O Sombra é um dos meus personagens favoritos, acho que já disse isso por aqui. Gosto do personagem desde que assisti o bizonho filme com o Alec Baldwin, lá em 1990 e qualquer coisa.
Sim, aquele filme é uma merda. Mas o personagem é bom, garanto.
O problema é que muito pouco (quase nada) dele é lançado por aqui, daí que qualquer anúncio de alguma coisa me põe nos cascos pra conseguir logo. Foi assim quando a Mythos anunciou que lançaria esse volume daquele que sabe o mal que espreita no coração dos homens.
Mas a espera custou muito – cheguei a comprar o álbum em pré-venda pela net, só para, algum tempo depois, vê-lo a venda na Comix do FIQ, sem que o meu tivesse ainda chegado. Mas enfim, choramingos à parte, vamos à resenha!
O ano é 1938. Sons e sinais de guerra começam a surgir no horizonte. Uma agência de espionagem norte-americana convoca Lamont Cranston para compôr um grupo de enviados num perigosa missão, que pode mudar o destino do mundo!
Nosso velho chégas Garth Ennis é quem assina o roteiro, e o faz de maneira bem enxuta: se O Fogo da Criação está aquém de seus trabalhos mais geniais, também está muito além das aventuras regulares dos heróis de capa e poderes que vemos por aí.
Autorizado pela ambientação pulp, Ennis faz o que mais gosta: enche as páginas de violência e sangue e faz da dupla Sombra/Lamont um babaca de marca maior, o politicamente incorreto entre os finos. O protagonista é misógino, arrogante e utilitarista – o Sombra não é, nem nunca deveria ser um herói bonitinho, reluzente: ele é o Sombra, oras! Chega a dar pena da forma como ele trata Margot Lane durante a trama.
Inclusive, falando nela (na trama, não na Srta. Lane), Ennis vai temperando mistério e um tanto de suspense (afinal, o que estão tramando? Qual o terror previsto por Lamont e que eles precisam evitar?) com sua violência típica, e justamente por isso que a marca de O Fogo da Criação é a dúvida, não o sangue: mesmo apresentando o personagem para novos leitores (a HQ foi publicada no número 1 do personagem pela Dynamite), o roteiro não se importa em ser didático em momento algum. Tampouco ele se porta como se o personagem fosse plenamente conhecido pelos leitores, ele simplesmente deixa lacunas – afinal de contas, Lamont tem super poderes? Como ele engana os inimigos? Quem já conhece o personagem tem hipóteses para responder essas perguntas, mas quem não conhece provavelmente não se incomodará: o que importa é que ele faz as coisas, e faz nos momentos certos. Talvez o grande mérito da trama pensada por Ennis seja esse, muito pouco é explícito, às claras, mas também as dúvidas não incomodam – você quer mais é ver Lamont em enrascadas, para então os Sombra surgir metendo bala e falando coisas escrotas sobre as pessoas!
Ah, e antes que me acusem de falso poeta moralista, vale a ressalva: o Sombra é um personagem dos anos 40 que ficou lá (a trama se passa em 1938, lembra?), seu comportamento é um fruto perfeito do tempo em que ele “vive”. Fazê-lo um escoteiro seria um anacronismo filho da mãe que Ennis, graças ao espírito de Orson Welles, não comete. Mas sigamos.
Se no roteiro estão todas as qualidades do álbum, na arte estão todos os defeitos. O trabalho de Aaron Campbell não é terrível, mas passa muito longe de ser dos mais inspirados que já vi. Sua caracterização de personagens principalmente, é péssima (compare o General Akamutsu quando é apresentado a Wong e depois, quando está às portas da morte, e me diga que se trata do mesmo personagem), tornando muito difícil reconhecê-los às vezes. Na verdade, o reconhecimento deles inclusive é obra de um esforço do colorista, Carlos Lopez, que usa o manjadinho esquema “power rangers” pra salvar nossas vidas: cores para diferenciar e caracterizar sujeitos. Repare que no roteiro, constante nos extras, o agente Finnegan não é descrito como sendo ruivo por Ennis (que dá uma descrição bem vaga dele, na verdade) e, no traço de Aaron Campbell ele e Lamont são praticamente como Barbies étnicas: tem compleição física idêntica, vestem-se igual, e se diferenciam em detalhes bobos (chapéu para Lamont, cabelinho espetado para Finnegan) e na cor.
E já que citei os extras, são dúzias de capas variantes e alguns páginas de roteiro da HQ. Nada maravilhoso, mas vale a vista (também… O que eu não queria eram sketches do Campbell…).
Ah, por fim, este é apenas o volume 1. Tá estampado na capa. O lance é rezar para que a Mythos siga publicando mais do personagem!
O Sombra Volume 1 – Fogo da Criação, de Garth Ennis e Aaron Campbell. Editora Mythos, capa dura, 200 páginas. R$ 39,90.
Nota: 8,5