A gente lemos: Thermae Romae #2
Uns dias atrás, quando eu fiz um post com comentários curtos sobre uma caralhada de HQ’s, citei que aquelas lá eram as que eu não tinha achado boas ou ruins o suficiente para uma resenha.
Entre elas, estava Thermae Romae #1.
Mas veio o volume dois do mangá e tudo mudou. Thermae Romae é ruim o suficiente para merecer uma resenha só sua!
Em TR, somos apresentados ao arquiteto de casas de banho Lucius Modestus, que vive na Roma clássica. No primeiro volume, ele está numa crise profissional quando, de repente, vê-se transportado até uma casa de banho no Japão contemporâneo. E é lá, no Japão, que ele “terá” as ideias para salvar sua carreira na Roma antiga!
E antes da minha avaliação, convém dizer que TR é um mangá premiado (foi indicado ao Angoulême desse ano, ganhou o Mangá Taishô em 2010 e o 14º prêmio Tezuka) e que a bizarria do plot, aliada a essa premiação toda, era muito mais positiva do que negativa. O non sense presente numa premissa bizarra é altamente libertador para um autor porque, caramba! Pode-se fazer quase tudo! Praticamente, o único limitador do autor seja o que eu gosto de chamar de coerência interna: se ele criou um postulado, aquele postulado precisa ser válido sempre.
O lance em TR é que, podendo fazer tudo, tudo, Mari Yamazaki se entrega à preguiça total. Primeiro, não há uma trama que anime o mangá – o que temos é simplesmente uma sucessão de fatos soltos, com uma ligação muito, muito tênue entre si, praticamente só um pano de fundo (muitas vezes distante). Então, as duzentas páginas do mangá são recheadas de situações absolutamente repetidas, que vão se sucedendo uma às outras. Por exemplo, tomo o capítulo 8 do segundo volume. Nele, o Imperador Adriano está deprimido, com a saúde cada vez mais debilitada desde a morte de seu amante Antínoo, nas águas do Nilo. Em sua vila em Tívoli, Adriano sente saudades do rio africano, do amante, de uma misteriosa fruta que comeu quando esteve no Egito – até um crocodilo que mandou trazer de lá, por ser a reencarnação de Antínoo, está morrendo. Pois bem, o Imperador manda chamar Lucius (que já o havia servido em Jerusalém, digo, no volume I) para que construa uma terma inesquecível, faraônica, para dar boa impressão ao governo de seu sucessor, o jovem Ceiônio. Enquanto tenta pensar em algo grande o suficiente para satisfazer o imperador, Lucius ajuda na terma local. Ao desobstruir o encanamento d’água, Lucius e se afoga e transportado ao Japão. JUSTAMENTE dentro de um criatório de crocodilos em águas termais, que também serve de plantação de bananas, JUSTAMENTE a fruta que o imperador sentia saudade. Resultado? Lucius volta a Roma trazendo na mão uma raríssima banana com semente (!!), e resolve todos os problemas: o simulacro do Nilo, a depressão do imperador, a saúde do crocodilo, a saudade da banana (ui!).
É isso que se repete: Lucius é sempre transportado a um lugar no Japão que tem EXATAMENTE a resposta que ele precisa. Não há conflito, não há tensão, todo capítulo é igual: 1) Lucius tem um problema; 2) ele se afoga e é transportado ao Japão; 3) no Japão, o local onde ele chega tem a exata resposta que ele precisa; 4) ele se afoga no Japão, sendo transportado de volta a Roma; 5) Ele consegue reproduzir em Roma com alguma facilidade exatamente o que viu no Japão.
O álbum segue sem surpresas, sem conflitos, simplesmente da repetição dessa forma fixa. Em dado momento, Mari Yamazaki deixa a preguiça dominar tanto que Lucius passa a compreender comportamentos típicos da contemporaneidade (a cartela de carimbos) e o que se escreve em japonês (a camiseta é traduzida literalmente). Ou seja: até o fiapo de coerência interna que a história tinha vai pras picas.
“Mas Porco, você taí reclamando de trama, de roteiro, pelo menos as repetições são engraçadas?” Não, não são. Talvez sejam engraçadas para os japoneses, por causa da oposição “cotidiano/estranhamento”, uma vez que Lucius se espanta com coisas mesmo muito comuns do dia-a-dia dos japoneses, mas que não dizem nada para nós. Mesma coisa no que tange ao humor gráfico, visual: o desenho de Mari Yamazaki é ok, mas nem um pouco engraçado.
Ah, falando em visual, deixo meu puxão de orelha ao pessoal da JBC: que ideia horrível foi essa de trocar a fonte das notas de rodapé/notas do tradutor? Esse volume II vem com uma fonte besta, metida a engraçadinha, difícil de ler (por causa do tamanho também)… Melhor uma letra simples e clara, como estava no volume I…
Enfim: se o volume I de Thermae Romae tinha sido praticamente irrelevante do ponto de vista crítico e de divertimento, o volume II conseguiu ser irritante e gerar arrependimentos: joguei quase quarenta mangos fora nesse trem, que vou vender no sebo por menos da metade do preço. Vida ruim…
Thermae Romae Vol. II, de Mari Yamazaki. Editora JBC. 200 páginas, R$19,90, à venda em livrarias e lojas especializadas.
Nota: 0
Ah, em tempo: exceto pela capa, todas as imagens no post são de outros volumes, não do II. Simplesmente não as achei nas interwebs. Fica assim mesmo.