O ano é 2020.
O planeta tá todo fodido: superpopulação (só Nova Iorque tem 40.000.000 de habitantes), aquecimento global, pane na produção de alimentos, dificuldade de acesso à água… A desigualdade social é monstruosa: enquanto pobres de amontoam por todos os lugares, ricos levam uma vida de luxo: grandes apartamentos, luxúria, boa bebida, comida de verdade.
É nesse cenário que um figurão é misteriosamente assassinado, e cabe a um policial de NY investigar, mesmo que aparentemente quem matou William R. Simonson não seja o real mistério por trás de tudo…
Rapaz, nunca tinha ouvido falar sobre “No mundo de 2020”. Lançado em 1973, o filme estrelado por Charlton Heston só entrou no meu radar graças ao prefeito João Dólar Dória, de São Paulo. Isso porque muita gente apontou a semelhança entre a farinata, espécie de complemento alimentar ração style lançada pelo prefeito e o tal “soylent green” do título do filme.
Isso porque, no caos instaurado no mundo de 2020, a humanidade está literalmente dividida: a comida tornou-se item raro e caríssimo, de modo que só pode ser consumida, mesmo em pequenas doses, pelos podres de ricos. Por outro lado, o grosso da população (toda ela miserável) se alimenta de rações em formato de lajotas monocromáticas, as soylent. Há a soylent red (a favorita do Chefe Hatcher, superior do Detetive Thorn), cuja composição não é descrita (ou não me lembro); a soylent yellow, feita de soja e a soylent green, feita de algas e plâncton.
Ao investigar a morte de Simonson, Thorn (e seu computador vivo/livreiro Sol Roth) descobrem mais do que gostariam sobre a soylent green.
Pois bem. O No mundo de 2020 é um filme curioso. Não só a questão da ração humana, mas vários outros elementos (a desigualdade, a superpopulação, etc) tornam esse distopia algo bem próximo da nossa realidade, mais até do que eu gostaria.
Por exemplo, é curioso perceber a organização demográfica de Nova Iorque: os ricos como Simonson ou o governador Santini não só têm amplos apartamentos e alimentos reais, mas também têm acesso à sabonetes, água em abundância e pequenas áreas arborizadas. Enquanto isso os pobres dormem pelo chão de igrejas e edifícios, se alimentam de soylent e fazem fila para conseguir água racionada. Literalmente no meio disso tudo, um policial como o detetive Thorn: ele vive na base de soylent e simulacros de comida, sofre com a água racionada mas, ao mesmo tempo, tem um apartamento para dividir apenas com Solomon. Ainda que trabalhe para os ricos (a interferência externa na investigação do assassinato deixa isso claro), em praticamente tudo o que importa Thorn não passa de um miserável, tanto quanto aqueles que dormem na escada de seu prédio.
O detetive Thorn de Heston é um sujeito corrupto com escrúpulos de ocasião: ao mesmo tempo que quer chegar ao fundo do assassinato de Simonson (vai saber o porquê disso), ele não se faz de rogado em aproveitar os bens deixados pelo falecido: coisas banais como lápis, papel, alguns livros, umas maçãs, uma garrafa de whisky, um pedaço de carne, sua concubina (a belíssima Shirl, interpretada por Leigh Taylor-Young)… Idem para o chefe Hatcher, mais preocupado em ganhar o seu do que em resolver as coisas. Talvez o único “bastião da moral e da retidão” seja o alquebrado Solomon Roth, um ex-policial que agora exerce a função de banco de dados: seu trabalho é pesquisar, nos escassos livros existentes, informações úteis aos casos em que Thorn está trabalhando. Sol é tão dedicado à justiça que optará pelo sacrifício como uma jogada dupla: deixar o mundo doente em que vive (ele é um dos poucos que se lembra como as coisas eram antes de tudo dar merda) e provar aquilo que descobriu.
Razoavelmente curto (o filme tem apenas 1h36m), assistir Soylent Green foi uma experiência interessante. Não é um grande filme, mesmo para uma produção de 1973. O roteiro de Stanley R. Greenberg (baseado no romance de Harry Harrison) dá uns saltos, se envereda em tópicos irrelevantes e traz soluções fáceis demais. Não há tensão nem recursos didáticos: o filme mostra muita coisa, mas responde a poucas perguntas (se os miseráveis sequer trabalham, porque continuam existindo – intencionalmente ou não? como assim os seguranças dos prédios têm metralhadoras e os policiais meros revólveres? Pra que um pé-de-cabra se o assassino de Simonson também tinha um revólver?) e acaba.
Apesar disso, o filme tem um plot legal e creio que é dos poucos que poderia se beneficiar de um remake bem feito (principalmente pra melhorar a fotografia verde feia e as lutas mal coreografadas). Sobretudo por se tratar de uma boa ficção científica, isto é, daquele tipo raro que falando de mundos futuristas e o diabo, acabam fazendo a gente pensar no que estamos vivendo aqui mesmo, neste instante, no mundo real. Principalmente se percebermos que a tal farinata (que começou todo o debate) divide com a soylent green mais do que a polêmica: também é construída sobre um monte de informações vagas e mistério… Nesse sentido, recomendo demais o longa (e rezo para as semelhanças entre um e outro pararem por aí).
Enfim, se você tiver se interessado, não tem na Netflix. Mas você acha sem maiores dificuldades nas Locadoras do Falecido internet afora.
Nota: 6,75