Para quem tem menos de 25 anos, deve ser quase impossível lembrar que houve um tempo em que filmes de super-herói eram como que veneno para Hollywood. Os únicos personagens que conseguiam filmes bem-sucedidos eram Superman e Batman, e nem eles escaparam ilesos da falta de entendimento dos estúdios sobre o material que tinham em mãos. Filmes de super-herói eram coloridos, barulhentos, cheios de estilo e sem alma – os que tinham sorte (de novo, apenas Batman e Superman).
Mas eu me lembro de quando assisti X-men pela primeira vez, há 17 anos. Lembro porque não conseguia acreditar no que estava vendo. Magneto jovem num campo de concentração nazista? Um filme de super-heróis que parece um filme de verdade? Eles estão levando uma adaptação de quadrinhos de super-herói a sério? Eu sei que hoje o filme é pálido em comparação ao que foi produzido desde então. Mas muitos ainda lembram de como era antes.
Eu trouxe de volta esta memória porque Logan resgata muito dessa sensação que eu tive lá no primeiro X-men. Os filmes dos mutantes da FOX sempre foram irregulares (com exceção dos filmes solo do Wolverine, que foram sempre ruins), alternando filmes muito bons e filmes horríveis. Mas o mais triste dessa irregularidade é que, em algum momento, a relevância artística/cultural/social se perdeu. Muito daquilo que vimos nos dois primeiros X-men se tornou apenas uma vaga memória. O que faz Logan um empreendimento tão bem sucedido é conseguir trazer de volta esta relevância.
A história se passa em 2029, numa época em que os EUA parecem um velho oeste em escala nacional, e quando mutantes são apenas uma memória. Neste cenário, um Wolverine velho e com suas habilidades comprometidas ajuda a cuidar de um Professor Xavier doente e mantê-lo escondido. Mas os planos de se manterem em segredo vão por água abaixo quando a jovem Laura entra no caminho deles – a primeira mutante vista em décadas.
Pegando um pouco de Filhos da Esperança, Logan cria uma espécie de faroeste Sci-fi de super-herói (e uma ou outra pitada de horror) em uma história que levanta temas como corporações serem donas de pessoas, o fardo das marcas do passado, o peso de ser você mesmo e aquela pergunta atemporal: depois que tudo deu errado, existe algum motivo pra continuar lutando?
Uma das grandes falhas da FOX com o Wolverine como personagem foi deixá-lo com fator de cura instantâneo (algo que acabou sendo assimilado pelos quadrinhos posteriormente). Com essa simples mudança, o estúdio privou Wolverine de sua vulnerabilidade e, por consequência, de sua própria humanidade. E, ao torná-lo o carro chefe da franquia de mutantes, diluiu sua personalidade e fez com que conflitos como sua natureza selvagem, seu passado como cobaia de laboratório, etc, ficassem em diversos momentos deslocados ou forçados, especialmente nos seus filmes solo.
No último filme de Hugh Jackman como o personagem, o diretor e roteirista James Mangold (responsável pelo segundo Wolverine), esqueceu tudo isso. Tornou o Wolverine mais semelhante ao Wolverine dos quadrinhos e eliminou todos (ou quase todos) os outros X-men da equação, fazendo com que o personagem pudesse ser “ele mesmo”: um personagem trágico que nunca vai conseguir encontrar seu lugar no mundo, seja ele o mundo humano ou mutante.
O filme é muito mais um road movie de perseguição do que uma história de super-herói. Aliás, você esquece durante a maior parte do filme que está vendo um filme com super-heróis, e esse é o maior acerto de Logan. A classificação etária para maiores de 18 anos ajudou muito a dar para a história um tom diferenciado. Ao contrário do que eu imaginava, existe um motivo temático para a violência acentuada vista em Logan e isso só adiciona qualidade ao filme.
As atuações dos personagens principais elevam o drama da narrativa, com a melhor atuação, de longe, de Hugh Jackman como o carcaju. Patrick Stewart está excelente como sempre, embora este seja um Charles Xavier que nunca vimos antes (frágil, senil e que fala palavrão). Dafne Keen, a menina que interpreta X-23 no filme, foi um achado incrível e um talento que promete muito.
Embora o filme possa parecer parado para quem espera um blockbuster de super-heróis, Logan tem uma história tão envolvente que as mais de duas horas de filme passam voando. E, mesmo que o final não seja lá muito inesperado, ele não é menos impactante e serve como um desfecho adequado para um personagem que sempre lutou por sua identidade, seja como personagem, seja como “marca” pela FOX. Como sequência, Logan funciona muito bem. Como encerramento de arco para o personagem, funciona melhor ainda.
Quanto à ligação com outros filmes, acho que não é surpresa nenhuma o completo desprezo que a FOX tem pela continuidade, o que no caso de Logan acaba sendo um ponto positivo. Não é necessário ter assistido a nenhum filme dos X-men, basta saber que é um mundo onde existiu uma parte da população com superpoderes, que são excluídas pela sociedade e que Logan e Xavier fizeram parte de um grupo que lutava pela harmonia entre humanos e mutantes. No entanto, quem conhece bem os filmes anteriores irá ter uma noção muito maior do escopo do que está em jogo na história.
E o escopo é outro ponto que vale a pena mencionar. Apesar do filme ser muito mais intimista que um blockbuster (ou seja, não espere aquela extravagância espetaculosa dos filmes mais recentes), fica claro que o que está em jogo é, ao mesmo tempo, muito grande e muito pequeno: o futuro da “raça” mutante e a alma de Wolverine, temas que se retroalimentam e se completam de uma forma que só grandes histórias conseguem fazer.
Eu não faço parte do grupo que quer que todo filme de super-herói seja adultão, sombrio e violento, muito pelo contrário. Excluir os mais jovens da maior parte das histórias de super-herói seria um erro gravíssimo do qual só iríamos nos arrepender tarde demais. Mas acredito que filmes como Logan precisam aparecer de tempos em tempos para dar um novo fôlego para o gênero, além de servir como contraponto para mostrar porque super-heróis existem e porque esperança deve ser a pedra fundamental na qual estes arquétipos devem ser levantados.
Logan é um filme artisticamente relevante para os filmes de super-herói que resgata aquilo que os primeiros filmes dos X-men souberam fazer bem: usar a fantasia para falar sobre essa coisa contraditória, complexa, estranha e inacabada que é a experiência humana.
Nota: 9,7