A grande verdade é que Vitor Cafaggi falou tudo no prefácio que escreveu neste álbum de José Aguiar. Mas apenas reproduzir o que foi dito por ele seria muito simples, e esta HQ merece mais.
A adolescência é uma fase complicada, especialmente para os próprios adolescentes. Some as dificuldades já habituais desta fase aos problemas familiares, sociais e de integração e a vida de um adolescente se torna a receita para o desastre. Ou para uma ótima história em quadrinhos.
José Aguiar é um autor bastante versátil que, como quase todos os autores de quadrinhos brasileiros, é um filho dos quadrinhos de super-herói que se viu obrigado a fazer histórias que não queria para continuar fazendo quadrinhos. Como felizmente, “há males que vem para bem”, ele provavelmente nunca imaginou que dessa “obrigação” nasceria a personagem Malu, que protagoniza as tiras de Folheteen, publicadas num jornal de Curitiba, e que para mim é sua melhor criação.
Malu é quase um arquétipo. É uma personagem que extrapola gênero ou regionalismo e se torna um retrato fiel, mas não apelativo, da adolescência. Sem ser piegas demais, nem dramático demais ou ridículo demais, a personagem traz, na medida certa, as ânsias, incertezas, preocupações e confusões de uma época em que parece que ninguém nos entende – nem nós mesmos.
Das Tiras, Folheteen passou para as Graphic Novels. E, embora já tenha tido outro álbum, é em Folheteen – Direto ao Ponto (uma espécie de reboot que não é reboot) que José Aguiar mostra a história em sua forma mais madura.
Para quem não conhece, Folheteen era uma série de tiras protagonizada por uma adolescente antissocial e introspectiva chamada Malu, que se via às voltas com seus próprios problemas, e da sua família. Em Direto ao Ponto, Malu continua lidando com estes problemas, desta vez potencializados pela sua demissão do supermercado onde trabalhava e do novo namorado de sua mãe.
O que faz o álbum ser realmente interessante é a forma honesta como a adolescência é tratada: sem ser muito romantizado, mas também sem se apoiar em dramalhões excessivos e desnecessários ou usar temas apelativos apenas para chamar a atenção. Tudo em Folheteen – Direto ao Ponto parece estar no lugar e na medida certa, sem exageros. Sequer é preciso que Malu tenha sido inspirada em alguém específico, ou que a história remeta a experiências do autor, uma vez que ser uma adolescente em uma família de pais separados de classe média que precisa trabalhar para ajudar a pagar as contas da casa é algo que a maioria dos brasileiros se identifica facilmente, independente se é do sexo masculino ou feminino, ou se é do sul ou do norte do país.
A arte de José Aguiar é bastante estilizada, e o autor se aproveita disso para criar uma visão muito particular de mundo, a partir dos olhos da própria protagonista. Aguiar também se aproveita da mídia quadrinhos e de suas possibilidades narrativas para explorar a subjetividade da narrativa na estética da HQ, transformando a história em uma experiência que só poderia ser pensada assim em quadrinhos.
Bem, é verdade que sou suspeito para falar de José Aguiar, do qual sou fã e cujo trabalho acompanho há um tempo. Mas Folheteen – Direto ao Ponto conseguiu superar minhas expectativas e me fez lembrar da minha própria adolescência – que, embora não tenha sido tão introvertida, foi marcada por começar a trabalhar cedo, por uma família disfuncional e um senso de responsabilidade às vezes grande demais para um adolescente carregar.
É uma pena que Foolheteen – Direto ao Ponto, apesar da qualidade gráfica e editorial impecável, seja uma obra independente, pois seu acesso acaba, fatalmente, se tornando mais restrito. Você deve encontrar a obra em algumas livrarias, e felizmente hoje os independentes também estão ao alcance de um teclado, e com Folheteen não é diferente. Você pode acessar o site do autor e ver como adquirir esta e outras obras (Como Vigor Mortis, que também é muito bão).
Nota: 9,9