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A gente vimos: Quarteto Fantástico

Uma das coisas que eu mais ouço com relação a quem tem uma tendência a não curtir os filmes da Marvel Studios é que, quando você gosta o suficiente de um filme, você tende a ser condescendente com os problemas que o filme tem. E que essa é a mais pura verdade, para qualquer filme, de super-herói ou não. Quando aproveitamos o suficiente o tempo no cinema, você vai deixar de lado os problemas que o filme tem, simplesmente porque não o incomodaram. Os pontos positivos “enganaram” você o suficiente para você deixar outras coisas de lado.

Acontece que a mesma regra se aplica a filmes que não gostamos. Quando não gostamos o bastante de um filme, temos uma tendência a racionalizar na categoria “ruim” qualquer coisa do filme, inclusive os pontos positivos. E isso faz muito sentido: afinal, se você começa a se incomodar com o filme, fica difícil apreciar pontos isolados com boa vontade, já que sua experiência geral já foi arruinada de qualquer maneira.

Mas porque diabos eu estou começando uma resenha do filme do Quarteto Fantástico falando sobre vieses psicológicos, para encher linguiça? Claro que sim não! Eu era um dos poucos que estava esperançoso a respeito da qualidade do filme, realmente. Acreditava que ele tinha o potencial para ser o melhor filme de super-heróis do ano. Reinventar o Quarteto Fantástico como uma aventura mais voltada para uma estética sci-fi de terror? Estou dentro!

Infelizmente, o filme passou por vários problemas ao longo de sua produção (boatados diversas vezes, mas que poderiam ser simplesmente boatos – quando você ver o filme, ficará claro que não eram só boatos) e a desconfiança em relação ao produto final só piorou quando começaram as sessões de imprensa (onde os atores estavam claramente tentando tirar o corpo fora e não pareciam muito empolgados em promover o filme) e, principalmente, quando o estúdio só liberou a exibição para a imprensa 24 horas antes do filme estrear (em linguagem de Hollywood, isso quer dizer que o estúdio acha que o filme é uma bomba e quer impedir que saiam resenhas negativas com muita antecedência).

Quando saíram as primeiras críticas, a situação não foi nada boa. Começaram medianas, mas logo despencaram para críticas realmente negativas – o que certamente prejudicou o desempenho nas bilheterias), e um fracasso começou a ficar cada vez mais claro. O que é uma pena, considerando que Poder Sem Limites, o primeiro filme do diretor Josh Trank, é um fantástico filme de super-heróis nessa mesma pegada de parecer filme independente.

Mesmo assim, eu resolvi assistir para tirar minhas próprias conclusões, e qual foi o veredito? Bom, não acho que o filme seja tão desastroso quanto as resenhas dizem, mas infelizmente, não dá para considerar Quarteto Fantástico um bom filme.

Para quem é mais acostumado com a origem clássica do Quarteto, este novo filme se inspira muito mais no Universo Ultimate, então temos algumas mudanças significativas sem relação ao material fonte: Ao invés de uma viagem espacial, temos uma viagem interdimensional e ao invés de um elenco adulto, temos um elenco mais jovem. Na história, Franklin Storm é um cientista que possui uma equipe de “jovens mentes” que tentam descobrir uma forma de viagem interdimensional. Logo o Dr. Storm encontra Reed Richards, um jovem autodidata que conseguiu desvendar a viagem interdimensional por conta própria. Para finalizar o projeto e botá-lo para funcionar, a equipe ainda conta com diversos jovens cientistas, entre eles Sue Storm (filha adotiva do Dr. Storm), Johnny Storm, aparentemente um engenheiro que constrói “qualquer coisa” e Victor Von Doom, um jovem tão brilhante quanto Reed Richards, mas que é meio que um hackivista antigoverno dos EUA. Correndo por fora, temos Ben Grimm, amigo de infância de Reed que, apesar de não ser um cientista, acaba se envolvendo com os eventos da história mais adiante.

A história toma um rumo dramático após conseguirem desenvolver uma máquina que viaja para outra dimensão, mas serem colocados de fora do primeiro teste pelo governo. Tentando serem os primeiros a chegar em outra dimensão, fazem a viagem na surdina e, obviamente, algo acaba dando errado. Doom se perde naquela dimensão e os outros voltam alterados.

A partir deste ponto, há spoilers sobre o filme (mas eu realmente não acho que você precise se preocupar com isso – de qualquer maneira, TEJE AVISADO):

A ideia por trás do filme é muito boa: mostrar como um evento desses pode ser traumático, e como superpoderes nem sempre precisam ser tão divertidos. É um conceito parecido com o que foi feito em Poder Sem Limites. Além disso, tentar dar um viés mais sci-fi/terror ao invés de blockbuster de super-herói é uma ideia diferente e garantiu o que provavelmente foi a melhor cena do filme, logo após o acidente, quando Reed acorda e vê seus amigos em péssimas condições.

O problema é que, ao estabelecer um universo diferente, com um tom e uma pegada diferente, e com muito potencial, fica apenas nisso. No potencial. Tudo o que acontece no filme, das relações entre as pessoas à luta final, passando pelo acidente que os transformou e a criação do vilão, tudo parece ficar no “isso tem potencial”. A caracterização dos personagens começa bem, mas não leva a lugar nenhum e muda completamente no final do filme. O vilão começa muito bem, mas seu arco não leva a lugar nenhum e ele vira um vilão genérico com uma motivação difícil de definir; as cenas de ação… Bom, na verdade só tem uma verdadeira cena de ação, no final, e como tudo no filme, ela deixa muito a desejar.

