A gente vimos: In the Flesh
Numa época onde o tema zumbi já foi explorado à exaustão no cinema ocidental, a série consegue dar um novo fôlego para os mortos-vivos, transformando-os de vilões em vítimas. E isso não é nem um pouco ruim.
Eu costumo dizer que as melhores histórias de fantasia (e uso o termo aqui de forma bem abrangente, incluindo não só o mágico e o místico, mas o sobrenatural e o sci-fi) são aquelas que fazem você esquecer que está vendo uma fantasia. E as melhores histórias são aquelas que fazem você esquecer que está assistindo/lendo uma história. In the Flesh consegue, com sucesso, estes dois feitos usando um dos temas mais manjados do terror atual.
In the Flesh se passa num universo alternativo onde, em 2009, ocorreu um evento bizarro que ficou conhecido como “The Rising” (A ascenção), no qual os mortos simplesmente começaram a sair de suas covas e comer (antropofagicamente) os vivos.
Mas o problema foi “resolvido” quando se descobriu que estes “zumbis” tinham que ficou sendo conhecida como “Síndrome da Morte Parcial” (sim, é um nome meio contraditório, mas “morto-vivo” também é), e que essa condição podia ser revertida e os zumbis podiam ser reabilitados.
A história acontece no momento em que um jovem, Kieren Walker, está prestes a voltar para a casa depois de ter completado o tratamento e, segundo os médicos, estar pronto para voltar ao convívio com as pessoas comuns. O problema é que sua família vive numa pequena cidade dominada por conservadores que se recusam a aceitar estas pessoas, que ficaram pejorativamente conhecidas como “rotters” (apodrecidos, em tradução livre).
Ao mesmo tempo em que volta para um ambiente hostil à ele, Kieran tem que encarar ainda as consequências de seu tempo de zumbi, que vem em forma de flashs de memória e sonhos, além da irmã mais nova, que se juntou a um grupo que funciona como uma espécie de milícia da comunidades, que busca impedir que algum rotter conviva por ali (matando-os, é claro).
Para quem acha que terror é apenas gore ou aqueles sustinhos hollywoodianos que não assustam mais ninguém, In the flesh vai parecer mais um dramalhão. Para aqueles que entendem que o terror é um gênero muito mais abrangente e que não se resume apenas aos clichês narrativos mais conhecidos, vai poder aproveitar a história como uma das melhores obras de zumbis dos últimos tempos, onde o verdadeiro terror está no ser humano e o verdadeiro medo é o medo do diferente. Qualquer semelhança com as reações ultraconservadores contra certos grupos sociais não é mera coincidência.
Aliás, é até bastante corajoso da série mostrar de forma clara que as raízes do fundamentalismo e do preconceito naquela cidade residem diretamente da visão conservadora propagada por ex-soldados que combateram durante a ascenção e por líderes religiosos. Uma descrição forte, provocativa, mas necessária e muito bem-vinda em tempos como o que vivemos hoje.
Mas há um paralelo ainda mais contundente que a história traça, e que é um tema geralmente ignorado em nossa sociedade: A doença mental. Em termos de senso comum, estamos acostumados a ver na ficção dois extremos bem definidos: o doente mental que não tem noção de nada, e o psicopata frio e calculista que “merece” o destino que acaba tendo. No mundo real, as coisas não são tão simples assim e a questão de como lidar com certas doenças mentais, especialmente aquelas que podem tornar a pessoa violenta, é bastante complicada. In the Flesh leva essa questão na forma dos zumbis, mostrando a reação natural das pessoas de achar que os reabilitados não são “gente normal”, são assassinos que só esperam a oportunidade para atacar de novo.
In the Flesh não chega a ser uma série panfletária (ainda bem, pois geralmente é aí que as histórias perdem o foco), mas as alegorias são até bastante óbvias. A força da história está, no entanto, na verossimilhança das situações e principalmente na tensão de algumas cenas além, é claro, das idiossincrasias comuns às narrativas britânicas (um humor meio fora de lugar, algumas cenas inesperadas e por aí vai), que geralmente é o que acaba diferenciando as produções inglesas das americanas. Se você acha que uma história que não mostra “nada” não pode ser tensa nem perturbadora, bem, esta é a história para fazer você mudar de ideia.
A minissérie tem apenas 3 episódios (que espero que seja uma primeira temporada de outras, pois tem alguns subplots que ficaram sem ser desenvolvidos) e foi produzida pela BBC. Bastante recomendável, tanto para os apreciadores do gênero quando para quem curte uma história mais aprofundada.
Mas, se o seu negócio é massaveísmo, pode continuar assistindo a The WalkingDead que você ganha mais (RRRRRRATINHO-OOOO)
Nota: 9,9.