Opa, deixa eu aproveitar que a Anderlaine já mamou, trocou a fralda e dormiu para fazer uma rápida resenha de uma das minhas histórias preferidas do Quarteto Fantástico, que a Panini, em uma raríssima bola dentro, republicou em um encadernado.
O ano era 1961. A Marvel ia de mal a pior, as vendas estavam caindo demais por causa do Comics Code Authority e a editora estava à beira da falência. Stan Lee não sabia mais o que fazer. Estava demitindo funcionário atrás de funcionário e era questão de tempo para que ele fechasse as portas da editora.
Em uma conversa com sua esposa, Joan, Stan confessou que se as coisas continuassem como estavam, teria que abandonar tudo e mudar de carreira, já que ele tinha uma família para cuidar. Então ela deu um conselho valioso a Stan: já que tudo vai pras cucuias, e já que ele não tinha nada a perder, que ele então criasse um gibi do jeito que ele sempre quis, sem pensar em grandes vendas, sem pensar em agradar ninguém, tentando fazer algo do jeito que ele gostasse.
Stan então pensou: “pô, se eu fosse super-herói, eu não esconderia a minha cara atrás de máscaras”! E Lee também não gostava muito do caráter perfeito dos super-heróis. Ele queria colocar sentimentos reais nos personagens – toques de melancolia, vaidade, temperamentos fortes – personagens reais, que brigavam um com o outro, que tinham problemas reais, como pagar contas, impressionar garotas, etc.
E aí nasceu o Quarteto Fantástico!
Muito antes do Quarteto se tornar o grupo perfeitinho e chato pra caralho que conhecemos, o Quarteto em suas primeiras histórias era a síntese do estilo mais real dos Super-Heróis Marvel: saíam os heróis perfeitos e poderosos para a entrada do melancólico Coisa, do vaidoso e esquentado Tocha, da insegura Mulher-Invisível e do perdido Senhor Fantástico. Um grupo tão único quanto disfuncional, que viviam brigando entre si enquanto tentavam salvar o mundo.
O encadernado escrito pelo excelente Roberto Aguirra-Sacasa e por um incrível Steven McNiven no início de carreira traz exatamente esse resgate do tom inicial do Quarteto. Sai o grupo perfeito e ilimitado, que viaja em infinitas dimensões e tem infinitos recursos para criar as mais elaboradas máquinas e aparelhos e entra uma história bem pé no chão: o Quarteto faliu. Acabou o dinheiro. Por conta da crise econômica mundial, de um contador corrupto, da desatenção de Reed e de uma fundação com milhares de funcionários, o Quarteto Fantástico ficou sem nenhum recurso, sem prédio, sem casa, sem dinheiro, sem naves espaciais e portais para a Zona Negativa.
Sue, Reed, Ben e Johhny têm o maior problema de suas vidas acontecendo e é algo que eles não podem esmurrar.
Você pode achar um argumento forçado de Roberto Aguirra-Sacasa. Ora, como assim eles estão falidos? E as patentes das invenções do Reed? Como assim o Coisa tem que trabalhar de empreiteiro? E a Mulher-Invisível de professora substituta? E como Reed não pede ajuda para os outros heróis?
Roberto Aguirra-Sacasa tenta encontrar justificativas para tudo isso – e se sai muito bem. Ao longo do gibi, porém, seu lado Nerd Chato (não se engane, todos nós temos um) vai ficar buzinando na sua cabeça “era só o Reed vender o Fantasticarro, essa porra deve valer MILHÕES!!!”.
Mas meu conselho é: tente calar esse nerd chato. E apoveite uma das melhores histórias que o Quarteto tem a oferecer.
Sai uma história sobre super-heróis e entra uma história sobre FAMÍLIA. Sobre como uma família deve se manter unida nos tempos difíceis. Sobre como família está muito além do sangue e que você fará tudo por ela, como Stan Lee o fez em 1961, quando cogitou largar os quadrinhos, sua paixão, para mudar de carreira e ter dinheiro para sustentar a sua família. Sobre o quão difícil, demorado e custoso é fazer a coisa certa, mas que no final tudo compensa.
Roberto Aguirra-Sacasa e Steve Mcniven nos trazem uma excelente história. Uma das minhas preferidas. De uma sensibilidade muito grande – não há como não se emocionar com Sue tentando fazer com que a família não se desmorone, com Johnny finalmente caindo na real, com Reed se fechando para tentar descobrir como vencer o mercado financeiro e com o Ben derrubando os cafés de seus colegas da construtora no chão após impedir alguns assaltantes de banco. Se Roberto traz essa sensibilidade nos roteiros, Steven, com seu talento sem igual, os traduz perfeitamente nos desenhos das expressões de cada personagem.
Se eu fosse você, não perdia.
Nota 10
Marvel Knights: 4 – Jogados aos Lobos tem 168 páginas em papel LWC e capa cartonada.
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