Resenhas a granel: Títulos independentes!

Acho que a consequência mais evidente do excelente momento do quadrinho brasileiro é a abundância de quadrinhos independentes de qualidade que andam pululando por aí. Sejam financiados via Catarse (só aqui nesse post são dois), seja produzidos “na tora”, a produção independente tem criado verdadeiros oásis na mesmice das mega-sagas e os mortos do sangue que vai-e-volta dos quadrinhos mainstream. Com o FIQ então, o volume é enorme – taí o resultado! Por outro lado, é ducacete ver tantos produzindo trabalhos de alta qualidade e inventividade por isso vamos a eles. . . .

-MAKI, do Estúdio LoboLimão (Yoshi Itice, Marcel Keiichi e Kendy Saito), 120 páginas, 17,5 x 23 cm, colorido. R$30,00 (à venda na LoboStore)

. Segundo projeto dos >Parangaricutirimirruaro< do LoboLimão financiado via Catarse (o primeiro foi The Last RPG Fantasy), MAKI narra três histórias passadas na terra fantástica de Westerno, e que acabam se cruzando. Em “O Galeão Voador”, somos apresentados a Haru Maki, um destrambelhado e desacreditado inventor que tenta, de toda forma, fazer sair do papel seu maior projeto; em “O Caçador de Recompensas” é a vez de Jaggah, caçador de recompensas que chega à cidade atrás do escorregadio ninja Jin Woo Zhao. Por fim, em “As aventuras de Boltbot”, conhecemos Zed, um robô que sonha em conhecer o mundo – nessa HQ as tramas se encontram, formando a conclusão do álbum. Com um humor que flerta descaradamente com a escola pastelão de Akira Toriyama (de Dragon Ball e Dr. Slump), MAKI foi uma boa surpresa: uma HQ divertida na medida, descompromissada e que pode ser lida por todos os públicos, coisa que anda faltando por aí. Tudo isso vem embalado num dos materiais graficamente mais bonitos que coloquei as mãos! Sobre a capa em preto e branco, uma linda sobrecapa com efeitos de relevo, sem exageros. Coisa fina e caprichada! O único ponto negativo, pra mim, é o final um tanto corrido – talvez uma quarta história, que fosse incumbida apenas de fazer a amarração das tramas e o encerramento, resolvesse isso. Nada que arranhe o brilho da publicação, até porque o final apressado deixa um gosto de “vem mais por aí”. Esperamos que os >Parangaricutirimirruaro< do LoboLimão produzam isso logo! .

-O Quarto Vivente, de Luciano Salles, 38 páginas, 29,5 x 21 cm, colorido. R$20,00 (à venda na Dimensão Limbo)

. O nosso >Parangaricutirimirruaro< Luciano Salles é um cara mais malandro que o gato: não sei se intencional ou acidentalmente, quando ele venceu o concurso de artes para o livrão Ícones dos Quadrinhos (onde uma caralhada de homenageavam ícones da história das HQ’s mundiais), muita gente se perguntou “Quem é Luciano Salles?”. Ele não só se apresentou para o combate como sacou de debaixo do braço a desconcertante O Quarto Vivente. Desconcertante porque aborda um futuro distópico em que a Eurásia foi pro brejo e os cidadãos dos continentes foram acolhidos por outros países do mundo – a França passou a “existir” dentro do Brasil. O ano é 2177 e as mudanças globais geraram alterações na própria forma dos sujeitos apreenderem o mundo, nas formas de socialização e compartilhamento. A humanidade se tornou uma raça estranha, fria e distante uns dos outros (lembra bem os kriptonianos de John Bráine – inclusive nas roupas bizarras). Não há surpresa, não há encanto: só resta o estranhamento. Salles, nosso >Parangaricutirimirruaro< dos óculos fodões, reforça isso alterando mesmo a linguagem dos personagens: há intervenções do francês, perturbações nos tempos verbais, neologismos. Esse estranhamento inclusive faz com que engrenar a leitura seja uma tarefa um tanto complexa de início – com o tempo se acostuma com o ritmo e a terminologia, mas começar é difícil. A arte do Salles tem uma pegada urbana, do grafitti, que combina bem com a trama. Só me incomodaram um pouco as cores, às vezes sintéticas demais. Ah, e concordo com o Raphael Fernandes do Contraversão: O Quarto Vivente PRECISA ser lida mais de uma vez. .

