Depois do sucesso de Astronauta: Magnetar, estávamos todos ansiosos pelo próximo trabalho de Danilo Beyruth. Sabíamos que seria uma história longa sobre São Jorge (falamos dela aqui ano passado), mas não se sabia muito mais além disso.
A obra era cercada de expectativa, tanto por seu tamanho (234 páginas!), quanto por ser algo de importância pessoal pro autor, que faz aniversário no dia do santo, 23 de abril. E nesta mesma data este ano a Panini anunciou que lançaria a obra. Dez dias depois, gibi recém-lançado, e agora?
Na capa final o logo da Panini está na parte branca e o título no quadrante superiorAntes de falar da história propriamente dita, é preciso analisar a importância desse lançamento. Segunda experiência da maior editora de quadrinhos do país com autores nacionais (depois de ter “adotado” o Valente de Vitor Cafaggi), São Jorge é um teste da Panini sobre o potencial de venda de obras inéditas de quadrinistas brasileiros.
Com a eterna exceção de Mauricio de Sousa e sua Turma da Mônica, qualquer material nacional é considerado um risco editorial. Mesmo sendo um cara premiado como o Danilo Beyruth, cujo último e aclamado trabalho foi justamente com o Astronauta do Mauricio. Por isso, para esse projeto de São Jorge a palavra de ordem é “acessível”. Pensar nessa palavra ajuda a entender o produto final.
Para permitir a produção a baixo custo, a obra foi dividida em dois volumes, o formato da HQ é menor do que o de costume (21 X 16 cm, como a Turma da Mônica Jovem), e foi utilizada uma combinação papel-impressão que deixa os tons mais escuros meio apagados.
Mas isso permitiu um preço de capa de R$ 19,90 para um gibi nacional de 120 páginas, distribuição em bancas de jornal e em outros pontos de venda (nas próximas semanas, segundo a Panini) e não apenas em livrarias. Ou seja, material mais acessível.
Sobre a história em si, o título deste primeiro volume, “Soldado do Império” é mais do que adequado, pois é exatamente dessa forma que conhecemos o então tribuno Jorge e acompanhamos a sua jornada no Império romano do final do século 3º. Mas também acompanhamos a história da pequena Vera (coitada!) e do césar romano Galerius (aliás, o autor explica de maneira eficaz a tetrarquia romana em uma página, melhor que muito professor de História por aí).
É ótimo ver a capacidade narrativa de Beyruth de ir aos poucos criando o clima para as grandes cenas que pontuam cada capítulo. A Batalha de Alexandria é uma puta sequência de ação e fico particularmente abismado com o talento do Danilo em desenhar mortes criativas e repugnantes.
Quem espera batalhas com dragões na Lua pode acabar se decepcionando. Beyruth traz para a trama referências aos mitos relacionados a São Jorge, mas o gibi fica mesmo no campo da aventura histórica com muitas liberdades ficcionais, mas sem elementos sobrenaturais evidentes.
O ponto negativo do gibi acessível é que a qualidade narrativa é prejudicada por algumas das decisões editoriais. Além da já citada impressão “tá acabando a tinta preta”, o formato pequeno não é o melhor veículo pra arte do Beyruth. É lamentável ter que arregaçar a revista de lombada quadrada para conseguir ver direito uma das belas páginas duplas da HQ.
Uma decisão narrativa que me incomodou foi o autor ter inserido falas em quadros que a arte já narra satisfatoriamente. Não apenas por tornar o texto redundante (“vou usar a espada” quando a cena mostra o personagem sacando a espada), mas porque as falas adicionam tempo em cenas que deveriam ser rápidas, quebrando a ilusão narrativa (talvez um uso maior de recordatórios em vez de balões ajudasse). Essa pode ter sido uma muleta narrativa para um público amplo que talvez não seja familiarizado com a leitura visual, mas acho que esse apelo ao acessível empobrece a obra.
No fim das contas, não é algo do nível dos melhores trabalhos de Danilo Beyruth, como Bando de Dois ou Astronauta: Magnetar, mas ainda é muito superior à maior parte do material publicado hoje no Brasil, seja nacional ou internacional.
O gancho do final do gibi me fez perguntar pros editores da Panini presentes no Fest Comix quando sai o segundo volume, e os sádicos Érico Rosa e Levi Trindade confirmaram que a tortura pela espera do desfecho vai perdurar até julho!
Eles também disseram que se a aceitação do material for boa, podemos esperar o relançamento em outros formatos, como edições “definitivas” ou até coloridas! Espero que isso aconteça o quanto antes, pois o (compreensível) formato atual da HQ não faz jus à obra que contém.
São Jorge – Vol. 1 – Soldado do Império
Roteiro e arte: Danilo Beyruth
124 páginas, preto e branco, formato 21 X 16 cm, R$ 19,90, Panini Comics.
Vejam aí o teaser animado de São Jorge: