God of War: Ragnarok – Um review de quem zerou no Youtube

Antes de mais nada, como você leu aí no título da matéria, quero avisar que eu não joguei God of War: Ragnarok. Não tenho um PS5, nem um PS4 e nem tempo – estima-se que o game leva mais ou menos umas 50 horas pra zerar.

Mas vou te contar o que eu gosto: de um jogo de videogame com uma boa história.

Já tem alguns anos que eu jogo um game muito mais pela história e diálogos que ele conta do que pelo gameplay. Por isso pela minha preferência pelos jogos da Bethesda e Telltale.

Mas e God of War? Primeiro deixe-me contar um pouco da minha experiência com a franquia

Uma vez, lá na metade dos anos 2000, fui visitar o Didi Braguinha, do MRG, lá em Brasília. Um amigo em comum nosso tinha um PS2 na casa dele e fomos visitá-lo. Assim que chegamos ele nos disse: “Tem esse jogo aqui que vocês precisam ver! É super violento, tem uns inimigos gigantescos, é massa

Era God of War. Ele tinha o um e o dois.

Não gostei na época. Além da jogabilidade que eu não gostava, o jogo era cheio de quick time events (minha desatenção e falta de familiaridade com o controle do Playstation me fazia errar tudo) e o Kratos me parecia ser só um brutamontes que gritava e explodia seus inimigos com socos.

Largamos de mão e fomos jogar outra coisa.

Alguns anos mais tarde um primo meu, que tinha o Playstation 3, me chamou para jogar o demo do terceiro jogo da franquia. Fui lá e achei a mesma coisa: apertar o botão de círculo várias vezes pra arrancar a cabeça do inimigo, Kratos gritando, arremessando suas correntes, etc.

Mais do mesmo.

Eis que em 2018 sai mais um jogo de God of War, pra Playstation 4. Além dos gráficos impressionantes, já costumeiro da franquia, vemos Kratos envelhecido na presença de seu filho. Pelos trailers, os gritos desenfreados e a postura de machão saem pra mostrar um protagonista em meio ao luto enquanto enfrenta os desafios de criar uma criança em um mundo violento e cruel.

Alguns amigos meus que compraram o jogo me falaram que eu iria adorar – que não precisava jogar em si, mas que tinha vários vídeos no Youtube só com as cutscenes, que era quase como um filme.

Fui lá no Youtube e dei uma chance. Vi o “filme” inteiro.

E que história linda e maravilhosa. O jogo de ritmo frenético com muita gritaria e sangue jorrando na tela virou uma lenta e cativante narrativa sobre um pai e seu filho. O jogo me conquistou instantaneamente pela história, diálogos e como o Kratos foi escrito. Eu, também pai, fiquei muito tocado com os dilemas que o Kratos passava com Atreus.

Agora, em 2022, saiu a continuação direta com God of War: Ragnarok.

Óbviamente, ainda sem PS4, PS5 e tempo, corri pro Youtube, achei um vídeo com umas sete horas de duração, e fui assistindo aos poucos, diariamente.

E que experiência maravilhosa foi.

A história se passa 3 anos após os acontecimentos do game anterior. Kratos ainda está treinando Atreus enquanto foge de Freya, que busca vingança por ele ter matado seu filho.

No meio disso tudo, Thor e Odin aparecem de surpresa na casa de Kratos. Eles pedem uma trégua: que Kratos pre de derramar o sangue dos habitantes de Asgard e que Atreus pare de procurar por Tyr (o garoto está atrás de mais informações sobre os gigantes). Depois de negar o acordo, Kratos e Thor caem na porrada, Odin vai embora e aí começa a história.

E, como falei, eu zerei o jogo pelo Youtube. Não vou comentar aqui nada sobre a jogabilidade, mas sim da única parte que me interessa: a história.

Eu vi algumas críticas sobre o jogo – a maioria delas cai em cima da história.

Justo.

Alguns núcleos, como o da Freya, são muito fracos. Outros, como o do Thor, até tem potencial, mas mereciam mais detalhes e tempo. Muitas coisas se resolvem rápido demais, muitos personagens aparecem na tela e morrem sem ao menos você saber o nome deles e o ato final, que supostamente é a grande guerra contra Odin e o próprio Ragnarok, é concluída de forma muito conveniente.

“Mas e aí, Change? Você vai analisar a história do jogo nessa crítica. Concorda com esses pontos?”

Concordo.

Mas, antes de continuar com o God of War, deixe-me voltar pra 2009 (tô parecendo o Costinha que muda de história no meio de outra história)!

Em 2009 saia o jogo Batman: Asilo Arkham.

