A gente vimos: Homem-Formiga, por Algures
Atualmente, dá para dividir os críticos/resenhistas dos filmes da Marvel em duas “correntes de pensamento” que definem como serão suas resenhas: de um lado, os críticos que consideram os filmes da Marvel como sendo todos iguais, parte de uma fórmula repetida à exaustão e com cada nova película sendo sempre um “mais do mesmo” raso e previsível; de outro, os que consideram que o MCU é uma construção coesa que, por conta disso, tem suas idiossincrasias reverberando de uma forma ou de outra em todos os filmes, o que garante um senso de “identidade conceitual” – mas que, ainda assim, cada produção conta com sua própria assinatura particular.
Como parte do segundo grupo, saí satisfeito do cinema ao ver um filme diferente do que a Marvel tem mostrado mais recentemente e que ao mesmo tempo remete à Marvel Studios de várzea da época do primeiro Homem de Ferro.
Vou dividir essa resenha em duas partes: Sem spoilers e com spoilers, assim o leitor pode escolher ler apenas o que lhe interessa. Mas antes, uma pequena sinopse: Após um assalto que o colocou na cadeia, Scott Lang tenta retomar a vida e garantir um emprego que lhe possibilite dar pensão para a filha. Mas como não é fácil se reintegrar a sociedade quando se é um ex-detento, ele acaba sucumbindo à tentação de um último trabalho, que o colocará dentro de um mundo muito maior do que ele jamais imaginou; tudo isso graças a Hank Pym, um cientista e herói do passado que precisa impedir que sua invenção caia nas mãos erradas.
Homem Formiga SEM SPOILERS
Para quem já está confortável com o “Marvel way” no cinema, boa parte do que faz os filmes da Marvel legais está tudo lá: o humor, as sequências de ação, as diversas referências ao MCU e, principalmente, a(s) cena(s) pós crédito (a essa altura vocês já devem saber que há duas). A boa notícia é que estes elementos se encontram diferenciados em Homem-Formiga (especialmente se levarmos em consideração os filmes mais recentes).
Apesar de conter algumas piadas típicas e até previsíveis para quem já está acostumado com o humor da Marvel, o filme tem espaço para diversas gags originais que só funcionam neste filme – e em alguns casos, são idiossincráticos a alguns personagens. E, falando em personagens, o filme consegue fazer um trabalho muito bom ao não desperdiçar nenhum dos personagens. A “equipe” de Scott Lang, mesmo os que possuem pouca participação, possuem boas cenas e Hope, a personagem de Evangeline Lilly, é tão importante quanto Scott Lang no filme.
As sequências de ação ganham uma dimensão completamente diferente (trocadilho não intencional) ao mostrar as cenas do ponto de vista de um Homem-formiga encolhido. O plot “filme de roubo” funciona muito bem e corre até muito naturalmente (até demais, considerando os já conhecidos problemas da produção), e o aspecto “super-herói” não fica deslocado, uma vez que logo de início já se estabelece o Homem-Formiga mais como um personagem tipo Ethan Hunt, de Missão Impossível (só que capaz de encolher) do que um Homem de Ferro que sai por aí batendo em supervilões.
Em nenhum momento do filme (que eu lembre) os poderes do Homem Formiga são motivo de galhofa (talvez uma ou outra brincadeira com o fato de controlar formigas); suas habilidades são vistas como inusitadas, mas sempre levadas como muito poderosas (e muito perigosas), e o filme mostra muito desse potencial. Já o nome Homem-Formiga foi alvo de piadas algumas vezes (aliás, não lembro de ter visto a cena do “É tarde demais pra mudar o nome?”, acho que cortaram).
O filme é recheado de referências ao MCU, mas o que é ótimo em Homem Formiga é que em nenhum momento essas referências caem como uma sombra sobre o filme ou sobrecarregam a trama (como aconteceu em Homem de Ferro 2, por exemplo); pelo contrário, assim como Guardiões da Galáxia, soa como um filme totalmente isolado.
Para quem achava que as cenas pós-créditos dos filmes mais recentes da Marvel estavam meio “nhé”, as duas cenas pós-crédito de Homem-Formiga valem a espera. Uma delas encerra de forma perfeita o arco de um dos personagens, enquanto a outra remete diretamente ao próximo filme da Marvel e ao maior escopo do universo.
Talvez por causa do tema da paternidade, ou talvez porque este realmente seja o primeiro filme de origem desde, se não me engano, Capitão América: O primeiro Vingador (Guardiões eu não conto porque, além de ser uma equipe, nunca me soou como uma “história de origem”), ele também me pareceu um pouco mais emocional do que os outros filmes. Por trás de todo o humor e da ação, parece que dá pra sentir que existem pessoas reais com problemas, preocupações e medos reais.
