A gente lemos: Dupin, de Leandro Melite

Foi no FIQ de 2015 que o gente finíssima Cláudio Martini (antes, portanto, das novas diretrizes em tempos de paz do MdM), editor da Zarabatana Books, me presenteou com um dos grandes lançamentos da editora para o evento: Dupin, de Leandro Melite (de A desistência do azul).

Apesar de na ocasião eu estar muito interessado em ler o gibi, não sei porque o coloquei na fila de espera. E ele esperou. Esperou bastante (se bem que se você considerar que tem coisa do FIQ de 2011 ainda na fila, quer dizer que ele nem esperou tanto assim). Neste fim de semana eu escapei das obrigações e li-o.

E… bem.

A história de Dupin é levemente baseada em Os assassinatos da Rua Morgue, conto de Edgar Allan Poe lançado em 1841. Na HQ de Melite, a trama é centrada em dois primos, Eduard e Gustave, este recém chegado de Portugal, onde vivia até a morte dos pais. Os dois adolescentes de repente se vem envolvidos  com o brutal assassinato de duas mulheres em plena crise econômica mundial de 2008.

O problema Ivair, é que… a coisa não funciona.

Mesmo antes de ser desembrulhado, o álbum promete coisas que não trará. Por exemplo, na capa traz uma bela e violenta imagem, meio vampiresca de Gustave, finalizada a pincel. Em seu interior, a maior parte do álbum será preenchida por uma arte estranha, confusa, de traços finos e imprecisos, que muitas vezes gera a incômoda sensação de ter sido feita no paint-brush. Nos trechos finais a arte a pincel surge simplesmente para nos mostrar como a outra arte, feita sei lá com o quê, é de fato ruim. Citada na contracapa, a crise econômica mundial de 2008 não faz a menor diferença na trama. Em nenhum momento é sentida ou percebida. Se não estivesse na contracapa, seria inimaginável (até porque a arquitetura, os figurinos e os carros desenhados no gibi dão a entender que a história se passa num lugar nenhum temporal, mistura sem data de presente e passado).

Mas é história em quadrinhos, e a arte não pode ser fator determinante (ou exclusivo) para estabelecer a qualidade ou falta dela de um material. O roteiro de Melite nos traz alguns bons diálogos, mas seus personagens e o desenvolvimento da linha geral da trama são ruins. Gustave Chevalier, de fato o personagem principal, é um pequeno gênio, inumano e, portanto, difícil de obter a simpatia do leitor. Mesmo quando revela seu terrível passado, o que se consegue é uma triste sensação de “ah, era isso?”, que não o aprofunda, não lhe acrescenta nada. Os demais personagens, em maior ou menor grau, não passam de figuras sem qualquer profundidade, orbitando em torno do portuga nanico. O próprio Eduard, mais humano que o primo (e, supostamente, mais passível de identificação), parece ser pleno de mistérios e segredos, mas quando a trama terminar perceberemos que se trata apenas de um personagem vazio, cujos silêncios são simbolizados gratuitamente por nós. Pior destino sofrem sua mãe e seu padrasto.

A conclusão de Dupin é tão repentina que chega a irritar. De repente toda solução está ali, na sua frente, sem que tenha existido qualquer desenvolvimento lógico para ser alcançada. Elementos e personagens fundamentais para a solução do “mistério” surgem para a luz sacados da cartola de um imenso deus ex machina. Na verdade, dão a sensação de que Melite escreve para um fã do conto original e, no meio do desenrolar da trama, dá uma piscadinha para o leitor, como quem diz: “agora eu coloco aqui aquele elemento do conto que tava faltando”.

Infelizmente essa trama maior furada faz com que, depois de concluída, se tenha a impressão de que a obra como um todo, mesmo em seus momentos mais interessantes (alguns diálogos) era só um petulante exercício de erudição conduzido em 208 páginas. Não parece que o gibi quer te levar a lugar nenhum: não parece querer divertir, instigar, prender, fazer refletir. É um apanhado de 208 páginas que, ligando-as, só tem uns personagens desenhados mais ou menos iguais durante todo o tempo.

Agora, o que mais me intriga é como as críticas lançadas junto ao álbum o colocam lá em cima. Fala-se de diferentes níveis de leitura da HQ, de melhor material do ano e tantas outras coisas.

Sei não. Talvez eu já esteja sendo afetado pelos efeitos degenerativos da idade…

 

Dupin, de Leandro Melite. Zarabatana Books, 208 páginas, preto e branco. R$70,00.

Nota: 2

Sair da versão mobile