O tempo inteiro o filme parece estar sendo dirigido por alguém muito inseguro: tem algumas cenas boas, mas num geral elas não se destacam. Não chegam a ser ruins, apenas falham em engajar o espectador. Os diálogos não são grande coisa, mas quando há tentativas de piada, acabam sendo forçadas. A edição é truncada e é nítido que várias das cenas eram mais extensas, pois em diversos momentos quando uma cena começa, há a sensação que você cochilou e perdeu o início dela.

O filme até começa bem: Vemos Reed e Ben na infância e como ficaram amigos, além da genialidade sobrenatural de Reed, capaz de fazer os próprios professores acreditarem que ele é só uma criança com imaginação fértil. A ideia de uma equipe de cientistas e de Reed continuar algo que tinha sido criado por Victor… Mesmo com um ritmo estranho e uma transição meio estranha entre as cenas, o primeiro ato é promissor.

A parte realmente legal é quando ocorre o acidente que dá poderes a eles, apesar de alguns problemas (como o fato da Sue não fazer parte dos que fazem a viagem e seus poderes são consequência indireta do retorno deles). Os poderes de cada um estão relacionados, não a psicologia deles como em outras encarnações, mas as circunstâncias do acidente: a capsula de Johnny pega fogo, Ben não consegue fechar a sua cápsula e é coberto por rochas, Victor fica para trás e sua roupa de contenção se funde ao corpo e Reed fica com os membros presos após o acidente e, ao tentar se livrar, acaba se esticando. Sue é atingida pelo campo de força da máquina no retorno improvisado a nossa dimensão. Toda a sequência é bacana e bem dramática, mas muito diferente do que se esperaria em um filme de super-heróis.

Infelizmente, o acidente que deveria iniciar de fato o filme é o ápice dele. O resto é uma narrativa que apressa tudo (eles chegam a pular 1 ano para não mostrar os personagens aprendendo a usar seus poderes) para chegar ao terceiro ato. Depois de outros cientistas voltarem para a outra dimensão e descobrirem que Doom está vivo, o vilão inicia sua escalada de violência em direção ao clímax do filme que, além de decepcionante, destoa completamente do resto do filme. Mesmo ignorando o básico “temos que aprender a agir juntos para vencer o vilão” (algo que é feito de maneira muito porca e rápida demais), ainda há mais problemas do que é possível citar aqui.

O filme se encerra sendo outro completamente diferente: Os quatro convencem o governo a “dar” um local para eles atuarem de forma independente, e este que seria o momento em que os personagens finalmente se tornam o Quarteto Fantástico se torna um pastiche do filme de 2005 que faz você pensar que entrou num universo alternativo e está assistindo agora a outro filme.

Os atores são realmente muito bons e conseguem fazer muito com pouco, fazendo você investir neles (pelo menos até você perceber que o filme não vai levar a nada). Os efeitos especiais no início são simples, mas bons, só que vão piorando conforme o filme vai se aproximando do fim. Parece que a Fox foi tirando dinheiro do orçamento do filme conforme ele foi sendo filmado.

Muita gente me perguntou se Quarteto Fantástico é pior que Lanterna Verde. Não é. Também não é um dos piores filmes que já vi (Melancolia, do Lars Von Trier, é pior – vai ter gente boladaça com essa menção). Mas achei tão ruim quanto O Espetacular Homem Aranha 2 que, provavelmente não por coincidência, possui os mesmos tipos de erros (mudanças radicais de tom, caracterização boba do vilão e um terceiro ato completamente equivocado, apenas para citar alguns paralelos).

Considerando todos os problemas de bastidores que ouvimos sobre o filme, é um milagre que ele tenha saído. E estes problemas internos ficam claros enquanto você assiste: é possível ver a diferença de direcionamento entre o começo e o final do filme; o “Frankenstein” que virou a edição; a mudança de conceito (começa parecendo um filme cult sci-fi e termina como um filme de super-herói se tivesse sido feito pela Asylum), e até o interesse dos atores (que parecem estar realmente atuando no piloto automático no encerramento do filme).

No fim das contas, Quarteto Fantástico não é ruim; é só muito decepcionante. Um filme que chateia não pela falta de qualidade, mas pela sensação de potencial desperdiçado, de grandes ideias que ficam até o fim só na primeira marcha. E mais ainda por que realmente não dá para saber quem ferrou com o filme, se foi o estúdio ou o diretor. Possivelmente um pouco dos dois.

Fui para o cinema esperando poder dizer que os críticos estavam errados, mas infelizmente Quarteto Fantástico, um filme que poderia ser o mais diferente dessa nova safra de filmes de super-heróis, no fim se tornou mais um exemplo de como certos estúdios simplesmente não entendem o produto que tem em mãos.

Nota: 5,231

Algures

Meu nome é Algures e tenho 41 anos (teria se tivesse vivo). Morri aos 13 anos tentando ouvir o Podcast MDM proibidão. Envie esse post para 20 pessoas para que eu possa descansar em paz. Caso não repasse essa mensagem, vou visitar-lhe hoje à noite e você vai se arrepender. Dia 15 de julho, Rafael riu dessa mensagem e 27 anos depois morreu em um acidente de carro. Não quebre esta corrente a não ser que queira sentir minha presença (atrás de você)

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