Eu ainda vejo os Simpsons.
O faço desde 1991, quando o desenho animado estreou sem nenhum alarde na TV Globo, em pleno sábado de tarde. Acompanhei a Simpsonsmania em seu começo, vendo todos os episódios na TV, jogando o fliperama e ligando pro Disk MTV pra eles passarem o videoclipe de Do The Bartman.
O que me fez ficar tão vidrado na família amarela não era necessariamente as situações cômicas de uma família de classe média, mas sim os desafios e situações vividas por Bart, que assim como eu tinha 10 anos e estava na quarta-série.
O episódio que me fez ficar viciado de vez na série saiu no ano seguinte, na segunda temporada, chamado A Prova Final. Na história, Bart precisava tirar uma boa nota para conseguir passar de ano, só que a dificuldade em se concentrar nos livros, por mais que ele se esforce muito, deixava tudo quase impossível.
Quando vi esse episódio eu tinha a mesma idade do Bart, a mesma TDAH que só diagnostiquei depois de adulto e também estava quase pra repetir de ano. Ver esse desenho que tanto dialogava comigo me fisgou de uma maneira que eu não perdia nenhum episódio sequer, nem quando a Globo “escondeu” os Simpsons pra um horário ingrato em pleno domingo de manhã.
Depois veio a adolescência e a timidez e a dificuldade de fazer amigos me fez adotar a Lisa no fundo do meu coração. À medida que fui crescendo fui me vendo nas trapalhadas e inconsequências do Homer e, quando fui pai pela primeira vez, comecei a me ver fortemente na Marge.
Eis que quase 35 anos depois me deparo com o segundo episódio da trigésima-quinta temporada dos Simpsons: Sonho de Uma Noite de Infância.
A história começa com um flashback de quando Bart tinha 5 anos, Lisa 3 e Homer ainda tinha cabelo. A família SImpson brincava com bolhas de sabão e, de repente, o pequeno Bart fica preso em uma das bolhas. Pro desespero da Marge, a bolha estoura e Bart desaparece junto com ela.
Tudo era um sonho. Marge acorda no meio da noite, pálida, suada e doente. Durante a noite ela havia saído com o Homer pra encher a cara e comer uns hotdogs de procedência duvidosa.
A partir daí, no meio de delírios causados pela doença e vômitos desenfrados, Marge tenta descobrir por meio de sonhos conscientes de como chegou naquela pesadelo de ver o pequeno Bart de 5 anos de idade desaparecer no ar.
Juntando em sua mente tudo o que ela tinha passado no dia anterior, ela descobriu a causa: Bart ia agora pra quinta-série, o último ano do ensino fundamental.
Como ela mesma concluiu: seu último ano como criança. A infância do Bart escorreu pelos seus dedos e não havia nada mais o que ela podia fazer.
Bart agora consegue se virar sozinho pra muitas coisas e não se interessa mais por coisas de criança. Ele cresceu e agora cada vez mais segue seu caminho trilhando sua independência.
Perceber que o Bart não precisa mais tanto dela – e que daqui a pouco acontecerá o mesmo com a Lisa e a Maggie – deixa Marge desolada, o sentido de sua vida vai se despedaçando aos poucos no meio de seus pesadelos conscientes e de seus delírios causados pela sua doença.
Hoje não tenho mais 10 anos e não estou mais na quinta-série.
Quem tem 10 anos e está na quinta-série é a minha filha.
Assim como o episódio do Bart tentando passar pra quinta-série me emocionou no início dos anos 90, hoje me vejo novamente emocionado com a Marge vendo o Bart crescer enquanto ele passa pra quinta-série. É o que eu passo hoje.
Ver os filhos crescendo é uma aventura incrível. Eu nunca conseguiria explicar pra vocês o que é.
Eu não fico triste. Fico feliz. Fico emocionado em ver a vida seguindo em frente, mas também sinto um monte de outros sentimentos que eu não consigo colocar em palavras.
Mas o que eu não consigo colocar em palavras a roteirista (e produtora executiva) dos Simpsons Carolyn Omine conseguiu em um episódio de 22 minutos. Um episódio que, pra mim, entra fácil no meu top 5 de toda a série.
Ver que uma série consegue produzir um material desse calibre depois de 35 anos sendo exibida sem parar é algo incrível.
Pra você, pode ser que Os Simpsons já deveria ter acabado há anos.
Mas pra mim, a série pode continuar por muito mais.
Nota 10