A gente vimos: Cosmos – Uma Odisseia no espaço-tempo

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Esta semana encerrou-se a primeira (e única?) temporada de Cosmos – Uma odisseia no Espaço-tempo, remake da série homônima apresentada por Carl Sagan em 1980 e achei que seria interessante fazer algumas considerações. Embora não seja uma série “nerd” pura, é inevitável que os assuntos dos quais ela trata (principalmente o cosmo, a vida, possibilidades de civilizações inteligentes, multiverso, etc) sejam temas frequentes de rodadas de papos nerds.

A série original tinha uma pretensão bem modesta, digamos (o que fica explícito no título: “Cosmos – Uma jornada pessoal”): divulgar a ciência, mostrando que a prática científica pode ser uma experiência de autorrealização tão transcendental quanto a arte. É claro que promover o pensamento científico também era importante, mas para Carl Sagan, a ciência parecia ser mesmo uma experiência pessoal cujo deslumbramento ele costumava gostar de compartilhar com as pessoas.

A pretensão do novo Cosmos começa no título, bem mais épico, mas com objetivos bem mais mundanos. Não sei se vocês sabem, mas os EUA vivem uma espécie de “crise” de negação da ciência*, que têm acarretado problemas diretos na sociedade americana (o polêmica relacionada às vacinas é um dos exemplos), tudo por conta de uma onda de relativismo epistemológico que se reserva o direito de negar fatos e evidências estabelecidas em prol de crenças religiosas, ideologias políticas e teorias de conspiração. É neste cenário que Neil DeGrasse Tyson (O astrofísico que já apareceu numa história do Superman apontando onde ficava Kripton e que foi “responsável” por tirar Plutão da lista de planetas), Seth Mcfarlane (criador, roteirista e dublador de Uma Família da Pesada e American Dad) e Ann Druyan (escritora e produtora do Cosmos original, além de viúva de Carl Sagan) decidiram trazer Cosmos de volta.

http://youtu.be/xb5tdqplTqQ

O público-alvo prioritário deste novo Cosmos não são os adultos, e sim as crianças. Isso fica claro no formato dos episódios, no didatismo de alguns aspectos bem específicos da metodologia científica (como a explicação sobre o método científico e por que a ciência se diferencia das outras formas de conhecimento – tema geralmente atribuído à Filosofia da Ciência), e na citação a ideias, por enquanto apenas especulativas, mas que nos fazem brilhar os olhos pensando nas possibilidades (como vida inteligente em outros planetas e outros universo).

Não que a série não vá servir para adultos; duvido que seja possível para qualquer pessoa não ficar impressionado com os efeitos especiais, que nos levam do início ao fim dos tempos, das menores escalas atômicas aos maiores espetáculos cósmicos, como a destruição de estrelas. Sem contar que os adultos talvez sejam os que mais precisam de alfabetização científica nos EUA (afinal, são eles quem votam leis e decidem se seus filhos serão ou não vacinados). Mas são as crianças que precisam crescer entendendo a importância da ciência para evitar, sem exagero, talvez o fim de toda a humanidade por conta de sua própria teimosia.

Por essa razão (a intenção propositalmente política** da série), é que talvez alguns episódios pareçam um pouco repetitivos, encontrando formas diferentes para falar dos mesmos assuntos (como mudanças climáticas). Mas a verdadeira força da série está nas explicações destes assuntos. Como sabemos que a Terra está aquecendo? Como sabemos que é por causas humanas, e não naturais? Como sabemos a composição de um planeta se nunca fomos lá? Como conseguimos encontrar planetas orbitando estrelas a milhares de anos-luz de distância? Como sabemos que os seres vivos descendem de um ancestral em comum? Com explicações simples e exposições visuais claras, é difícil ficar alguma dúvida sobre os aspectos tratados em cada episódio.

Cosmos também não se furtou de falar, ainda que lateralmente, de temas sociais. O primeiro episódio já conta a história de Giordano Bruno – num claro argumento de que ciência e religião podem coexistir; o que não coexiste com a ciência é o fundamentalismo. Outros episódios lidaram com a questão da pobreza e da falta de acesso ao conhecimento por questões sociais, e das “irmãs das estrelas”, mulheres cientistas esquecidas, mas importantíssimas no cânone da história da ciência.

Apesar dos efeitos especiais bacaníssimos, das locações externas de tirar o fôlego e do formato de documentário, Cosmos se fundamenta na mais antiga e eficiente forma de transmissão cultural: as narrativas. Diferente do Cosmos original, o remake possui animações em 2D que, a cada episódio, contam a história de um ou mais pensadores ou pensadoras que foram importantíssimos para a aquisição de conhecimentos que temos hoje (do Big Bang a detecção dos gases da atmosfera de outros planetas, passando pela idade da Terra e até a luta contra o corporativismo do petróleo).

Talvez a principal mensagem que Cosmos – Uma Odisseia no Espaço-tempo traz é a de que devemos aceitar que as coisas não são da maneira que queremos que seja, ou que fomos criados para pensar. Que a natureza segue suas próprias regras, e não cabe ignorá-las (o que só é pior para nós), e sim entendê-las, respeitá-las e, se possível, usá-las para nos aperfeiçoarmos como sociedade. E a única maneira de entender, de verdade, a natureza, é através da ciência.

A série produziu um total de 13 episódios, cada um melhor do que o outro. Para quem gosta de ciência, mas não tem saco para ler artigos científicos ou acha alguns campos complicados de entender, Cosmos é uma ótima pedida. Para quem é pai ou mãe, e espera que o filho cresça mais cientificamente alfabetizado (e, por extensão, capaz de pensar por si mesmo e não se deixar oprimir por autoridades que dizem que sabem mais), é a oportunidade de mostrar aos filhos que a ciência pode também ser divertida, impressionante, épica, e até mesmo uma verdadeira experiência espiritual***.

 

Nota: 10,2 (só para ultrapassar a escala vigente)

 

*Não confunda críticas à ciência com negação da ciência. Enquanto a primeira é fundamental para o aprimoramento do conhecimento científico, o segundo é pura negação com motivos ideológicos e truques retóricos para esconder a falta de evidências.
**Não é política no sentido de “política que os políticos fazem”, só pra constar.
***O que não é o mesmo que uma experiência religiosa, é bom ressaltar.

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