A gente assistimos: Flash e Arrow, o crossover
Antigamente (tipo, beeem antigamente, lá pela Era de Prata), crossovers nos quadrinhos eram legais apenas por ver dois heróis diferentes atuando juntos contra um inimigo em comum. Não tinha muito mais do que isso, já que as personalidades dos heróis (da DC, pelo menos) eram basicamente as mesmas. Com o tempo, os personagens passaram a ter personalidades mais distintas e os crossovers começaram a ser mais interessantes. Disso para os heróis evoluírem a ter visões diferentes sobre o combate ao crime foi um pulo, e não demorou nada para que os crossovers entre heróis diferentes criassem algumas fórmulas usadas à exaustão, como o momento em que os heróis precisam lutar entre si.
Crossovers em séries (do mesmo tipos que temos nos quadrinhos) são raros. Ou pelo menos eram, até a Marvel Studios criar seu modelo de universo compartilhado no cinema. Agora, com Arrow e The Flash, a DC tem a chance de fazer na TV o que a concorrência fez no cinema. E, se a Marvel pode ser considerada responsável por reinventar o conceito de crossovers no cinema, o encontro entre Flash e Arrow pode ser responsável por reinventar o conceito na TV.
O crossover entre os dois heróis aconteceu em duas etapas: um episódio do Flash, e um episódio de Arrow. Embora isso pareça a escolha mais óbvia, é o formato do crossover que torna as coisas interessantes. Quem assiste as duas séries (ou assistiu pelo menos algum episódio de ambas) sabe que, apesar de compartilharem o mesmo universo, elas são completamente diferentes, muito mais do que os filmes da Marvel são entre si. Enquanto Flash lida com meta-humanos, as histórias se passam muito mais durante o dia e o clima é bem mais leve, Arrow se passa num mundo mais “realista”, tanto em termos das ameaças quanto em termos emocionais e dramáticos. Por isso, o cruzamento entre as séries poderia ser simplesmente forçado demais – e um desastre. Felizmente, aquilo que poderia impossibilitar o encontro foi usado justamente como o ponto forte do crossover.
Em Flash, o herói tem que lidar com um metahumano capaz de alterar as emoções das pessoas, quando recebe a visita de Oliver, Felicity e Diggle, que estão caçando um criminoso cuja arma principal são bumerangues (que os fãs de quadrinhos obviamente vão reconhecer). Em Arrow, a procura por Digger Harkness (o criminoso dos bumegangues) continua, e Flash, Caitlin e Cisco decidem aparecer na cidade para ajudar os amigos a prendê-lo. Em ambos os episódios, é possível notar as diferenças gritantes entre os personagens, que surgem na outra série como um elemento estranho e atípico daquela realidade. Enquanto em Flash, Arrow é visto como um criminoso perigoso pelo detetive West e o Dr. Wells, em Arrow o velocista é visto como um ingênuo que vive num mundo mais inocente e “bobo”.
O que fez os dois episódios serem marcantes foi que, não só as diferentes personalidades dos heróis foram a causa do conflito, e sim a própria visão do mundo em que vivem. No episódio do Flash, Diggle tem dificuldade de lidar com a ideia de que existe alguém como Flash no mundo, enquanto que no episódio de Arrow, Cisco vê a “arrowcaverna” como um grande playground. O resultado é um evento que trabalha muito bem o desequilíbrio causado pela inserção de uma “realidade” em outra, sem descaracterizar nenhuma das séries.
Outro ponto forte é a relevância do crossover para ambas as séries. Ao invés de investir em um evento que vale apenas pelo crossover, mas que não traria nenhuma consequência para os programas, os produtores criaram uma história que servem como episódios “normais” de cada série, sendo capaz de levar a história adiante e não ser só uma distração da trama principal. Com isso, temos pequenas coisas como Cisco criando uma versão aperfeiçoada do uniforme de Oliver e Caitlin ajudando na investigação da morte da Canário, mas também questões de caráter mais profundo na mudança de personalidade dos personagens (Oliver, sendo mais experiente, pôde mostrar a Barry que ele poderia usar seus poderes de forma mais inteligente para evitar erros, assim como Barry pôde usar sua inocência e visão de mundo para fazer Oliver repensar seus atos como vigilante – e talvez abrindo caminho para uma eventual transformação do “Arrow” para “Green Arrow”). Ou seja, o crossover não é só “para bonito”, há consequências diretas para os personagens, que certamente serão levadas adiante nas respectivas séries.
É claro que o que fez os episódios serem legais, também trouxe alguns problemas. O episódio do Flash sofre dos mesmos problemas de sempre (o mais acentuado é a bidimensionalidade dos vilões), e a falta de algum tipo de conexão mais direta entre os episódios (não tem realmente um cliffhangger nem nada do tipo, o que acontece no episódio do Flash se resolve no próprio episódio, assim como no caso do Arrow), o que não é necessariamente um problema, mas também não incentiva tanto quem viu o episódio em uma série assistir a outra. Também há diversas coisas que ficam parecendo deslocadas, como o surgimento do Nuclear na “cena pós-crédito” do Flash, algo totalmente jogado e sem conexão com o que se passou no episódio. Sem contar a luta entre os personagens que, por conta de todas as limitações televisivas, sempre ficam a desejar.
De qualquer maneira, para um “primeiro” crossover entre heróis da DC na TV, o resultado é muito positivo. Parece que a DC encontrou o caminho dos seus personagens com a TV, e espero realmente que os filmes não desviem a atenção desnecessariamente destes programas, que basicamente são o melhor que a Warner conseguiu até hoje neste sentido.
Nota: 8