-Contos do Vini, de Vini Visentini, 20 páginas, 21 x 15 cm, preto e branco. R$2,00 (à venda na Gaveta de Projetos)

O Vini é nosso >Parangaricutirimirruaro< há tempos. Despontou por aqui em Galerias MdM’s (o zine traz uma, inclusive), desenhou o Homem Grilo do Cadu Simões (outro >Parangaricutirimirruaro< de responsa) e andou frequentando aquela moçada esquisita do Uarevá. Em Contos do Vini, ele faz uma mistura de fanzine e portfólio, agrupando ilustrações, tiras e HQ’s, algumas com roteiro do Vagner Francisco (“Val”). A revista em si tem uma pegada de publicações à moda antiga, tipo MAD e materiais da falecida Circo, com “tudo junto e misturado”, alinhavado por tiradinhas e humor non sense. Como artista gráfico, Vini já não precisa provar nada pra ninguém: seu estilo está aí, está estabelecido e, com sua verve cartunesca, tem lugar garantido em materiais com essa pegada. Entretanto, na concepção, nos roteiros, ainda é necessária uma trabalhada maior. Mas o caminho taí, o resumo safado da origem do Homem-Aranha (“O extraordinário e espetacular Garoto Aranha”) demonstra isso. Só deveria parar de usar personagens de “autores” de segundo tipo. El Havano, criando por um tal de Thales Martins, é horrível – O Foxman geraria tiras muito melhores, tenho certeza. .

-Sequestro em Três Buracos, de Leonardo Melo (roteiros) e André Caliman (arte) 100 páginas, 17 x 24,5 cm, preto e branco. R$25,00 (à venda na Livraria Cultura)

Em “Sequestro em Três Buracos”, os viadoss, bichas, dois bichassss Leonardo Melo e André Caliman se propõe a contar a história do sequestro de Laura, filha de um homem influente na pequena e fictícia cidade norte-americana de Três Buracos, mais infestada de gangstêreses do que Gotham City. O sequestro bagunça todo o frágil equilíbrio do crime na cidade, revelando traições e perigosas relações a la Romeu & Julieta. A HQ faz homenagem a clássicos cinematográficos do gênero, como Poderoso Chefão e os filmes urbanos de Quentin Tarantino – de certa forma, Al Pacino, Marlon Brando e Clint Eastwood interpretam personagens de destaque na trama. O roteiro do >Parangaricutirimirruaro< Leonardo Melo é bom, mas às vezes, na sanha de fazer todas as referências que deseja, fica confuso e artificial – exemplo disso são alguns diálogos didáticos demais sobre a fundação da cidade, ainda que sejam indispensáveis à conclusão da trama. Na arte também há alguma confusão, principalmente nos momentos em que o >Parangaricutirimirruaro< Caliman decide finalizar apenas no cinza, sem contornos. Sei que o preto, branco e cinza ajudam demais na imersão, no entendimento do clima da trama, de profunda referência ao modelo noir do cinema, mas (e aí é uma questão de total gosto pessoal) acho que soluções em cor trariam um resultado melhor. É uma HQ bem bacana, amarradinha e que faz jus às fontes em que se inspirou. .

-Máquina Zero, de Lucas Pimenta e Marcello Fontana (organizadores) 152 páginas, 16 x 22,5 cm, preto e branco. R$22,00 (à venda através do e-mail maquinazerohq@gmail.com)

O xará Lucas Pimenta e Marcello Fontana reúnem, nessa antologia pelo selo Quadro a Quadro, artistas nacionais e internacionais para contarem histórias curtas de tema livre. A publicação já começa com a capa arrebatadora de Thony Silas, e abre com (até agora, ao que me lembro) única HQ do francês Boulet publicada no Brasil. Entretanto, se antologias temáticas já são difíceis, uma de tema livre então nem se fala. Máquina Zero sofre muito com a oscilação de qualidade – tanto em termos de arte quanto de roteiros – gerando situações como quando a arte de Ricardo Tatoo, pra mim pobre por exagerar no uso de colagens e filtros de computador, é posta lado a lado com o traço complexo e elaborado do argentino Salvador Sanz. Ao mesmo tempo, um roteiro leve e divertido como o de “M.I.T.” de Boulet é sucedido pela reflexão crua sobre o sentido da vida que o Gilmar faz em “Sete”. De qualquer forma, os pontos altos são MUITO altos (Boulet, a HQ de Wilson Vieira e Aloisio Castro, a ilustração exclusiva de Jon Bogdanove sobre o Brasil – deveria vir como pôster!, o lirismo quase bobo de Guerras do Sono) e compensam mesmo os incômodos. .