Muitos, com razão, dizem que é o melhor jogo já feito do Batman. A jogabilidade inovadora, a ambientação claustrofóbica dos corredores do Asilo Arkham, as vozes do Kevin Conroy e Mark Hamil e a história de Paul Dini, que é uma grande carta de amor ao personagem, formam uma combinação avassaladora.

Um jogo que recebeu nota 10 por muita gente e recebeu um monte de prêmios, merecidamente, como game do ano.

Mas… Vocês se lembram do Coringa monstro do final?

No final, o Coringa toma a fórmula do Bane e vira um monstro gigantesco, muito maior que o Hulk, com ossos saindo de seu corpo, garras gigantes de seus dedos, músculos aparecendo e um moicano tipo o topete do Pica-Pau maluco.

Uma das piores resoluções que já vi em um videogame.

Mas, ainda assim, esse é o melhor jogo do Batman. Por que? A essência do Batman está lá. Pela primeira vez sentimos como é passar um dia na pele do Homem-Morcego. Pela primeira vez em um jogo vemos todo o universo dele ser bem representado e bem contado. A ansiedade, o desgaste, a resiliência e a responsabilidade de ser o herói está toda lá.

Quando o Batman, ao final do jogo, com seu uniforme já todo rasgado e com seu corpo todo machucado, escuta um chamado no rádio do Comissário Gordon sobre um crime acontecendo naquele momento e decide pegar sua nave e ir atrás dele… Cara, essa cena é tão “Batman” e tão legal que você já esqueceu o Coringa monstro e termina sedento por um segundo jogo.

A história de Batman: Asilo Arkham não é sobre o Coringa injetar o veneno do Bane e se tornar uma criatura monstruosa no final. A história é sobre os deveres, responsabilidades e fraquezas de um super-herói e como ele encara todos os dilemas de suas ações assim que veste seu capuz.

E isso o game te entrega maravilhosamente bem. Jogo do ano.

Agora vamos pra 2017, quando Randy Pitchford, presidente da Gearbox, falou ao IGN sobre o futuro da franquia Duke Nukem após o desastroso Duke Nukem Forever.

Randy disse que um outro jogo do Duke Nukem seria extremamente difícil, pois o personagem precisaria de uma mudança de paradigma para continuar relevante a ponto de ter um novo jogo.

Duke precisaria passar por uma reformulação que, a seu ver, seria muito difícil. Ele precisaria, segundo suas palavras, de um novo design.

Eis o que ele definiu como design:

Um game é definido pela sua história, estilo e design. A história é a premissa, o personagem – é o quem, que, quando e onde. O estilo é como vemos e sentimos o game, é a direção de arte, a direção de áudio, é como traduzimos o estilo do game. E aí temos o design, que é o gameplay. É a câmera, o controle, o gênero. É tudo isso!

Segundo Randy, essa mudança aí é quase impossível de se fazer, pois há MUITAS coisas pra se reinventar.

Agora vamos voltar pro God of War: Ragnarok (finalmente).

Essa mudança de paradigma, que é extremamente difícil de se fazer… Foi isso que aconteceu, magistralmente, em God of War (2018) e God of War Ragnarok.

A essência de God of War (2018) não é sobre o Kratos estilhaçando monstros pelo caminho.

A essência de God of War Ragnarok não é sobre Kratos batendo no Thor ou destruindo outros deuses.

Esses dois jogos tem um objetivo central que serve como base de apoio pra tudo o que acontece nos games:

God of War (2018) e God of War: Ragnarok é uma história sobre todos os estágios da paternidade.

Com todo nascimento de um filho, também nasce um pai. Esse pai aprende, em meio a (muitos) erros e (poucos) acertos como é criar um filho. Essa é a história de God of War (2018).

Os anos vão se passando e é dever desse pai reconhecer seus (muitos) erros ao longo da criação de seu filho e tentar, a todo custo, se tornar uma pessoa melhor para que seu filho seja melhor também. É dever como pai pedir desculpas. E também, nessa hora, que vem a parte mais difícil da paternidade: tirar seu filho debaixo de suas asas e entregá-lo ao mundo. Essa é a história de God of War: Ragnarok.

E ESSA história, os dois jogos entregam de forma maestral, completando um ciclo que, por diversas vezes, emocionou esse pai que escreve esse texto aqui.

God of War (2018) e God of War Ragnarok são jogos revolucionários. Tanto nos gráficos, quanto na direção, roteiro e personagens.

A mudança de paradigma tão difícil que foi impossível de se fazer com o Duke Nukem, aqui foi feita perfeitamente.

Nota 10.

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