A gente vimos: Penny Dreadful (primeira temporada)
Quem é fã de quadrinhos já está acostumado com personagens bastante diferentes (e muitas vezes incompatíveis) vivendo num mesmo universo: A fantasia de Atlântida convivendo com a magia de Shazam, o space opera do Lanterna Verde, o sci-fi do Flash e o urbano e realista de Gotham, apenas para citar alguns exemplos. Mas esses “mash-up” (como chamam fora das HQs) são coisas com as quais o público comum está menosA acostumado, especialmente o público da literatura, e agora essa ideia tem se intensificado cada vez mais, especialmente com os filmes da Marvel e as séries da DC compartilhando um mesmo universo.
Por exemplo, eu conheço gente que odeia A Liga Extraordinária (hq) justamente por que acha absurda a forma como o mash-up foi feito. E acho que o filme baseado baseado na hq é quase uma unanimidade de críticas negativas.
De qualquer maneira, Penny Dreadful consegue, com maestria, criar um universo onde diversos dos principais personagens do terror gótico vitoriano (basicamente os precursores do terror moderno, segundo os especialistas no assunto) coexistem, convivem, interagem e afetam a vida das pessoas ao seu redor.
A primeira temporada da série, composta de apenas 8 episódios, segue a busca de Malcolm Murray (Timothy Dalton) para encontar sua filha, Mina, capturada por o que ele acredita ser um ser sobrenatural. Para isso, ele contará com a ajuda da médium Vanessa Ives (Eva Green), do pistoleiro Ethan Chandler (Josh Hartnett), do criado e aliado Sembene (Danny Sapani) e do Doutor Victor Frankenstein (Harry Treadaway). A série também envolve Dorian Gray (Reeve Carney), Van Helsing, o monstro do Frankenstein (Rory Kinnear) e Brona Croft, uma imigrante irlandesa com tuberculose*.
Apesar da premissa bem objetiva, a série explora diversas subtramas envolvendo os personagens, normalmente ligadas ou fazendo referência direta aos eventos que ocorrem em livros como Drácula, Frankenstein e O Retrato de Dorian Gray, e trazem mais do que o horror sensacionalista que o nome** sugere, construindo uma narrativa que, apesar de contar com personagens bastante distintos, compartilham de temas que a literatura gótica desse gênero trabalhava na época. É verdade que há algumas leves imprecisões histórico-geográficas (como posicionar o Teatro Grand Guignol, parisiense, em Londres), mas nada que interfira na qualidade da história.
Uma das coisas mais legais de Penny Dreadful é a fidelidade aos livros, bem maior do que algumas encarnações live-action mais clássicas desses personagens. O monstro de Frankenstein, por exemplo, em Penny Dreadful segue muito mais fielmente o livro do que o filme do Boris Karloff***. Além disso, trabalha com os temas clássicos da literatura do período, como morbidez, morte, doença, imortalidade, perda, os fantasmas do passado, os esqueletos no armário da aristocracia europeia e a felicidade de fachada destas famílias.
As atuações são um show à parte. Com atores do calibre de Timothy Dalton, Eva Green e Billie Piper, a história ganha um peso, dramaticidade e senso de realismo muito maior. Como disse um amigo meu, se Penny Dreadful fosse um filme, a atuação de Eva Green mereceria indicação ao Oscar.
Outro ponto altamente positivo da série é que ela não se limita ao horror chapa branca das séries de horror americanas como Constantine e não poupa esforços para mostrar muito sangue, morte e cadáveres, e o melhor, nada gratuito. O erotismo, componente indispensável desse tipo de narrativa, também está presente, sem pudores, sem desculpas, e especialmente sem moralismo (então prepare-se para ver não só peitos femininos, mas bunda de homem também).
A segunda temporada de Penny Dreadful estreia em breve. Se mantiver a qualidade que a primeira mostrou, tem tudo para ser uma das melhores séries de horror dos últimos anos. E, se um dia Alan Moore autorizar uma nova adaptação da Liga Extraordinária, pelo menos agora os responsáveis pela nova versão já têm um excelente ponto de referência.
Nota: 9,5.
*Que na época que a série se passa era incurável.
**“Penny Dreadful” era o nome dado às revistinhas de horror sensacionalistas, de qualidade “fanzinesca”, publicadas no período vitoriano.
***O que não é nenhum demérito ao filme clássico, apenas uma constatação.