A gente lemos: The X-files Season 10 – spoilers menores
Finalmente eu consegui ler a décima temporada de Arquivo X. Isso mesmo, ler. Não estou me referindo ao retorno para a TV, e sim à continuidade da série nos quadrinhos pela editora IDW (que era canônico até o revival da FOX entrar em cena). Infelizmente, estas histórias não estão disponíveis por aqui e as edições importadas (de verdade, não as da locadora do Ultra) são bem caras. Mas achei que seria válida a resenha como contraponto ao que foi feito na série de TV, já que a HQ resgata melhor o espírito da série em todos os aspectos – e isso inclui o bom, o mau e o feio dos 9 anos de Arquivo X.
De uma forma geral
Eu tenho uma opinião bem particular sobre Arquivo X, que pode não ser consenso entre os fãs. Para mim, Arquivo X nunca foi uma série sobre mistérios ou sua resolução. Arquivo X sempre foi uma série sobre paranoia e sobre o que isso faz com você, quer essa paranoia seja justificada ou não. Desde o começo, a série colocava Mulder como alguém não só obcecado, mas paranoico com relação à busca pela verdade, e isso ia levando-o cada vez mais para o fundo do poço. Era Scully, com sua mente racional e seu pensamento crítico que sempre puxava Mulder do abismo e o trazia de volta à realidade. Infelizmente, isso se perdeu quando a série se tornou um fenômeno de audiência e as conspirações começaram a ficar mais complicadas só para manter mistérios que não levariam a nada. Mas, em sua essência, a série sempre foi sobre o que acontece quando a paranoia toma conta de você.
Isso foi o que o revival da TV acertou: ao colocar Mulder e Scully agora separados por conta da obsessão de Fox (num mundo onde aquilo que ele dedicou a vida não existe mais, o que resta a você buscar?), evolui a história e mostra um Mulder que sempre vai precisar de ajuda para não cair no abismo e perder a noção da realidade. Pena que esta perspectiva fica em segundo plano em relação aos megacomplexos mistérios e conspirações que retornam.
Já nas Hqs, Mulder e Scully continuam juntos (aparentemente, já que isso nunca fica claro) e basicamente não mudaram nada, o que é agradável e familiar para mim como fã, mas perde verossimilhança para minha parte mais crítica. Até a arte mostra os personagens como se ainda tivessem as mesmas idades de 20 anos atrás.
Apesar disso, a hq é mais eficiente que o revival em retomar os elementos clássicos da série e dar continuidade à história sem ignorar o que aconteceu (esta é uma das vantagens de não terem que se preocupar com negociar o retorno de atores). Todo mundo importante está de volta de uma forma ou de outra: Skinner, os Pistoleiros Solitários, o Canceroso, Jeffrey e Cassandra Spender, William Mulder, Alex Kricek e os agentes John Doggett e Monica Reyes. Até os informantes das primeiras temporadas, mortos há tempos (Garganta profunda e X) fazem uma visita a esta temporada. Estão de volta também conceitos-chave da série: o óleo negro; o Sindicato; os “supersoldados” da nona temporada; e, é claro, os aliens. Alguns “monstros da semana” clássicos também aparecem, como o “flukeman” e até os relatórios da Sully, clássicos das primeiras temporadas, retorna.
Joe Harris, o roteirista da hq, consegue resgatar o clima e o espírito da série, trazendo o que fez Arquivo X ser interessante e utilizando das vantagens que os quadrinhos têm em relação à TV, sem cair na tentação de transformar AX numa série puramente sci-fi. Ou seja, vemos coisas que o orçamento da TV não permitiria (como cenários mais amplos e locações internacionais), mantendo a aura de mistério e o contexto “não sei se vi/não vi nada” do início da série (ou seja, felizmente sem querer mostrar o Mulder invadindo uma nave alienígena em voo ou uma invasão em larga escala). A arte se utiliza de diversos desenhistas e acaba sendo irregular, com alguns artistas acertando muito e outros errando feio.
É claro que, sendo fiel ao conceito e contexto da série original, a hq traz tanto suas virtudes quanto seus vícios. Situações importantes que são esquecidas por diversas edições até serem retomadas na história conveniente e o “corte” abrupto de algumas investigações apenas para manter o formato e alternar com os “monstros do mês” sem ligação alguma com o resto da trama são os principais. Além, é claro, de uma boa suspensão de descrença para aceitar o retorno de alguns personagens e a explicação para tal.
Outro ponto negativo é que às vezes as histórias se focam demais nos conceitos do passado, de forma que até alguns fãs podem ter que rever alguns episódios para lembrar ao certo em que ponto aquele conceito foi deixado na série original. Isso certamente faz com que The X-Files Season 10 seja uma hq especificamente para fãs da série, não recomendado para fãs casuais ou fãs novos que nunca viram o programa. E, é claro, não é para quem não gosta de HQ com muito diálogo, pouca ação e muita, mas muita exposição e explicação “científica”.
A décima temporada que vale
A série em quadrinhos tenta trabalhar o formato da série original adaptada para as limitações e o formato dos quadrinhos, ou seja, mantendo a mistura entre histórias da mitologia e os “monstros da semana” (“monstros do mês” seria mais adequado neste caso). E até que consegue fazer um trabalho bom nesse sentido (muito melhor do que o revival da TV) em suas 25 edições e seus 10 arcos de história.