-Feliz aniversário, minha amada, de Brão Barbosa. 40 páginas, 14 x 21 cm, colorida. R$12,00 (Disponível pra ser lida di grátis e à venda no site do Brão)

No FIQ eu enfim consegui colocar as mãos no elogiadíssimo segundo trabalho do Brão. 11 em cada 10 resenheiros de quadrinhos que acessaram o material deram notas altas e fizeram elogios de fazer corar o mais arrogante dos mortais. Confesso que fui ler cheio de expectativa e, se todo castigo pra corno é pouco, todo elogio que Feliz aniversário, minha amada recebeu também era! Mas com um gravíssimo problema: qualquer coisa que se diga sobre a trama, corre-se o risco de ferrar com ela completamente. Daí só fica a indicação: leia. E não se incomode se, depois de terminar, você tiver certeza de que, pro bem da sua saúde, você não deve ser amigo do Brão. O cara é perturbado! Ex-funcionário de um banco, o >Parangaricutirimirruaro< Brão despontou pra arte quando seus trabalhos de ilustração valeram citação elogiosa no Brainstorm#9, podcast descolado da galera do dizáine. Também numa pegada urbana com o pé no grafitti (mas numa vibe completamente diferente do Luciano Salles), sua arte caricata, em “Feliz aniversário…” é um baita alívio: tenho certeza que você não gostaria de ver os eventos da trama retratados por uma arte mais… realista. A HQ também conta, em versão digital, com tradução para o inglês, resultado do trabalho do também nosso >Parangaricutirimirruaro< e leitor do MdM (tadinho…. tão jovem!) Patrick Orelha. .

-Cara, eu sou legal!, de Marilia Bruno. 80 páginas, 20 x 20 cm, preto, branco e rosa. R$20,00 (Segundo a Marilia, na Itiban tem, e na Gibiteria também. Mas não achei no site da Itiban e a Gibiteria está em reforma… )

O que dizer desse quadrinho que eu mal conheço e já considero pakas? Cara, eu sou legal! foi o resultado do trabalho de conclusão de curso em dizáine da Marilia, e que ganhou versão impressa via Catarse. Apesar de ser leitora do MdM e carioca, a Marilia é gente boa pra dedéu e, no álbum, narra as desventuras de uma garota comum, da cidade, refletindo sobre a vida e as relações. Alguém, ainda no FIQ, me disse que Cara, eu sou legal! era uma HQ feminista que passa longe de ser chata, e que tem tudo para acertar em cheio as garotas. Discordo com ele – acho que o álbum tem tudo para acertar nós homens também, fontes de muitos dos desentendimentos narrados por ela. Há momentos absolutamente impagáveis, como a história “A Síndrome da Mão Adolescente” e, mais ainda, o apêndice explicativo dela que, conforme a Marilia me contou, foi feito porque muitos homens não entendiam a piada – daí que a piada ficou melhor ainda! Recomendadíssimo! .

-as coisas que Cecília fez, de Liber Paz. 60 páginas, 21 x 28 cm, preto e branco. R$20,00 (Também não achei onde compra, eu suponho que tenha na Itiban. De qualquer jeito, vai lá no blog do Liber e xinga ele)

No segundo trabalho impresso do >Parangaricutirimirruaro< Liber Paz que eu tenho o prazer de ler (o primeiro foi o dolorido “Modelo Vivo”), o cabra já chega arrebentando – de novo. As coisas que Cecília fez já virou figura fácil nas listas de melhores do ano de 2013, e eu fico pensando o que tenho pra dizer sobre o álbum sem chover no molhado. Cecília é uma mulher adulta, filho, marido… Casada e feliz, ela vê tudo se bagunçar com o retorno de uma figura do passado e, com ela, lembranças de tempos idos – as tais “coisas que Cecília fez”. Liber conta uma história “pequena”: uma mulher comum, numa cidade brasileira, às voltas com sua própria vida. Não há aventura intergalática, aranhas radiativas ou mutantes. Não há nem um longo lapso de tempo, um futuro distópico. Há só a história de uma mulher e seu passado, uma história que pode estar acontecendo nalgum lugar desse Brasil nesse exato momento. Ele já tinha feito isso em “Modelo Vivo” (onde um artista e sua modelo conversam sobre relacionamentos), mas aqui ele expande a trama, mesmo mantendo o olhar no microscópio, detalhista. “As coisas…” é uma história bonita e triste sobre uma pessoa de verdade – e nisso, aliada à condução sem firulas, sem aqueles artificialismos pedantes que às vezes abarrotam os materiais autorais, traz toda a beleza do álbum. As condecorações simbólicas são mais do que merecidas. . . É isso aí, pessoal!

 

Espero que esse post tenha feito a alegria de muitos >Parangaricutirimirruaro< e >Parangaricutirimirruaro< do quadrinho no Brasil – é preciso que esses caras e essas minas se animem e produzam sempre mais, e com alegria! Porque ser quadrinista nesse país é isso aí: é ozadia e alegria!

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