Toda vez que se fala que fulano é um bom ou mau desenhista, iniciam-se debates acalorados pois muitos têm opiniões diversas e divergentes baseadas em preferências pessoais.
Sendo assim, enviei a seguinte pergunta para pessoas envolvidas com quadrinhos: O QUE DEFINE UM BOM DESENHISTA DE HQ?
Confira as respostas!
:: Márcio Takara
Confesso que tive que pensar um pouco na resposta. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que gosto não se discute. Então o bom desenhista tem que ter uma noção boa de tudo que precisa saber desenhar numa HQ, tipo anatomia, perspectiva, narrativa, expressão facial e corporal, etc. E tentar mostrar isso tudo com um estilo agradável aos olhos. Eu acho que o leitor comum observa principalmente o estilão do desenho pra decidir se o cara desenha bem ou não. Mas eu acho que pra se avaliar se o cara é bom tem que verificar isso tudo que eu falei aí em cima. E, pras editoras, além do cara ser bom nisso tudo e ter um estilo legal, o cara ainda tem que ser rápido. Eu nunca gostei do Sal Buscema, mas tenho que admitir que o cara dominava a técnica do que fazia. Desenhista bom, pra mim, é aquele que faz de tudo bem. Os exemplos são vários. Alan Davis, Chris Bachalo, sei lá. Tem uma porrada mesmo. Mike Mignola…
Márcio Takara é desenhista e recentemente foi contratado para desenhar HQs para a Marvel Comics.
:: Gabriel Bá e Fábio Moon
Um bom desenhista de HQ é aquele que conta a história. O seu desenho conduz o olhar do leitor por toda a página, ajudando os textos. História em Quadrinhos não é ilustração e os desenhos estão ali por uma razão, não pra funcionarem sozinhos. Os quadros funcionam em conjunto. Um ótimo exemplo disso é o Eduardo Risso, que não exagera nos detalhes e faz o seu olhar percorrer a página inteira, sempre colocando somente o que realmente precisa estar ali, ainda assim tornando as páginas interessantes e dinâmicas.
Gabriel Bá e Fábio Moon são quadrinistas publicados no Brasil e no exterior e são os autores de 10 Pãezinhos
:: Felipe Muanis
Para mim o que define um bom desenhista de HQ é a personalidade do traço, algo que dá a ele aquele estilo inconfundível que é dele, pessoal, e que os outros imitam. Claro que junto vai avaliação subjetiva, do traço que mais me emociona e outro que não me diz muita coisa. Sendo assim, acho que um John Byrne desenha muito bem, mas ao meu ver o Neal Adams é mais interessante. Tudo muito pessoal. Mas ambos desenham bem. Ser influenciado pelo traço de outros e constituir o seu próprio também não é problema, quando se chega a algo original. É o caso do Frank Miller, que já imitou Moebius, Goseki Kojima e José Muñoz. Mas ainda assim transforma e reelabora o traço. Não é que nem o Keith Giffen ou o Erik Larsen que estão sempre copiando o Jim Lee da vez…
Eu particularmente dou muito valor aos enquadramentos e à decupagem, que boa parte das vezes não é desenhista que faz. Nos quadrinhos de autor sim. Posso dizer que acho um Manara lindo e não dá para comparar com um Will Eisner. Mas se avaliarmos também a construção narrativa, Eisner dá de infinito a zero.
Felipe Muanis é professor de Audiovisual na PUC-Rio e é ilustrador profissional.
:: Fábio Yabu
Um bom desenhista tem que conhecer as regras da Matrix para então subvertê-las. Manjar de anatomia, narrativa, cinema, e então usar isso a seu favor para criar uma identidade própria e coerente. John Romita Jr. e Chris Bachalo são alguns dos meus quadrinhistas favoritos.
Yabu é o criador dos heróis Combo Rangers e do livro Princesas do Mar.
:: André Diniz
Bem, eu tenho uma concepção bem particular do que é um bom desenhista de HQ. Acho que, antes de tudo, ele deve ser um bom ator. Isso porque muitos dominam anatomia, perspectiva e as demais técnicas, mas se esquecem de que a HQ é uma forma de dramatização. Daí, o resultado são desenhos tecnicamente impecáveis, mas insossos. Também valorizo muito a criatividade: discordo mais uma vez que o bom desenhista seja aquele que aprendeu as técnicas. Esse estilo Alex Ross não me encanta nem um pouco, pois não vejo sentido nisso. Se é para ser hiper-realista, basta fotografar. Prefiro mil vezes o traço do Henfil, por exemplo, do que o de um desenhista “perfeito”.
André Diniz é roteirista de HQ e editor do site Nona Arte.
:: Marcelo Tavela
O que define um bom desenhista de HQ? O nariz do leitor. Creio que o mais importante para um desenhista hoje em dia é saber imprimir um estilo próprio. E o leitor decide de quem ele gosta.
Acho que os quadrinhos têm uma característica muito peculiar: você pode reconhecer o estilo de um desenhista à primeira olhada. Há cineastas com estilo, mas você tem que ver algumas cenas para identificá-los. Há músicos com estilo, mas é necessário que se escutem alguns trechos da música. De forma instantânea, só HQ. Os desenhistas têm que investir em um traço rapidamente identificável. Em uma mídia com tanta gente produzindo, isso já é um grande diferencial.
O bacana também é que isso funciona tanto com leigos como com experts, tanto com leitores experientes como com novatos. E permite a mudança. Quando eu comecei a ler HQs, aos 10 anos, odiava o Bill Sienkiewicz. Hoje, já quase comprei um original dele (infelizmente, bateu uma sanidade repentina de que me arrependo profundamente).
