Com uma tendência atual das séries serem cada vez mais sensacionalistas (onde matar um personagem inesperado ou fazer cada temporada cada vez mais chocante que a outra, mesmo em detrimento da história ou da evolução dos personagens, virou padrão), Stranger Things foi um alívio pra mim. Uma série que não tinha nada de inovadora (pelo contrário, parte do seu apelo era justamente ser “antiquada”), mas que conseguiu criar uma história coesa, redondinha e com personagens interessantes e mais tridimensionais do que costumavam ser as versões nos quais eram baseados.
Pra mim, Stranger Things funcionou bem como uma temporada fechada, e achei que seria difícil a série seguir sem que algo se perdesse. E, infelizmente, foi o caso. Não me entendam mal: Stranger Things 2 ainda é bem bacana de se acompanhar, mas tudo aquilo que contou a favor da temporada anterior, agora joga contra ela.
A nova temporada se passa em 1984, mais ou menos um ano depois dos acontecimentos da primeira. Hawkins parece ter assimilado de diversas formas os estranhos acontecimentos do período: enquanto os adultos fingem que nada aconteceu, os estudantes ainda lembram do “zumbi” Will, mas apenas como chacota. Em meio a isso, os personagens envolvidos nos eventos foram obrigados pelo governo a manter segredo, ou seja, ninguém ficou sabendo o que aconteceu de verdade. Dentro desse cenário, uma nova ameaça surge quando Will começa a ter episódios em que se vê no “mundo invertido” à mercê de um monstro bizarro, levando a crer que o Demogorgon era o menor dos problemas.
Em muitos aspectos, a temporada lembra bastante a anterior, até demais. Temos um novo bully, uma nova personagem para o grupo dos garotos, o triângulo amoroso entre Steve, Nancy e Johnathan e Joyce bagunçando a casa com mensagens do Will (embora as luzes dêem lugar a desenhos). E também há demogorgon(s).
O elemento mais diferente dessa temporada é, também (ao menos pra mim), a parte mais fraca da série. Desta vemos, vemos Onze numa jornada paralela para encontrar suas raízes. Embora seja inevitável que se tivesse que tratar desse assunto mais cedo ou mais tarde, essa subtrama destoa completamente da narrativa principal, ficando completamente deslocada (tanto que foi relegada a um único episódio, previsível e chato, que não contribuiu muito para a trama a não ser colocar a Onze no caminho dos personagens novamente).
O que realmente funciona em Stranger Things são os personagens e arcos bem definidos (em sua maior parte). Não é preciso pensar muito para acompanhar o desenvolvimento dos personagens, e nenhum deles toma atitudes que fogem de suas personalidades. Dentro dessa perspectiva, Stranger Things 2 lembra, em certo sentido, de Guardiões da Galáxia 2, já que em ambos a história funciona mais porque nos importamos com os personagens do que propriamente pelo roteiro.
Não que o roteiro seja ruim; ele é bem amarrado como na primeira temporada, e ainda mais fechado, sem grandes ganchos de personagem para uma próxima temporada (o que eu agradeço muito), mas fica longe de ter grandes surpresas ou reviravoltas. Você sabe quem vai morrer, sabe quem vai viver e consegue ter uma boa ideia do como será o desfecho. Mas, mesmo com alguma previsibilidade, a temporada ainda consegue manter o interesse por causa das interações e conflitos entre os personagens, além do sentimento de familiariadade que temos com eles.
As atuações estão cada vez melhores. Tendo mais com o que trabalhar, agora que a introdução dos personagens já foi feita, os atores, especialmente os mirins, conseguem fazer seus personagens crescerem, não só acompanhando a direção do roteiro, mas também pelo próprio trabalho de caracterização dos atores. A decisão por parcerias improváveis (Onze e Hopper, Dustin e Steve) foi uma boa sacada para não cair na mesmice dos relacionamentos.
Os efeitos especiais matam a pau desta vez. Não que tivessem sido ruins na primeira temporada, mas Stranger Things 2 aumenta o escopo da história e os efeitos seguem essa trajetória, não devendo em nada para séries com bem mais orçamento. Nenhum CG soa tão falso que te tire da história, ao mesmo tempo em que os efeitos visuais são usados pontualmente, quando necessário.
Ah, e é claro, a história conta com muitas referências aos anos 80, especialmente nas músicas e nos filmes (em particular Halloween). Além disso, a caracterização do período é mais uma vez certeira, não só nos figurinos, mas também no dia a dia das pessoas na cidade.
Num geral, Stranger Things 2 não faz muito para tirar minha convicção de que essa história deveria ter tido apenas uma temporada (e o fato dos criadores terem admitido que a ideia original era fazer uma antologia só reforça isso), mas não chega a ser uma perda de tempo. Graças a personagens interessantes e mais tridimensionais do que se esperaria (até com os “vilões” humanos), a nova temporada consegue entreter o suficiente e é uma boa pedida para esta época.
Nota: 7,823165