Rodada de resenhas do FIQ 2018 – Parte 1
Normalmente, quando eu vou para eventos, acabo voltando com uma porrada de hqs que eu não consigo ler. Desta vez, no entanto, graças a uma combinação de eu ter ficado de cama + fiquei sem energia elétrica por quase dois dias, consegui dar cabo da maior parte das leituras não só do FIQ como da CCFloripa. O que vocês vão ver nesta sequência de posts são resenhas curtas sobre as hqs que eu consegui ler, confere aí:
Um longo e Surrado Vestido de Vidro/Sem Mim
Paulo Crumbim
Crumbim já é bem conhecido, não só pelos seus trabalhos solo, mas por sua parceria com a Cris Eiko nos Quadrinhos A2 e na Graphic MSP do Penadinho. Agora, o autor retorna às raízes dos quadrinhos independentes fazendo dois fanzines, um mais otimista, outro mais pessimista, mas ambos se inspirando em eventos reais. Um Longo e Surrado Vestido de Vidro é uma tentativa de trazer uma lembrança positiva do local de uma tragédia real – o incêndio e desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo – na forma de poesia escrita e gráfica. Já Sem mim é claramente mais alegórico, tentando lançar uma reflexão inspirada por incidentes recentes da história brasileira, como a militarização no RJ e o assassinado da vereadora Marielle Franco. Nessa hq, Crumbim pegou matérias de jornais e recortou as palavras para coloca-las em outros contextos, criando seu próprio sentido.
Wander – Puberdade ainda que tardia 1 e 2
Luciano Félix
Pra mim, o brasileiro tem muita dificuldade com humor em histórias longas. Para histórias curtas (esquetes, tiras, etc), há inúmeros exemplos de autores fantásticos, mas eu raramente encontro, em qualquer mídia, autores que consigam segurar uma história longa de humor.
Luciano Felix é um desses raros autores. Essa minissérie em 4 partes segue a trajetória de Wander, o cara obcecado por ser um super-herói, que desta vez descobre que sofre de “puberdade tardia” (o que ele não sabe se é uma doença ou um pecado). Luciano Félix consegue fazer o que raramente se vê, que é uma história longa interessante, com humor que emerge organicamente da história sem parecer forçado.
Black Silence
Mary Cagnin
Há muitos autores foda nos quadrinhos nacionais. Mas, como fã de narrativas de gênero, fico triste que a maioria deles escolha fugir deste tipo de história. Em Black Silence, Mary Cagnin tenta sua versão de um sci-fi espacial psicológico e o resultado é ótimo em sua maior parte. A história se passa em um futuro distante onde a Terra está com os dias contados e sua única esperança é uma equipe de astronautas que viajam até um planeta que pode abrigar vida. A história lembra muitas vezes filmes como Enigma do Horizonte e Pandorum (sem o horror visual), além de Missão Marte. Além de uma história muito bem contada, a arte é ótima e cria a atmosfera necessária para o tipo de história que a autora propõe.
Acelera SP
Cadu Simões e Juliano Kaapora
Assim como no humor, vejo muita gente querendo criar uma história de gênero relevante (especialmente sci-fi ou super-herói) e poucos realmente conseguem executar de maneira eficiente. Cadu Simões escreve aquilo que acredito ser uma das hqs nacionais mais relevante dos últimos anos, mas que pode deixar algumas pessoas boladas pelo seu conteúdo. Na história, o Brasil foi praticamente todo privatizado, o que criou um futuro distópico onde só quem tem muito dinheiro tem acesso aos recursos mais básicos. Nesse cenário, os descendentes indígenas finalmente decidem lutar pela terra que um dia foi deles e criam sociedades paralelas com valores completamente diferentes – mas que são vistos como terroristas pela mídia.
Elf # 5 – Quadrinhos sem padrinhos
ABC, Pato Vargas, Rodrigo Nemo, Tito Camello e Clayton Inloco
Essa galera tá na lida há um tempo e, se essa edição é algum indicativo, eles merecem muito mais reconhecimento. Elf é um ex-fanzine que figura histórias diversas escritas por autores diversos. Nada de realmente novo, a não ser pelo fato de que as histórias são realmente muito boas, tanto na arte quanto no roteiro. Tem desde um thriller militar nacional até um drama clássico, passando por uma história de horror sobre canibalismo. Destaque para a história adaptada de um poema de Anton Tchekhov, sobre um cara que só quer conversar sobre a morte da filha.
Diário de um Astronauta
Hung Yi Li e Lê Brandão
Essa hq é um exemplo do que tem sido feito de melhor pelos autores brasileiros: projetos que não seguem um padrão definido e acabam sendo experiências bem particulares – o que, para alguns leitores, mais acostumados com o tradicional, pode ser decepcionante. Diário de um Astronauta está mais para poesia do que para prosa e não tem uma estrutura de uma narrativa típica, sendo mais uma série de “pensamentos” que buscam uma conexão com o leitor, instigando-o a relembrar seus próprios momentos particulares. A pintura da hq é um espetáculo à parte.
É isso. Semana que vem tem mais!