Bom, um desenhista tem que saber contar uma história de forma clara, através da diagramação inteligível e de uma noção de ritmo que cada trama pede. Mas volto a bater na tecla no estilo. Nem todos gostam de Todd McFarlane, Moebius, Robert Crumb ou Hergé. Mas todos com uma mínima noção de estilo sabem identificá-los.
Marcelo Tavela é redator do site Sobrecarga.
:: Jean Canesqui
Definição de um desenhista: depende ao que se propõe. Se é um cara que se propõe a ser naturalista, então ele deve ter noções fortes de anatomia de modo a passar a noção de realidade em seu trabalho.
Já um cara estilizado precisa deter conhecimentos sobre claro e escuro, distorção e afins da área da caricatura e do expressionismo.
O que não pode faltar em nenhum caso: conhecer a regra de ouro do enquadramento, mesmo que o conhecimento seja não-acadêmico, tem que estar lá, e as noções de uma dinâmica de quadrinhos, como direção do olhar do leitor, continuidade da ação e imagem.
Ah! E excelente cultura geral. Tanto imagética para usar referências, quanto uma boa gama de conhecimentos para entender as implicações de seu trabalho.
O quadrinista médio brasileiro é notadamente toupeira. E isso vem aumentando com os anos. Artista não tem direito de ser burro. Os primitivos e ingênuos da pintura, sem formação formal, não são, por que os quadrinistas insistem em ser? Só pra imitar publicitário e jornalista?
Jean Canesqui é roteirista e editor da revista Kaos!.
:: Douglas Marques Comito
Pra ser um bom desenhista, basta treinar muito, se possível diariamente, procurar evoluir o traço, não ficar estagnado e, além de tudo, ter o dom! Porque sem dom seremos apenas Liefelds da vida! ^-^
Douglas é roteirista da Turma da Mônica, escritor e desenhista… Não exatamente nessa ordem.
:: Renato Lima
Perguntinha complicada. Tem gente que confunde história em quadrinhos com técnica de desenho, ilustração. Na verdade, quadrinho é narrativa, contar uma história com imagens. E ponto.
Mas, tanto os fãs quanto os desenhistas/autores em início de carreira confundem muito isso e dão mais valor ao virtuosismo (mostrar que sabe desenhar, que domina a figura humana, sombra, perspectiva etc.) em detrimento da narrativa. Afinal, se você parar em um quadrinho para notar como o brilho do olho da heroína está bem feito, já esqueceu do que se tratava a história. É o mesmo que um efeito especial chamar mais atenção do que a história do filme. Os quadrinhos da Image (em sua maioria) e muita coisa do Alex Ross (exceto Marvels) são bons exemplos disso. Excelentes ilustrações, péssimas narrativa e diagramação.
Lógico que o estilo de desenho tem que se adequar ao gênero do quadrinho. Citando um exemplo próximo: o traço do Ota é ótimo para o quadrinho de humor que ele faz, mas quando ele escreve roteiros de terror chama os desenhistas que acha mais adequados ao tema da história. O John Romita Jr. não é um desenhista virtuoso de super-herói como o citado Alex Ross, mas conta uma história magistralmente. E o quadrinho japonês/mangá privilegia a narrativa, tanto na diagramação quanto no número de páginas por capítulo.
Não estou dizendo que não se deve ter técnica ou aprender a desenhar; deve-se saber construir para depois destruir. A arte tem que ser bem executada e inovadora sempre porque um mau desenhista pode matar um roteiro bom, por não conseguir transpor as palavras de maneira gráfica adequada (uma história de heróis sem domínio da figura humana e movimento, por exemplo. Ou uma HQ de humor sem um traço engraçado). A arte não deve atrapalhar o objetivo principal: contar algo através de imagens e texto. As obras do inglês Alan Moore são bons exemplos de artistas fabulosos e detalhistas no traço trabalhando em favor do roteiro: Watchmen (Dave Gibbons), From Hell (Ed Campbell), Liga Extraordinária (Kevin O’Neill), a linha ABC e até mesmo Swamp Thing.
A tendência é que o artista amadureça com o tempo, achando seu estilo e melhorando a narrativa, quando menos passa a ser mais (menos virtuose mais storytelling). Moebius, Miguelanxo Prado, Frank Miller, John Romita Jr., Joe Kubert, Art Spielgeman, Bill Watterson, CLAMP, David Mazzucchelli, Jaime Hernández e Robert Crumb são ótimos exemplos, mestres dos quadrinhos.
Renato lima é autor de HQs e editor da Jukebox.
:: Alan Sieber
Difícil isso. Acho que é o poder de síntese que define.
Alan Sieber é cartunista, editor da revista F. e autor do livro Vida de Estagiário.
:: Sam Hart
Na minha opinião, um bom desenhista DE HQ (diferente de um desenhista, só) não tem que saber desenhar, e sim CONTAR UMA HISTÓRIA.
Tem vários excelentes desenhistas que não sabem contar uma história – e vários desenhistas de fanzines que não sabem desenhar, mas é perfeitamente possível de entender a história… e é isso que importa, afinal essa arte que admiramos não se chama Desenhos em Quadrinhos…
Por outro lado, já ouvi falar que o que faz um desenhista de HQ ter sempre trabalho é ele ser bom, rápido e/ou gente fina – duas dessas três qualidades garantirão trampo pra vida toda.
Sam Hart é desenhista e roteirista de HQs.
E para você, estimado leitor, O QUE DEFINE UM BOM DESENHISTA DE HQ?