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A gente vimos: Doutor Estranho (2016) – SEM spoilers

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De todos os personagens mais clássicos da Marvel (ou seja, os criados até os anos 60/70), Doutor Estranho sempre pareceu o mais deslocado – o que é uma grande coisa, considerando que este universo é povoado por monstros, deuses nórdicos, gênios tecnológicos e adolescentes superpoderosos, ou seja, tão heterogêneo quanto pode ser.

Não é de surpreender então que tenha demorado tanto tempo para aparecer no Universo Cinematográfico da Marvel. Enquanto quase todos os elementos fantásticos deste universo eram explicados de forma lógica (até Wanda, que tem “Feiticeira” no nome, tem explicação lógica para seus poderes), Doutor Estranho sempre correu à margem, raramente se dando ao trabalho de explicar onde o conceito de magia se encaixa dentro de um universo que, diferente do da DC, nasceu puramente “científico”.

Doutor Estranho, para quem não sabe (e tem alguém que lê esse site que não sabe?) conta a história de Stephen Strange, um neurocirurgião brilhante, porém arrogante, que destroi as mãos num grave acidente de carro, que acaba com sua carreira. Assim, ele gasta toda a sua fortuna tentando consertar seu dano, e acaba em Kamar Taj, onde conhece um ancião (no caso do filme, uma Anciã) que lhe ensina as artes místicas.

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Apesar do tema já meio batido de Hollywood (que nós vimos até em filmes mais recentes, como Batman Begins) do branco ocidental buscando sabedoria no Oriente, Doutor Estranho consegue tirar leite de pedra e transformar uma típica história de origem num filme visualmente impressionante, com mensagens filosóficas interessantes e um nível de criatividade raro em blockbusters hollywoodianos.

Apesar da tentação de explicar tudo de forma lógica (o que tira um pouco da principal característica da “magia” da coisa, ou seja, o mistério), o filme explica o suficiente para o espectador não ficar boiando, mas ainda deixa espaço para o inexplicável. Scott Derrickson, que dirigiu o filme, foi muito esperto ao usar o contraste de alguém com mente científica como o neurocirurgião Strange com o mundo místico para tanto manter a atmosfera de magia quanto para situar o espectador mais acostumado a um mundo onde tudo precisa fazer sentido.

O plot do filme é, como já comentei, uma típica história de origem de super-herói, e também a típica história do homem arrogante que aprende sobre humildade e se torna algo melhor por causa disso, algo que é característico não só dos heróis da Marvel, mas também de ideias de Filosofia e religião oriental. Apesar disso, a bagagem cristã do diretor é óbvia, ao mostrar um personagem que se torna virtuoso através do sofrimento extremo. Claro que, como em qualquer blockbuster, o espectador vai perder muito disso se distraindo com os efeitos especiais.

Por falar em efeitos especiais, os visuais do filme são impressionantes, para dizer o mínimo. Quem assistir em IMAX e tiver problemas com altura e vertigem, pode ficar bastante incomodado com algumas cenas. Tirando isso, as cenas de ação são provavelmente as mais criativas que eu vi em muito tempo. Comparações com A Origem vão ser frequentes, mas apenas em estética, porque o que vemos em Doutor Estranho coloca o filme de Christopher Nolan no chinelo nesse sentido. Apesar disso (ou exatamente por causa disso), certas cenas vão causar muita estranheza a espectadores mais acostumados com cenas de ação mais lugar-comum.

O terceiro ato é simplesmente uma das coisas mais espetaculares que eu já vi e certamente a mais espetacular que eu vi nos últimos anos. Não apenas pelo escopo e pelo visual, mas pela criatividade da sequência, que foge do já batido raio-do-fim-do-mundo-que-abre-um-buraco-no-céu (que a própria Marvel é culpada de usar) e cria uma sequência de luta que mostra o quanto Hollywood é limitada com o poder (dos efeitos especiais) que tem. Sem contar a forma como Doutor Estranho derrota o vilão principal. É sempre satisfatório (para mim, pelo menos) quando um super-herói, mesmo muito poderoso, só é capaz de vencer o vilão pela inteligência, e não pelos punhos.

As atuações são fantásticas. Os núcleo principal (Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Benedict Wong, Mads Mikkelsen e Rachel McAdams) foi um acerto gigantesco da Marvel. Muito do que faz Doutor Estranho funcionar vem da capacidade dos atores de se engajar emocionalmente ao material de forma que mesmo os conceitos mais absurdos não fiquem fora de lugar.

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Ainda sobre o elenco, é interessante notar que, apesar da controvérsia na escalação de Tilda Swinton como o Ancião, Doutor Estranho é um filme surpreendentemente diversificado em seu núcleo principal, o que deve acalmar, ainda que um pouco, as vozes problematizadores da internet.

Apesar de ser o filme mais diferente da Marvel em anos, Doutor Estranho carrega as duas características clássicas do MCU, e que para alguns pode ser um problema: a autoconsciência do absurdo deste universo ficcional e o uso do humor para balancear a tensão. Enquanto eu particularmente não me incomodei com a segunda parte, vai ter gente achando que o humor é exagerado.

Com relação aos pontos negativos, Doutor Estranho peca um pouco no quesito passagem de tempo, que é um problema recorrente em blockbusters Hollywoodianos em geral. Ao invés de começar a história de Strange anos antes, ela começa em 2016, o que nos dá apenas, no máximo, 6 meses de trainamento até o fim do filme. E aí nós acabamos inevitavelmente no cilchê de alguma-coisa-inesperada-que-não-é-inesperada-acontece-e-interrompe-o-treinamento-e-ele-tem-que aprender-na-marra-como-ser-um-mestre-das-artes-místicas para justificar o curto período de tempo.

Doutor Estranho segue a estratégia da Marvel de usar um personagem com regras conceituais diferentes dos seus outros carros-chefe para empurrar o gênero para frente apenas um pouco, mantendo a familiaridade com os temas clássicos já estabelecidos.

Se arriscando pouco no conteúdo, mas muito na forma, Doutor Estranho talvez não seja um filme para todo mundo como Vingadores, mas certamente é mais uma demonstração da habilidade da Marvel Studios de gerenciar o equilíbrio entre o muito “fora da casinha” e os clichês esperados, adquirida pelo estúdio ao longo destes 10 anos de MCU.

Nota: 9,0137612

Algures

Meu nome é Algures e tenho 41 anos (teria se tivesse vivo). Morri aos 13 anos tentando ouvir o Podcast MDM proibidão. Envie esse post para 20 pessoas para que eu possa descansar em paz. Caso não repasse essa mensagem, vou visitar-lhe hoje à noite e você vai se arrepender. Dia 15 de julho, Rafael riu dessa mensagem e 27 anos depois morreu em um acidente de carro. Não quebre esta corrente a não ser que queira sentir minha presença (atrás de você)

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