Believers
Neste primeiro arco que abrange as primeiras 5 edições e co-escrito por Chris Carter, Joe Harris segue de onde a série original parou (e levando em consideração “Eu quero Acreditar”, de 2008, segundo filme baseaso na série): Mulder e Scully vivem escondidos sob um nome falso, Skinner agora é “Deputy Director” e John Dogget e Monica Reyes ainda trabalham, ainda que separados, para o FBI. Harris encara logo de cara os elefantes brancos na sala da nona temporada, trazendo de volta a magnetita (metal tóxico para os alienígenas), o culto que quer o filho da Scully e William, filho da agente que foi dado para adoção e cuja localização era secreta até para os pais.
Esta história define o novo status quo da série: a reativação dos Arquivos X, agora sob a tutela da Diretora-Assistente Anna Morales; o paradeiro realmente desconhecido (até para o FBI) de William; o rapto de Doggett e Reyes; o retorno do Canceroso e a continuação da conspiração uma vez encabeçada pelo Sindicato e agora levado adiante por uma sinistra figura que controla até o Canceroso.
Hosts
No primeiro caso dos agentes no seu retorno ao Arquivo X (e o primeiro “monstro do mês”), Mulder e Scully dão de cara com um antigo caso: Flukeman, o mutante metade homem metade verme, que agora se tornou uma ameaça muito maior, já que pode se regenerar a partir de pedaços do seu corpo (então agora temos vários “flukemen”). Apesar de apelar para a nostalgia, este arco em duas edições é mais do que isso, trazendo inclusive a origem do monstro.
Being for the benefit of Mr X
X, o segundo informante do governo que procurou Mulder na segunda temporada da série, está de volta numa história que explora mais do seu relacionamento com o Garganta Profunda no passado e retoma a paranoia total na vida do Mulder, que descobre que, de alguma forma, seu antigo informante parece estar vivo (embora não devesse estar).
Chitter
Nesta história “monstro do mês”, Scully é vítima de um assassino que captura suas vítimas para o “chittering god”. Apesar de ser a história mais fraca dessa temporada, é a mais “monstro da semana” até agora.
More musings of a Cigarette Smoking Man
É claro que a versão em quadrinhos teria que trazer a continuação de um dos episódios mais importantes para os fãs. Aqui, conhecemos um pouco mais sobre a vida pregressa do Canceroso, sua relação com Bill Mulder e sua esposa, com Cassandra Spender e com o Sindicato.
Pilgrims
Este arco de histórias traz de volta o velho conhecido dos fãs: o óleo negro. E, desta vez, explora-se mais sobre as origens e motivações deste(s) alien(s) sem forma capaz de possuir o corpo de seres humanos.
Immaculate
É neste arco que Arquivo X “volta” com força total. Num “monstro da semana” clássico que envolve fanatismo religioso e poderes satânicos, Mulder e Scully investigam uma jovem responsável pelo atentado a uma clínica de aborto, com ajuda de um personagem de outra série de Cris Carter: Frank Black. Apesar de ser uma boa história, ela parece terminar muito abruptamente, sem ser retomada em outras edições (possivelmente porque o arco visava preparar terreno para a HQ baseada em Millennium).
Monica e John
Nesta história que, realmente, não faz nada de interessante, vemos onde estavam Monica Reyes e John Dogget e como eles são soltos. Apesar de levar o plot maior adiante, realmente é uma história qualquer coisa. A mais fraca até aqui.
G-23
Este arco de 2 edições, que tenta trazer a vibe dos episódios mais humorísticos da série, não colou muito pra mim. Mulder numa viagem de ácido em busca de um componente secreto que altera a percepção das pessoas e o faz ver o Canceroso como Scully parece um pouco forçado, até para este tipo de história e para este tipo de série.
Elders
No último arco da temporada, o novo Sindicato, composto pelos mesmos anciões de antigamente, mas com um novo líder, possui uma nova agenda, que envolve expor Mulder para a imprensa e colocá-lo na cola do FBI e da opinião pública. O novo líder, alguém que Mulder ajudou no passado (e que também o ajudou quando ele precisou), parece ter mudado para alguém (ou algo) que Mulder não consegue compreender. Os mistérios sobre o retorno dos personagens da conspiração são revelados e parte do plano do novo líder é exposto. O arco termina, é claro, com um grande gancho para a próxima temporada. Não posso dizer que gostei de todas as direções para a qual o autor levou a história, mas definitivamente soa como o Arquivo X de várzea.
No fim das contas, a décima temporada em HQ é boa? Sim, é boa. Resgata o clima de paranoia da série e as conspirações e reviravoltas são relevantes. Gostaria que a décima temporada na TV tivesse sido uma adaptação dessa HQ. Apesar ter seus problemas, as histórias estão totalmente sintonizadas com o que veio antes, diferente revival televisivo, onde a mitologia antiga foi praticamente rejeitada em prol de conquistar uma nova audiência para a série. A parte ruim, como eu disse, é que leitores casuais vão ter bastante dificuldade de acompanhar as histórias (mas, convenhamos, na época em que vivemos, nada que o Google e a Wikipédia não resolvam para preencher os detalhes).
Em resumo, estou pronto para começar a leitura da temporada 11.
Nota: 8,7521