Cinema

O “Novo Bond” e as mulheres.

Não sei se alguém aqui se importa, mas tá pra sair um novo filme da franquia 007Spectre – e notícias estão saindo a torto e a direito sobre o longa.

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No meio disso o atual James Bond, Daniel Craig, deu uma entrevista à revista Esquire onde, para desviar o assunto dos boatos de que este seria seu último filme na franquia, resolveu falar um pouco sobre um ponto muito criticado na série – sua presumida misoginia.

“Eu espero que as pessoas vejam que meu Bond não é sexista e misógino quanto suas encarnações antigas. O mundo mudou e certamente eu não sou esse tipo de pessoa, mas ele é então o que isso significa? Significa que você precisa escalar grandes atrizes e escrever seus papéis da melhor forma possível dentro dos novos filmes”

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Isso leva a uma reflexão interessante.

Lembro de logo depois de assistir o primeiro filme da “era Craig” – Cassino Royale – ter percebido, enquanto fã da série, que algo estava diferente para além da simples troca de atores. O tom da trama certamente havia mudado para além de apenas uma “adequação Jason Bourne/Missão Impossível” como foi sugerido a época.

O que leva a uma colocação que o autor britânico Warren Ellis fez em seu tumblr pessoal logo após o lançamento do longa sobre a mudança repentina na tônica do filme e do personagem.

Em CASSINO ROYALE, James Bond é a Bond girl.

Veja quando o colocam emergindo do oceano, tal qual Ursula Andress, ou mesmo sofrendo tortura sexual, ainda que de maneira menos assustadora do que ter suas roupas arrancadas e ser pintado de ouro.

Vesper Lynd é Bond: nunca perdendo o controle, nunca sem um plano, seduzindo para atingir seus objetivos. Ela precisou morrer para que Bond assumisse seu lugar.

Ellis está aludindo, para quem não lembra, a momentos específicos da trama (como a cena de tortura do protagonista pelo vilão, Le Chiffre) e a personagem de Eva Green: é ela que seduz e engana o agente britânico para cumprir seus objetivos e não o contrário. Essa traição, junto sua morte ao final da película (e se é spoiler pra você – foloda-se), acaba promovendo uma transformação no personagem: do agente bruto, quase ingênuo da primeira metade da trama ao Bond que todos conhecemos.

Ellis, aliás, está escrevendo atualmente o gibi oficial da franquia.

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Ainda sobre o tema, cabe lembrar que assim que foi aninciada, Judy Dench levantou sobrancelhas dos fãs no papel de M., superior de Bond e um papel tradicionalmente masculino. Porém o brilhantismo da veterana no papel foi, na minha humilde opinião, a melhor aquisição da franquia. Dench mostrou que, assim como o nome do personagem indicava, o chefe do MI-6 precisava ultrapassar as barreiras dos meros nomes e demonstrar força a despeito de quaisquer condições externas.

Talvez por isso escalaram ao lado de Craig a fantástica Léa Seydoux que piadinhas babacas à parte (minhas inclusive) é uma excelente atriz, com atributos que vão muito além dos seus dotes físicos (e cores de cabelo). Resta saber se será um acréscimo permanente ou descartável (como infelizmente acabou acontecendo com a M. de Dench).

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Bond representa um passado ultrapassado, colonialista do qual nem mesmo os ingleses devem se orgulham muito. Representa uma força de manutenção do status quo de uma potência imperialista (e de um estilo de vida) frente ao cenário político de sua época. Bond é um ultrapassado século XX que se recusa a terminar.

Portanto, justamente por isso a franquia torna-se um registro valioso por onde conseguimos visualizar como parte dessa ideologia tentou resistir, à duras penas, a passagem do século XX frente a desafios como a Guerra Fria e a emancipação feminina. Ver como a série sobrevive nos dias atuais e as adaptações necessárias para isso diz muito sobre nós, numa cultura cada vez mais globalizada, massificada e com valores cada vez mais fluídos.

Entender as mudanças vai além do simples desejo (ou mesmo repulsa) a promovê-las. A razão de sua demanda – muitas vezes – nos faz compreender mais do problema que sua própria resolução. Num plot twist inesperado, quem diria que para assegurar sua própria permanência o “agente infalível” James Bond precisaria, enfim, falhar.

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