Sábado rolou o DC Fandome e eu estava planejando fazer um post sobre o evento em si, mas como a execução foi aquém do que eles prometeram, desanimei. Mas também não quero fazer posts sobre o que rolou (basicamente não teve nada de realmente novo). Então vou fazer uma análise, daquelas mesmo que vocês já conhecem, sobre os planos da Warner para a DC (e quanto tempo até eles mudarem completamente pela enésima vez).
Como eu mencionei por alto, o evento não teve realmente nenhuma surpresa. Ou vimos cenas e imagens que já sabíamos que ia rolar ou tivemos informações que já sabíamos ou através de mídia oficial ou de boatos. Inclusive, teve informações novas divulgadas na mídia que não foram mencionadas no evento (por ele ter sido pré-gravado). Mas, além disso, a DC revelou também qual a sua estratégia para as produções da DC – que também não é lá muito uma novidade, mas agora tem mais cara de oficial.
Como não tem capacidade de competir com a Disney/Marvel Studios no quesito Universo Compartilhado, a Warner decidiu jogar seu próprio jogo: entender que as propriedades da DC existem em um multiverso e podem conter diversas versões diferentes dos personagens. Mas aí você me pergunta: “mas eles já não tinham definido isso? Tô tendo um deja vu? Nosso universo é uma simulação de computador?” É verdade, essa ideia já é lançada por pessoas diversas dentro da DC como desculpa para a falta de coerência interna há um bom tempo já (desde pelo menos o filme do Lanterna Verde) e também era usada como justificativa para explicar a diferença entre as séries de TV e os filmes, mas nunca foi de fato “oficializada” digamos assim, especialmente no sentido de estabelecer que filmes podem fazer parte de universos diferentes. E, se os comentários do Walter Hamada forem algum indicativo, a própria maneira de ver as mídias (antes tinha muita treta por personagens serem vetados do nada, por exemplo, o que causou o sumiço de vários persoangens no Arrowverso) pode mudar.
A agenda oficial da DC atualmente conta com 7 filmes esperados para os próximos anos: Mulher Maravilha 1984, saindo do forno assim que a pandemia deixar; Esquadrão Suicida em pós-produção; The Batman em início de produção; The Flash no Batverso, Adão Negro, Shazam: Fury of the Gods e Aquaman 2 em estágios variados de pré-produção (e Mulher Maravilha 3, claro, se WW84 for bem). Correndo por fora tem também o Snyder corte para o HBO Max, que não é mais um filme e sim uma minissérie em 4 partes. E era isso. Não tem filme novo do Superman, não tem Supergirl, Batgirl, Arlequina e suas amigas 2 ou Joker 2. Óbvio que mais alguma coisa pode ser anunciada mais adiante, mas por enquanto é isso.
Essa leva de filmes delineia a estratégia “multiversal” para a DC: Flash, Shazam 2 e Aquaman parecem fazer parte do universo do filme da Liga da Justiça (que não é mais o universo do Snyder, já que ele vai ter seu próprio universo compacto no HBO Max). The Batman foi confirmado como sendo uma história isolada, enquanto que Mulher Maravilha e Esquadrão Suicida ficam num limbo onde, ao mesmo tempo em que figuram personagens do universo anterior, aparentam ser leves reboots. Ainda não há informações suficientes para saber onde o filme do Adão Negro se encaixa; apesar do Dwayne Johnson ter feito uma brincadeira com os membros da liga (o que pode indicar que faça parte do mesmo universo), ao mesmo tempo o filme terá a presença da SJA, que nunca foi citada nesse universo. Enfim. Muito mais simples que o universo da Marvel, né? #sarcasmo
“Mas e daí?”, você me pergunta. A Warner faz isso desde sempre, onde tá a novidade? Bom, a novidade é que eles vão fazer um filme especialmente para explicar isso ao público leigo. Para a gente que lê quadrinhos e acompanha as notícias, esse tipo de conceito não é novidade. Mas nós somos a minoria. Num mundo pós MCU, o público já se acostumou com personagens compartilhando histórias e fazendo parte de um mesmo continuum. Então a Warner vai para a rota didática com o filme do Flash. No DC Fandome (e na matéria da Vanity Fair), ficamos sabendo que o filme envolve viagem no tempo (como esperado), mas vai ser basicamente sobre Barry Allen conhecendo outras realidades (por isso ele vai encontrar com o Batman Michel Keaton). Embora isso não tenha sido mencionado, é bem óbvio que o filme vai funcionar como um “Multiverso DC para leigos” para fazer o público geral entender que os filmes na DC não só não precisam seguir uma linha cronológica única, como podemos inclusive ver mais de uma versão do mesmo personagem. Acredito (aí é especulação minha) que a expectativa da DC é que o uso de um personagem conhecido como Batman em uma versão vista em um filme antigo de sucesso (o do Tim Burton) facilite a digestão do conceito.
