“Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. Apesar de essa máxima ter sido proferida de forma mais explícita nas histórias do Homem-Aranha, é uma ideia que permeia as histórias em quadrinhos de super-herói desde sua gênese e, ouso dizer, talvez seja a essência de todo este gênero. De Bruce Wayne usando sua riqueza para combater o crime e “atraindo” cada vez mais vilões, Superman questionando se não está fazendo demais pela humanidade (e, assim, interferindo no aperfeiçoamento da espécie) até Arqueiro Verde questionado o Lanterna Verde sobre suas verdadeiras convicções, os super-heróis são nossa bússola moral. A ideia de que, quanto mais poderoso você é, maiores são as consequências dos seus atos.
E não é à toa que Capitão América: Guerra Civil traz a primeira aparição do Homem Aranha do MCU; a relação entre poder e a responsabilidade para com seu uso é justamente o tema que permeia todo o filme.
Na história, uma missão mal sucedida dos Vingadores na Nigéria acaba com baixas civis e força a ONU a dar um basta na ação sem supervisão dos Vingadores. Com o número de superseres crescendo exponencialmente desde que Tony Stark assumiu a alcunha de Homem de Ferro, os problemas também tornaram a crescer. E, agora que os super-heróis não são mais só um problema americano, a ONU decide criar um tratado onde os super-heróis passem a agir como operativos das Nações Unidas, atuando em missões definidas por eles e podendo agir apenas com autorização das NU. Isso não poderia vir em pior hora, uma vez que vários dos Vingadores (principalmente os formadores de opinião da equipe, Tony e Steve) possuem seus próprios problemas para lidar, o que pode nublar um pouco o julgamento deles frente a novas pressões externas. O resultado é uma divisão que leva a um inevitável conflito que tem mais feridas emocionais do que físicas.
Já se vão quase 10 anos de Universo Marvel nos cinemas, e Guerra Civil funciona não apesar disso, mas por causa disso. Se o MCU puder ser comparado a uma série de TV com cada filme sendo um episódio e cada “fase” sendo uma temporada, Guerra Civil funciona como um perfeito season finale (embora, na prática, ele seja o primeiro filme da Fase 3), onde todas as cartas coletadas são colocadas à mesa e as mudanças no status quo deixam em aberto o que vai ser do futuro dos personagens.
Diferente da HQ original (que pra mim é a melhor megassaga que a Marvel já fez dentro de cronologia), o filme de Guerra Civil não força o Homem de Ferro como um “vilão”, ao contrário: contextualiza suas motivações de uma forma que fica difícil condená-lo, mesmo tendo tomado decisões questionáveis. Até porque Capitão América também toma decisões questionáveis, ao colocar Bucky como uma prioridade maior do que, talvez, a segurança mundial. Mas também não dá para condenar Steve. Sua conduta paternalista é o que faz com que ele se recuse a limitar a liberdade dos seus em prol de transferir a responsabilidade para instituições.
Além disso, tanto Tony quanto Steve estão com suas capacidades de julgamento nubladas; separado de Pepper, Tony é lembrado por uma mãe que suas ações têm consequências, e que o filho que ela perdeu não era um “dano colateral”, e sim uma pessoa. Uma pessoa que inclusive poderia se tornar um novo Tony Stark. Steve, ao perder Peggy, vê em Bucky o único resquício que resta da sua antiga vida, e talvez daquilo que ainda mantenha sua esperança de um mundo melhor.
Além dos personagens que estamos acostumados, 3 outros entram em cena, com questões e objetivos diferentes dos membros dos Vingadores. T’challa quer vingar a morte do pai, vítima das circunstâncias e da decisão de finalmente se abrir para o mundo e fazer Wakanda deixar de ser uma nação reclusa. Homem-Formiga chega como um reforço de poder, uma vez que Steve e aqueles que o seguiram passaram a ser considerados foras da lei (o que muda completamente o Status Quo que Scott Lang deixara no final do seu filme solo). E Peter Parker é o jovem promissor que Tony ainda pode salvar, ao contrário do pobre jovem que morreu em Sokóvia.
É claro que a briga entre os personagens é ideológica, mas exacerbada por um vilão que se aproveita dos eventos em prol de seus próprios interesses. Assim como no mundo real, em que tensões e diferenças entre as pessoas são exacerbadas por pessoas que se beneficiam com a polarização de opiniões, Zemo sabe que não pode vencer os Vingadores. Mas sabe que eles podem vencer um ao outro. E, assim como Tony, Steve e o Pantera negra, Zemo foi corrompido pelo ódio e pelo desejo de vingança – sentimentos que sempre tiram nossa objetividade e nos fazem tomar decisões das quais nos arrependeremos depois. Pantera Negra é o único que se dá conta disso a tempo, ironicamente, por conta do próprio vilão.
Como uma continuação direta dos filmes do Capitão América, Guerra Civil serve como uma espécie de “fim de arco” para Steve Rogers, um personagem que começou liderando uma equipe sob sanção do governo na Segunda Guerra e termina liderando uma equipe de agora foras da lei. Seu objetivo de ajudar as pessoas e “combater bullies” não mudou, mas sua perspectiva sobre o mundo, sim. Como uma sequência das histórias do Homem de Ferro, a história é uma consolidação do personagem, com um Tony mais maduro, realmente sentindo o peso de tudo o que fez até aqui e das consequências. Como uma sequência de Os Vingadores, é um despertar aos personagens, que se dão conta que toda ação tem uma reação.
Com uma história simples, que se foca no que realmente importa ao invés de tentar incluir informação demais apenas para preparar novos filmes (como Era de Ultron fez), Guerra Civil, mesmo com todas as cenas de ação, lutas e explosões é, no fundo, um estudo sobre a verdadeira essência dos heróis, e de sua eternamente turbulenta relação entre intenção, ação e consequência. Tem seus defeitos (alguns deles, como uma caracterização qualquer coisa do vilão, recorrentes no MCU), mas que não prejudicam a mensagem do filme.
Assim como Superman, Batman, Homem-Aranha e tantos outros têm nos ensinado por gerações nas mais diversas mídias, Tony, Steve, Peter, T’challa e os outros Vingadores seguem o legado de suas contrapartes bidimensionais, mostrando que os super-heróis ainda têm muito a nos ensinar sobre amizade, responsabilidade, tolerância e perdão. E nós, como seres humanos, ainda temos muito que aprender.
Nota: 8,9