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Dossiê #FicaFIQ ATUALIZADO

Em 1997, com a visita de Will Eisner, nasceu o que viria a ser conhecido como O Festival Internacional de Quadrinhos, o FIQ.

Em 2011, tendo Maurício de Sousa como homenageado, o evento bateu recordes continentais de público.

E em 2017 o evento completa 20 anos.

Se vier a acontecer.

Isso porque quinta-feira passada, numa postagem em seu Facebook, Paulo Ramos deu a letra:

Ao mesmo tempo em que escrever esse texto é difícil (é uma piada recorrente aqui no MdM meu relacionamento com o evento desde que eu era moleque, então imagine minha tristeza), ele também não é  verdadeiramente uma surpresa: estando aqui em BH, tão perto da casa do FIQ, dava para sentir no ar que algo ruim estava pra acontecer. Isso porque a nota do Paulo Ramos é incompleta – não foi só o FIQ que rodou na dotação orçamentária do município. O FAN (Festival de Arte Negra) também não está na lista. A Virada Cultural também não, eventos tradicionais da cidade. Isso porque a lista dos eventos a serem custeados pela prefeitura este ano, conforme divulgada pela vereadora Cida Falabella, são estes:

Melhores do Mundo - Dos quatro festivais habitualmente realizados em BH, somente o Festival Literário Internacional (o FLI. É importante saber que no Plano [decenal] Municipal de Cultura divulgado em 2015, somente a manutenção do FLI é apontada como uma meta a ser observada [Meta XXVIII]) e o Festival Internacional de Teatro (o FIT) foram mantidos.

A forma do corte dos eventos é mais ou menos fácil de entender (ainda que não pareça), segundo o mesmo material publicado pela vereadora:

Melhores do Mundo -

Apesar da prefeitura manter o orçamento da Fundação Municipal de Cultura (FMC) para 2017 bem próximo daquele disponibilizado em 2016 (e superior à dotação de 2015, quando teve FIQ), o lance é o poder real de compra (o valor) do dinheiro. Para isso precisamos considerar a progressão do orçamento municipal tendo a inflação considerada:

Melhores do Mundo -

Aí na dotação real fica evidente que o orçamento está despencando desde 2014, quando atingiu seu ponto mais alto. Comparando apenas os últimos anos de FIQ (2015/2017) o poder de compra real do orçamento diminui em mais de dez milhões de reais. Se você é pobre e fodido como eu, pode ter dificuldades para mensurar números dessa grandeza mas, para se ter ideia, isso equivale a cortar do mapa 11, eu disse ONZE edições do FIQ, cujos custos giram em torno de 900.000.

“Mas pô Porco, o pessoal do FIQ tá vacilando demais! Olha como a execução fica sempre muito abaixo do orçamento! É só correr atrás desse prejuízo!”

Pois é, essa é uma resposta que eu não consegui achar – o orçamento considera recursos oriundos do tesouro municipal, grana mesmo que a prefeitura transfere à Fundação Municipal de Cultura, responsável por coordenar o Sistema Municipal de Cultura. Essa diferença pode indicar o que a prefeitura previu que liberaria (o Planejado) comparado com o que de fato liberou (o Executado). Fiz umas contas por alto aqui e a diferença entre executado e orçado, no período 2012/2016 ficou entre 31% (2016) e 20% (2012).

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A diferença entre “planejado” e “executado” é decorrente de cortes que a prefeitura faz no correr do ano, geralmente em razão de diminuição da arrecadação municipal.

Importante dizer também que do orçamento de 2017, 49.2 mi (69% do orçamento) será gasto com Pessoal, Manutenção, Infraestrutura e congêneres. Não dá pra saber os valores exatos dos outros anos para a alocação de recursos, mas considerando os gastos, acho pouco provável que tenha sido muito diferente.

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Nisso entra uma outra questão, que é captação de recursos. Não só para o FIQ, mas para um número verdadeiramente IMENSO de eventos e produtos culturais do país, os recursos captados junto a empresas são fundamentais, e uma forma importante de conseguir autorização de captação é via editais de cultura – neles, entes estatais (prefeituras, estados, a própria federação) autorizam projetos a captarem junto a empresas valores que deveriam ser pagos na forma de impostos. A empresa de telefonia Oi, por exemplo, vinha sendo uma parceira importante do FIQ através do edital estadual de financiamento cultural. Porém, esse mesmo edital estadual, que podia ser uma tábua de afogado para o FIQ ainda não foi publicado, apesar de já ter passado o prazo habitual de fazê-lo. Em 2015 ele também apresentou problemas e a grana da Oi não saiu antes do Festival (veio no ano seguinte, gerando o II Encontro Lady’s Comics, o curso FIQ Jovem e o Catálogo do FIQ 2015).

Pois esse é o momento em que nós vivemos: o principal evento de divulgação e popularização das histórias em quadrinhos no Brasil pode não acontecer (o prognóstico não é bom) por falta de grana. Fim.

