Adaptações de obras do Stephen King existem a rodo. A maioria, é claro, é ruim por diversos motivos (produção apressada, baixo orçamento, falta de fidelidade ao material fonte, e por aí vai), mas o principal deles talvez seja porque Stephen King não é fácil de adaptar para outras mídias, especialmente para o cinema. Muitas das histórias que King conta nos seus romances ou nos seus contos tendem a soar ridículas ou exageradas ao serem adaptadas, então fica difícil transpor algumas coisas e continuar sendo levado a sério.
It, no entanto, é uma das exceções. Apesar das minhas preocupações iniciais, o filme consegue pegar o clima do livro, fazer homenagens a minissérie clássica que adaptou a obra antes e fazer uma história sólida e que funciona. Não reinventa a roda, mas cumpre o que propõe.
Para quem não conhece, It (ou A Coisa, como saiu por aqui) conta a história de 7 jovens que tem em comum o fato de serem marginalizadas na escola e consideradas “perdedoras” e vivem numa cidade onde, a cada 27 anos, uma criatura misteriosa ressurge para se alimentar do medo das crianças. A criatura assume a forma dos seus maiores medos, mas frequentemente aparece na forma de um palhaço, Pennywise (ou Parcimonioso, como foi traduzido aqui em algumas versões).
Diferente do livro, em que a narrativa se passa em dois períodos diferentes (o passado, com os personagens ainda crianças, e o presente, com eles já adultos) que contrastam a vida dos personagens, o filme se foca apenas na primeira porção, onde os personagens ainda são crianças e têm seu primeiro contato com Pennywise. A ideia é que o filme seja um primeiro capítulo, com um segundo focado nos personagens já adultos e no retorno do monstro.
Mas não se preocupe, que este não é um filme como A Múmia, que deixa de contar uma boa história para preparar outros filmes. It tem uma história autocontida, sem ganchos diretos para uma continuação e pode ser assistido sem problemas por quem nunca leu o livro.
Um dos pontos positivos do filme é não se apoiar nos tais “jumpscares”, que fazem do terror um artigo tão barato em hollywood. Tem, sim, alguns jumpscares, mas o filme não se apoia neles para funcionar. A eficiência vem do clima da história, da construção dos personagens e das interações entre o grupo e do grupo com o mundo ao redor.
Os atores estão muito bem. Além da boa atuação, fisicamente todos parecem jovens da vida real, o que ajuda não só na identificação, mas também na tensão do filme – apenas com o tempo você passa a achar que as crianças serão capazes de derrotar o monstro. Bill Skarsgård, que interpreta Pennywise, é muito bom e consegue fazer seu personagem ser, ao mesmo tempo, “bobalhão” e assustador. It não funciona sem que Pennywise tenha um certo equilíbrio e acho que aqui funcionou bem o bastante.
Em termos de fidelidade ao material original, até onde minha memória consegue alcançar, ele me pareceu bem fiel, tanto no clima quanto nas cenas. É claro que algumas coisas mais polêmicas do livro ficam de fora (em particular o “gang bang” nos esgostos), mas de uma forma geral, tá tudo ali, ao menos a porção que se passa no passado. Para quem conhece a história pela minissérie antiga (que saiu aqui como filme), há um ou outro easter egg/homenagem legal para catar.
Uma das coisas me incomodou foi o humor. Sim, as histórias do Stephen King costumam ter humor, mas nem sempre o do filme acerta. Quando acerta, é em cheio. Quando erra, fica bastante inoportuno e tira a dramaticidade da cena ao invés de ressaltá-la, como deveria ser sua função. Mas, apesar de ter me incomodado, não chega a ser algo desastroso.
Há também alguns elementos característicos dos filmes de hoje em dia (como a corridinha frenética), que não chegaram a me incomodar, mas que não fazem nada para mim, em termos de impacto. Fica apenas um efeitinho legal e olhe lá.
Em tempos de remakes “chapa branca” que tentam apelar para um público maior e de filmes de terror enlatados que só conseguem dar sustinho em adolescentes, It é uma boa pedida porque abraça sua classificação etária para maiores sem medo (trocadilho não intencional) e, apesar de não ser lá super original ou diferentão, consegue ser diferente o suficiente do que se faz hoje para se destacar.
Nota: 8,2231546891236574