Três vezes em que as HQs me enganaram

Memórias de um leitor de gibi de super-heróis

Capa de A Teia do Aranha 42
Capa de A Teia do Aranha 42 – Editora Abril

O ano era 1993 e eu havia recentemente me convertido aos gibis de super-heróis. Eu estava pronto para conteúdos mais maduros depois de anos lendo turma da Mônica, Disney, Zé Colmeia, Tom e Jerry, Sergio Mallandro, Xuxa, Barbie e basicamente todo o tipo de revistinha que passasse pela minha frente.

 

Comecei com o que já tinha visto na televisão ou lido algo esporadicamente. Super-Homem, Liga da Justiça, Homem-Aranha, Capitão América… Era uma época em que eu conseguia investir minha mesada nos títulos da Marvel e DC que saíam aqui pela Editora Abril. Não eram muitos, uma dúzia, talvez e saíam no “formatinho”, que reunia algumas histórias no tamanho econômico. Para pagar bastava ver o número e letra que vinham na capa e conferir a tabela que ficava com o jornaleiro. A edição nº 42 de A Teia do Aranha custava A23, por exemplo.

 

Estava maravilhado como todas aquelas aventuras pareciam intrincadas e cheias de consequências. Wolverine vivendo uma temporada inteira em Madripoor? Nunca tinha visto isso acontecer com o Zé Carioca.

A primeira vez

Capa de O Incrível Hulk 121 – Editora Abril
O início de Atos de Vingança

Comecei a ver seguidos anúncios de algo que começaria em Incrível Hulk nº 121, uma saga chamada Atos de Vingança. Uma proposta megalomaníaca que viria para (atenção para a frase) “mudar as coisas para sempre” no universo da Marvel. Era abril de 1993 e a minha cabeça entrou em parafuso.

A premissa era divertida e estava me enganando direitinho. Os vilões haviam se reunido e decidido trocar de adversários. O Ultron, inimigo dos Vingadores, atacaria o Demolidor, Thor enfrentaria o Fanático e por aí vai.

A segunda vez

Enquanto isso, na DC, teoricamente concorrente, mas que aqui saía pela mesma editora, começaram os anúncios de uma série chamada Armageddon 2001, que começaria em maio daquele ano e iria “mudar as coisas para sempre”. Que a sorte a minha, não? Cheguei bem em tempo de testemunhar a revolução em ambas as principais linhas de heróis.

Capas de Armageddon 2001 – Editora Abril

No futuro próximo um dos mocinhos da DC trairia a confiança de seus aliados e se tornaria um ditador chamado Monarca. Um personagem recebeu a missão de viajar no tempo para os tempos atuais e investigar quem foi. Seu nome é Tempus e se não me engano nunca mais foi usado fora da série e de uma outra história ruim que saiu por aqui em uma revista Superpowers.

Lembro que ficava olhando para a figura do Monarca e tentando decifrar se a cor dos olhos batia com a da Mulher-Maravilha, por exemplo.

Tanto Atos de Vingança quanto Armageddon 2001 me empolgaram no início e decepcionaram bastante na conclusão. As tais mudanças não foram tão importantes e poucas páginas depois não se falava mais do assunto. Uma desilusão para um jovem leitor.

A terceira vez

Os meus pais sabiam que eu lia muitos quadrinhos. Eles eram os financiadores do meu vício e em alguns casos eram os próprios fornecedores. Isso não quer dizer que eles liam o que eu consumia. A minha mãe achava tudo muito escuro e meu pai dizia que não conseguia entender a ordem de leitura. Justo. Só que eles e (todo mundo que era minimamente informado) sabiam que naquele ano de 1993 aconteceria algo que “mudaria a história dos quadrinhos para sempre”. O Super-Homem, o Clark Kent, o último filho de Krypton, morreu.

A notícia saiu no caderno de cultura de todos os jornais e lembro de ter visto várias matérias na Globo. Eu não só precisava ler aquilo, precisava ter aquele gibi histórico.

A Abril fez uma campanha de marketing enorme em cima do especial, que reuniria todo o arco A Morte do Super-Homem e seria publicado no Brasil em novembro, muito antes do que deveria. Dava para comprar a versão só com a revista ou em um pacote comemorativo cheio de cacarecos, como um fac-símile da Action Comics nº 27, de 1939 e um pôster com dezenas de heróis carregando o caixão.

Anúncio para o kit de A Morte do Super-Homem

Não era uma história de todo ruim. Apesar de eu não ter entendido quem era aquele tal Bloodwynd, nem o que tinha acontecido com a Liga da Justiça que ali não era mais engraçada, ficou a sensação de ter acompanhado realmente algo diferente. Era o adeus a um clássico. Descanse em paz, Kal-El.

Até que em 1994 saíram as quatro edições de Funeral para um Amigo, o especial Super-Homem Além da Morte e as três revistas de O Retorno do Super-Homem. Em menos de um ano eles tinham trazido o personagem de volta, praticamente como se nada tivesse acontecido.

Eu deveria ter ficado bravo e exigido meus pêsames de volta, mas fazia parte do jogo. Eles não me enganariam de novo, aprendi como as coisas funcionavam. Jogavam uma isca, nos entretinham por um tempo com promessas e depois nos faziam acreditar que na próxima saga… Ah, esta viria para “mudar tudo”. É um combinado, uma piscadela para os leitores.

Claro que existem histórias que realmente fazem alguma diferença, pelo menos por um tempo (a Barbara Gordon ainda está na cadeira de rodas?), só que eu não cairia nessa de novo. Pelo menos até que o Hal Jordan se tornou um vilão. Ou até que o Wolverine perdesse o Adamantium. Ou até que a Wanda dissesse “chega de mutantes”. Ou até… Bem, até a próxima vez em que os quadrinhos consigam me enganar.

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