicamente!
Com o trabalho fora da sua vida ele começa a fazer uma lista de coisas que ele sempre quis fazer, das mais simples como “vagabundear em casa enquanto bebe uma cerveja” a mais pessoais como “se declarar pro amor da sua vida”.
É engraçado ver que o caos e a morte à sua volta não atrapalha o protagonista. Kendo viveu os últimos três anos da sua vida sendo massacrado pelo capitalismo que até a queda da civilização que conhecemos é um cenário mais agradável do que o que ele viveu até agora.
Ler esse mangá teve um impacto bem grande em mim.
No final de 2019 eu tive um burnout por causa de uma empresa que eu estava trabalhando na época. Comecei a ser atendido por uma psicóloga que me recomendou fortemente que eu largasse o emprego. Ou era isso ou eu iria quebrar mentalmente sem a ajuda de anti depressivos.
Não larguei o emprego e resolvi começar o tratamento com os anti depressivos.
Em 2022 eu ainda estava na mesma empresa e a situação só piorava – junto com a pandemia ainda acontecendo, agora eu também adicionava nesse pacote todo o desafio que é cuidar de um bebê. Eu dormia de duas ou três horas por noite e passava o mesmo estresse no trabalho.
Minha psicóloga recomendou que eu procurasse um médico, pois comecei a ter ataques de pânico e palpitações.
Meu médico falou: “ou você faz alguma coisa ou daqui a pouco você cai duro”.
Aumentei a dosagem do anti depressivo, mas não larguei o emprego.
Em 2023 fui demitido.
Assim como o protagonista de Zom 100, eu estava preso em um ciclo de auto destruição que eu simplesmente não conseguia largar. Seja pelo medo de não ter dinheiro pra cuidar da minha família, de não conseguir nada depois ou de qualquer outra coisa.
O lance é que às vezes a gente se prende nesse círculo vicioso e, por mais que a gente saiba conscientemente que precisa sair dali o mais rápido possível, de vez em quando há algo que nos prende ali. Seja um trabalho que acaba com você, seja um relacionamento tóxico e abusivo, etc.
Tem vezes que esse círculo auto destrutivo é tão forte que a gente não vai conseguir mesmo sair. E a nossa única esperança é que alguém, ou alguma coisa, quebre esse ciclo por nós.
Não sei como vão ser os próximos capítulos de Zoom 100.
Também não sei o que o autor do mangá realmente quer passar com essa história.
Mas o que eu sei é: quando uma obra de arte está à disposição do público, ela não é mais do autor. Agora ela é de cada uma das pessoas que têm o acesso a ela, não mais dos autores.
Pra mim Zom 100 é um mangá sobre os perigos do capitalismo e de como devemos ter consciência dos ciclos auto destrutivos que nos colocamos às vezes sem querer – e como eles são tão perigosos que só uma situação extrema, como a queda da civilização por um apocalipse zumbi hahahahahaha, nos faz sair deles.
Como falei no início desse texto, eu sou um leitor de quadrinhos ocidentais. Os gibis que leio são de super-heróis normalmente.
Mas olha, eu tenho plea consciência que os quadrinhos bons de verdade não vão sair das páginas da Marvel e DC. Hoje em dia, as histórias realmente relevantes, instigantes e importantes vão sempre sair das páginas de um mangá.
Nota 10