Ao mesmo tempo, algumas questões precisam ser destacadas, uma vez que correm em paralelo e muitas vezes acabam ficando invisíveis. Por exemplo, pode ser só uma coincidência, mas o então diretor da Fundação Municipal de Cultura, Leônidas Oliveira, pediu exoneração do cargo na mesma quarta-feira (05/04) em que o orçamento foi divulgado. Ele estava no cargo desde 2012 e, segundo noticiado, teria deixado o cargo para se dedicar a um pós-doutorado fora do país.

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Outra questão paralela é o próprio entendimento de cultura e de sua importância. Como eu disse antes, de quatro festivais produzidos pela FMC (outros festivais que Belo Horizonte sedia, como o FITO, o FIC e o Savassi Jazz Festival, são produzidos por outros agentes, não estatais), é incômodo que somente o Festival Literário Internacional conste como parte de uma meta no Plano Municipal de Cultura com validade até 2025. Ao mesmo tempo, ver que os festivais cortados foram justamente aqueles não ligados à formas mais digamos… tradicionais de arte (manteve-se a literatura e o teatro, em oposição ao amplo “arte negra” do FAN e aos quadrinhos do FIQ) é de ficar cabreiro.

Aí temos um outro problema: quem se importa com o FIQ? Quem REALMENTE se importa com o FIQ? Observe que geral tem ido protestar contra o corte do evento no orçamento municipal de 2017 aqui na página da prefeitura. Olhe bem para os reclamantes: quem está lá? Geralmente… quadrinistas. Escapa um ou dois que não o são, mas pra criar uma categoria mais ampla que abarca mais, todo mundo que está lá reclamando é ligado ao “mercado” de quadrinhos. Autores, editores, “jornalistas” especializados. Cadê o povo? Cadê os leitores? Cadê as 98 mil 78 mil pessoas que participaram do evento em sua última edição?

O FIQ faz um esforço tremendo para o fomento da produção e consumo de quadrinhos, mas cada vez mais tenho encontrado com pessoas que acreditam que só o FIQ fazendo isso é pouco. Belo Horizonte é a capital nacional dos quadrinhos? Então onde estão essas pessoas nos meses em que não há FIQ? Hibernam? De novo, o próprio FIQ (muitas vezes em ações particulares do nosso chégas Afonso Andrade, coordenador do evento) tem se empenhado em ações fora do ambiente do evento, no correr do ano todo, que movimentem o cenário dos quadrinhos, mas só muito recentemente têm surgido iniciativas independentes do evento para isso. É o caso da festa do dia do quadrinho nacional que o pessoal do Black Ink organizou este ano pela segunda vez, é o caso do Encontro Lady’s Comics (que este ano chega a SP, em parceria com a Quanta), é o caso (em parte) da Feira Faísca, do Quati.

Em outras (e duras) palavras: o corte do FIQ do calendário municipal de cultura é, em grande parte, só a consequência de um problema muito maior, que é o pouco impacto dos quadrinhos, como forma cultural, na vida dos belorizontinos. Se a penetração das HQs em Belo Horizonte se resume ao FIQ, se a maioria das ações ligadas ao quadrinho na cidade orbitam o FIQ, então o (possível) fim do FIQ é também o fim da cultura de quadrinhos na cidade. Ou seja: é preciso não só reaver o FIQ, como também tacar fogo real na cena quadrinística de Belo Horizonte. Senão daqui a pouco vai dar ruim de novo. É preciso nos unirmos para salvar o FIQ (porque isso é urgente), mas também é preciso que nos unamos mais ainda para mudar a lógica por trás do Festival: o FIQ precisa ser a consequência da cena quadrinística de BH ao invés de ser a sua causa.

Isso, aliado ao fato de que o atual prefeito de Belo Horizonte é mais um comediante do que um governante e que possui uma visão bem estreita do que seja “cultura” me deixam bem desconfiado da possibilidade real de cantar “parabéns pra você” para os 20 anos do FIQ.

 

São Kirby, São Eisner e todos os santos do nanquim me permitam estar errado…

Meu evento está em coma. Não quero outro evento, só quero o meu FIQ. Achas que tens o necessário para esmagares esta rata? Clique aqui.

 

~~~ATUALIZADO~~~

Na madrugada de hoje, 12 de abril, o Jornal O Tempo de Belo Horizonte trouxe uma entrevista com o prefeito Alexandre Kalil sobre a situação da cultura no município.

Ainda que o prefeito não tenha se referido nominalmente ao FIQ, Kalil garantiu que os eventos habituais da cidade (como o FAN e a Virada Cultural) vão acontecer, e que para isso está realizando uma reestruturação nas finanças para o setor. Mais do que isso, Kalil acenou inclusive a realização de eventos novos na cidade. A entrevista pode ser lida na íntegra aqui.

É esperar pra ver. Só do excelso prefeito não ter reclamado de pisarem no jardim da casa dele já é um ganho.

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