Ou seja, o que antes era largado mais como uma desculpa, agora parece se solidificar como uma estratégia de fato. Mas isso é bom ou ruim? Bem, como tudo na vida, depende do ângulo que você vê. Como ideia, é uma estratégia muito boa. Permite que diversas histórias diferentes possam ser contadas sem se preocupar com conectar filmes, permite que a Warner esqueça filmes que fracassaram dizendo que se passaram em outro universo, permite fazer leves ajustes de um filme pra outro, e assim por diante. Se a gente parar pra pensar, isso meio que já tem acontecido nos últimos filmes e até agora tudo bem. Na teoria, parece a estratégia mais acertada. Mas na prática a coisa muda de figura.
Primeiro que estamos falando da Warner, que sempre que algo dá muito certo ou muito errado, se desespera e muda tudo da noite pro dia. O próprio evento DC Fandome mudou completamente dois dias ANTES, numa ação que deixou todo mundo confuso (inclusive envolvidos com o evento). Então é difícil saber se a Warner dessa vez vai levar adiante essa ideia ou vai amarelar no último minuto. Outro ponto importante é a reestruturação interna pela qual a Warner está passando, que inclui a DC. Todos esses planos aparentam ser anteriores a reestruturação (o que pode explicar inclusive as mudanças de última hora no DC Fandome), então não dá pra saber o quanto desses planos vão seguir adiante e o que vai ser mudado. Pode ser que algum desses filmes oficializados seja eliminado ou completamente alterado.
Por último e não menos importante, vale lembrar que o Multiverso encontrou seu ápice nos quadrinhos na Crise nas Infinitas Terras, uma história que foi criada como uma estratégia editorial porque o conceito do Multiverso acabou se tornando um problema. Ao invés de dar liberdade para os autores fazerem histórias diferentes e interessantes, o multiverso se transformou num frankenstein com uma porção de histórias que se contradiziam e ninguém mais sabia o que valia e o que não valia. Os leitores já não conseguiam mais acompanhar as coisas porque numa história o roteirista resolvia que o Superman tinha um poder maluco e na outra isso não era mencionado nunca mais porque tudo o que se fizesse era automaticamente entendido com um “é uma outra versão do personagem, aconteceu em outro universo”. Se a Warner for pro mesmo caminho (possíveis exemplos sendo Mulher Maravilha 1984 e O Esquadrão Suicida), eles podem se ver obrigados a puxar o fio antes do esperado.
Há um outro ponto a ser levado em consideração que é: essa “oficialização” do Multiverso é mesmo necessária? Embora leve a possibilidades interessantes (como um futuro filme baseado em Crise), ao mesmo tempo talvez seja pensar demais em algo que é muito mais simples. O público geral parece não ter tido problema nenhum com o Coringa do Joaquim Phoenix. Em geral, a galera não se pergunta muito sobre detalhes como se esse Coringa é o mesmo Coringa de Esquadrão Suicida, se é outro, etc. É só um filme e deu. Somos nós (uma minoria) que queremos ficar vendo conexão em tudo. Um bom exemplo disso são os filmes dos X-men, que usavam os mesmos personagens mas cagavam para qualquer cronologia. Cada filme era uma história isolada que mal se conectava com os filmes anteriores e isso não incomodava o público geral. Então talvez a Warner nem precise ficar justificando o Multiverso, basta fazer bons filmes isolados (que não sejam só do Batman ou de personagens do universo do Batman) e era isso. Se o filme for bom e tiver uma história autocontida, o público não vai ficar se perguntando em que contexto ou universo aquela história se passa.
Resumindo, a estratégia tem potencial? Ter, tem. Vai dar certo? Se a Warner tomar esse conceito com confiança e não olhar para trás, talvez. Mas o histórico da Warner com a DC é bastante inconsistente e recheado de puxadas de freio desesperadas a cada bilheteria que foge do esperado, cada crítica que não é o que eles queriam ler. Se essa volatilidade continuar depois dessa reestruturação, é difícil ver isso como um “agora vai!” (de “agora vai” a história da Warner/DC está cheia). Mas só o tempo dirá. Eu já perdi a confiança na capacidade da Warner de lidar com os personagens da DC no cinema há muito tempo.