No fim das contas, Homem-Formiga é um filme que funciona por conta própria e sem muletas cronológicas (embora insira muito mais cronologia, especialmente no passado do MCU) para contar a história. Não chega ao extremo engraçaralho de A Era de Ultron, que tinha uma piadinha a cada segundo, nem ao extremo sério de Capitão América: O Soldado Invernal, mas segue o saldo positivo dos filmes da Marvel, pelo menos para quem, desde o começo, “comprou” o conceito do Universo Cinematográfico do estúdio. Se essa não é a sua “vibe”, bem então eu recomendo que não assista mais filmes da Marvel Studios, porque a essa altura do campeonato você já deve ter percebido que a Marvel não vai ir para o lado “dark e sério” e tem uma forma bem particular de fazer seus filmes, quer você goste ou não.
Homem Formiga COM SPOILERS
Bem, não deve haver muito do filme que já não tenha pintado por aí na internet (ou nos próprios vídeos do filme, como o puta spoiler da participação do Falcão), mas vamos lá.
Uma das coisas mais legais (pra mim, pelo menos), foi incluir o contexto da SHIELD (e da Hidra) no filme sem fazer muito alarde. Logo no começo do filme já vemos,em 1989, um Hank Pym boladaço com a cúpula da SHIELD formada por Howard Stark, Peggy Carter e outro personagem que reaparece durante o filme – imagino, então, que Nick Fury só assumiu a direção da SHIELD a partir dos anos 90? – Fica óbvio que o personagem sobressalente é da Hidra, mas quando ele reaparece no último ato do filme, embora não seja uma surpresa, também não é uma decepção. Aliás, um belo trabalho de CG/maquiagem para rejuvenescer o Michael Douglas e envelhecer a Hayley Atwell.
O filme também inclui os acontecimentos de Vingadores: A Era de Ultron de forma bastante tranquila: Claramente o filme se passa depois da sequência dos Vingadores, já com a nova equipe formada. E o Homem Formiga enfrenta o Falcão! E não só um falcão que fica voando pra lá e pra cá, tem até combate corpo a corpo!
Para os fãs da Vespa original (Janet Van Dyne), ela tem uma participação bem pequena, mas fundamental para a trama. Não só a gente fica sabendo que ela desapareceu no “reino quântico”, como sua “morte” é fundamental para o arco que envolve Hank Pym e a filha, Hope. As aventuras de Hank e Janet no passado parecem ter sido bem no estilo das histórias clássicas dos quadrinhos.
Aliás, falando em reino quântico, Scott Lang também acaba indo parar lá, no clímax do filme e, apesar da história não explorar muito como “funciona” o “mundo” quântico no MCU, o fato de Lang ter sobrevivido (e talvez até Janet, embora isso não fique claro) pode dar alguma dica dos tipos de dimensões que podem aparecer em filmes como o do Doutor Estranho. E, falando em clímax, mais uma vez temos um filme de origem onde o vilão morre (acho que, de filmes de origem no MCU, apenas Thor não matou seu vilão, que eu me lembre).
Para quem estava esperando alguma menção ao Homem-Aranha, vai ficar minimamente feliz. Há uma única referência, a lá “Stephen Strange” em Soldado Invernal, onde mencionam que existem alguém que escala paredes. Não dizem nominalmente, mas a regra referência é clara.
Sobre as cenas pós-créditos, pra mim elas são muito legais e fazem valer a espera no cinema, com os lanterninhas não vendo a hora de você sair. Na primeira, Hank Pym revela a sua filha que ele e sua mãe tinham começado a trabalhar numa versão 2.0 do uniforme da Vespa, e convida Hope para ajudá-lo a “terminar” essa versão (implicando também, é claro, que esse uniforme é para ela ser a nova Vespa). A segunda cena pós-créditos é uma cena tirada diretamente de Capitão América: Civil War e mostra Steve Rogers e Sam Wilson, que acabaram de encontrar o Bucky, debatendo sobre quem chamar para ajudar. Wilson diz que conhece “um cara”, e encerra com o lettering: “Homem-Formiga retornará” (sugerindo, é claro, sua participação no próximo filme do Capitas).
É claro que o filme deve ter diversos pontos negativos. Honestamente, estou escrevendo essa resenha logo que saí da sessão, então não consigo lembrar de nada que tenha me feito torcer o nariz. Talvez apenas a conveniência básica de justificar o extremismo do vilão com um “a fórmula tá deixando ele louco”, que é um aspecto recorrente, e que me incomoda um pouco, dos filmes de super-herói em geral. Felizmente, isso desempenha um papel relativamente pequeno, uma vez que é deixado claro que Darren Cross nunca foi a pessoa mais estável emocionalmente.
Pra mim, Homem-Formiga é um filme mais intimista do que qualquer outro da Marvel, e talvez por isso mesmo é que ele tenha dado tão certo no fim das contas. Quem esperava que Homem-Formiga fosse o primeiro fracasso da Marvel, vai continuar esperando.
Nota: 8,9