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Mas e aí, o Oscar é racista?

Sim, meus caros. Com o atraso que me é costumaz, resolvi abordar esse que é o assunto do momento (do mês passado). A (falta) de representatividade de atores negros nos últimos Óscarezes.

“Ain Máximo tá querendo furar o olho do Porco seu ladrão de protagonismo”. É isso aí Não é bem assim, pimpolho. O que acontece é que eu encontrei um artigo interessante na The Economist (e também o estudo que serviu de base pro artigo) e, como ele era muito baseado em números e eu sou o especialista em estatística do Mdm, resolvi compartilhar meus vastos conhecimentos com vocês.

De nada, Bilú.

Uma introdução (nível MDM) a como os números funcionam

Antes de falar de números, uma explicação breve sobre como estatísticas sobre amostras funcionam: De maneira bem simplória, pode-se dizer que, ao se observar um fenômeno, se uma determinada característica não tem influência sobre o mesmo, ela deve não ter nenhuma correlação em especial com ele. Por exemplo, digamos que eu queira saber se fumar aumenta a chance de acidentes de carro. Eu poderia entrevistar uma amostra de pessoas (fumantes e não-fumantes) e saber quantos acidentes cada uma teve. Se essa amostra for pequena, aumenta a chance de coincidências gerarem distorções. Ou seje: Quanto mais gente amostrada melhor.

Havendo uma correlação positiva (os fumantes da amostra terem tido mais acidentes que os não fumantes), temos uma prova que cigarro causa acidentes? Não, pois correlação não é causação. Na prática, só com isso não temos como saber se são os cigarros a causa dos acidentes (como por exemplo com as pessoas se distraindo enquanto fumam dirigindo) ou se fumantes possuem alguma outra característica intrínseca que favoreça acidentes (fumantes geralmente também bebem, e isso aumenta a chance de acidentes). Contudo, pode-se afirmar que aí tem coisa.

Então agora que tiramos isso do caminho, vamos ao problema.

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Cinema, Cores e Números

Antes de começarmos a falar de Oscar, temos que entender a população americana, que é a principal fonte de atores, bem como o público-alvo das produções de Hollywood. A população americana é majoritariamente branca, com 77%  62% da população de brancos, 13,2% de negros, 17,4% de latinos e o resto entre asiáticos, índios, miscigenados e outros. Partindo da hipótese que não há nenhum tipo de viés contra não brancos, proposital ou não, se esperaria que a proporção de atores, de papéis principais, de indicações e de vencedores do Oscar fosse mais ou menos essa, né? Vejamos:

Pra vocês que não falam nem grafiquês nem Anglaix Nasáiquico, traduzirei: O gráfico é feito com dados de 2007 a 2013, com a proporção da população americana na barra do topo. Abaixo dela há a proporção de atores sindicalizados (necessário caso ele queira trabalhar em hollywood). Aqui, já podemos ver que os latinos são subrepresentados, mas os negros estão em uma proporção muito próxima da população em geral.

Logo abaixo vem duas barras representando atuações (considerando apenas os 100 filmes de maior bilheteria de cada ano entre 2007-2013) e papéis principais nestes filmes. Aí começamos a ver as primeiras distorções: Apesar do número de papéis se manter na mesma proporção, quando falamos de papéis principais, já temos aí uma sub-representação. Além disso, o estudo original aponta para outro detalhe: nos EUA, existe a cultura dos filmes de negro para negro, com praticamente todos os atores negros (como os filmes do Tyler Perry, por exemplo).

Ignorando esta distorção, e adicionando o efeito Token Black, que é o nome do cliche de ter aquele um personagem negro ali só para constar (e nome da única criança negra de South Park) pode-se supor que a proporção de atores negros em filmes em geral pode ficar mais próxima da vista entre os personagens principais de filmes “para todas as raças”.

(Não vou nem comentar a situação dos latinos, que, nessa altura, são basicamente a Michelle Rodriguez, o Danny Trejo e o Tuco Luis de Homem Formiga).

A primeira pergunta a ser feita é: Por que? O número de atores segue uma proporção similar à população, então seria esperado que os papéis principais tivessem também uma proporção próxima, o que não ocorre. Aqui o pessoal que já está na defensiva só pode hipotetizar: Coincidência? Racismo mesmo?Atores negros geram menos bilheteria? Faltam talentos negros?

Reparem uma coisa sobre estas últimas hipóteses: Somente uma delas não é racista (a coincidência, caso você seja burro). O estudo levanta mais uma: Diretores não-brancos tendem a escalar mais atores não-brancos, e existe uma quantidade reduzida de diretores negros em comparação a brancos, com algo similar ocorrendo com as mulheres na direção (insira aqui sua piada machista sobre mulher e direção preferida).

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Apesar da maioria dos acidentes ser causada por homens.

Tá. Mas e o Oscar?

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As duas últimas barras mostram a situação dos Oscares até 2013. Aqui podemos ver dois efeitos interessantes: Primeiro, o número de indicações é bem próximo ao número de papéis principais. “Ain então tá certo”. Calma cara, lembra que metade destas indicações são para atores coadjuvantes, então seria esperado algo mais no meio do caminho.

Mais interessante ainda é que o número de atores negros premiados é maior até mesmo que a proporção de negros na população. Arrá, taí a prova! Acabou o racismo nos EUA. KKK e Panteras negras saindo de mãos dadas nas ruas cantando Kumbaya e…

Dançando quadrilha também, por que não?
Dançando quadrilha também, por que não?

Infelizmente, tenho que por água no seu chopp. Primeiro vamos analisar os dados em si. Esse número alto de premiações pode indicar várias coisas, como o fato de que a academia privilegia histórias reais e dramas, e a história dos negros nos EUA é cheia destes momentos, levando a vários filmes “Oscar-bait” com atores negros sofrendo o pão que o diabo amassou (como 12 de escravidão, para ficar apenas em um exemplo) entre outros.

Mas mais importante que isso é ver que os dados vão até 2013 (ano que o tal estudo foi feito). Por que isso é importante? Porque 2013 foi o último ano em que um negro foi indicado a qualquer categoria de ator/atriz, seja principal ou coadjuvante. Aliás, em 2015, não foram apenas negros, mas sim todas as minorias. Isso muda essa porra desses gráficos todos (não farei gráficos novos por motivos de:preguiça). Adicionando mais 40 indicações e mais 8 vitórias para não negros deixa tudo extremamente distorcido, e a representação de minorias bem abaixo do esperado.

Porra Maximus, afinal o Oscar é racista ou não?

Essa é a pergunta errada, jovem mancebo. O que você deveria estar se perguntando é “O que aconteceu para não termos indicados negros?” Você (especialmente se estiver se sentindo atacado por essa situação) já deve estar procurando explicações alternativas para o ocorrido, como “Simplesmente não tiveram atores negros em papéis bons o suficiente nos últimos dois anos”. Eu só peço que você não pare por aí. Se você acha isso, faça a próxima pergunta “Foi isso mesmo?” “Por que isso ocorreu?”. Aí você vai entender melhor sobre o que as pessoas estão reclamando.

Entenda uma coisa: problemas de representatividade não são sobre você ser racista ou não. É normal se sentir ofendido quando se vê alguém apontando racismo na sociedade, afinal, “Mas EU não sou racista“. Cara, racismo pode ocorrer até mesmo em situações onde ninguém é individualmente racista, apenas por distorções vindas de outros pontos da sociedade. Por fim, o problema não é se o Oscar é racista ou não, mas sim quais são as distorções sistêmicas que podem ter levado a essa situação.

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