No FiQ de 2011, o corintiano roxo Sidney Gusman anunciou o lançamento do arrojado projeto de graphic novels estreladas por personagens da Maurício de Sousa Produções e saindo pelas mãos de autores de quadrinho consagrados, em visões bem pessoais.
Danilo Beyruth (Necronauta, Bando de Dois), Vitor e Lu Cafaggi (Valente, Mix Tape), Gustavo Duarte (Có, Táxi) e… Shiko. Quem? Sei lá. Um tal de Shiko aí.
Confesso: a parceria personagem/autor desta última graphic foi a quem menos me atraiu de princípio. Nunca achei o pré-histórico personagem grandes coisas e Shiko… Pombas, o Shiko era o Nerd Reverso (quem?) dos autores da primeira leva de graphics!
Neste último FIQ, eu conheci a figura por trás do nome. Fui lembrado que existe uma diferença imensa entre não ser visto e não existir. A Café Espacial, a Graffiti 76% Quadrinhos, o PNBE, o Festival de Quadrinhos de Lyon, o HQMix, todos eles conheciam o Shiko. Só o jegue aqui que não.
Fui conhecer agora. Um autor desconhecido, um personagem não muito querido. Juntos, resultaram numa HQ… DEMAIS DE DUCACETE!
Em Ingá, o povo de Piteco, os Lem, precisa se mudar. O rio que lhes dá sustento está secando, não vai durar muito. Ao mesmo tempo, a xamã do povo, Thuga, é sequestrada por membros dos terríveis Homens-Tigre. Enquanto o povo migra, Piteco, Beleléu e Ogra saem para resgatar a xamã. A trama segue em torno disso, mas traz muito mais. Shiko criou um background com mais nuances totalmente novas para Piteco e sua turma: ele não é simplesmente um homem das cavernas a la Flintstones – ao amarrar a trama de Piteco ao Brasil, à Paraíba, ao plantar na história do personagem pontos da nossa história, Shiko criou um personagem único. Piteco não é um Fred Flintstone ou Barney Rubble genérico, caricaturalmente fugindo de um amor pré-histórico: o Piteco do Shiko é um proto-brasileiro, o primeiro Homo Brasilianus da História!
Isso tudo constrói uma trama de aventura das mais honestas e nostálgicas – “Ingá” é praticamente uma aventura de RPG fantástico – o caçador, a guerreira e o engenhoqueiro atrás da xamã, enfrentando e contando com a colaboração dos deuses pelo caminho. Ganhando XP e evoluindo com o percurso. Sim, porque, ainda que relutante, o Piteco que termina a aventura é bem diferente daquele que a começou.
A arte, pombas, a arte! Não tivesse uma história sensacional, Ingá já valia só pela arte. O Shiko demonstra um domínio medonho do design e da narrativa: há uma identidade postural para cada um dos povos, de modo que, à despeito dos apetrechos, da forma de ornamentação, você percebe que membros do povo de Lem, de Ur ou Homens-Tigre são diferentes, tem posturas diferentes. Sem contar que é tudo feito em aquarela, o que resulta em páginas lindas, cheias de detalhes e que exigem uma contemplação mais dedicada do leitor. Visualmente, a pré-história dele é muito mais uma África sub-saariana antes da colonização do que algo remotíssimo, incompreensível como estamos acostumados.
(sem contar que eu achei do cacete a referência visual do design do xamã dos Homens-tigre com o vilão que mais me deu cagaço nos anos 80, Mola Ram, o xamã de Indiana Jones e o Templo da Perdição. Se foi intencional ou não, ficou foda do mesmo jeito)
Bem, não sei se ficou claro, mas eu gostei pra caralho de Piteco – Ingá. Se antes eu não conseguia me decidir sobre qual graphic eu mais gostava (por motivos diferentes, Laços e Magnetar estavam empatadas) Ingá tomou a dianteira, é minha favorita. Um tanto pelo conteúdo, mas um tanto mais por ter sido uma gratíssima surpresa. Em todos os sentidos!
Piteco – Ingá, de Shiko. Graphic MSP, editora Panini, 80 páginas, R$19,90 (capa cartonada) e R$29,90 (capa dura).
Nota: 10 (sim, não errei. É dez mesmo!)
P.S.: E Shiko, tô ainda na captura daquele seu filme com mulheres e porcos, hein? Libera o Lavagem aí, Daniel Lopes!