Criado em 1986 com roteiros de Tiziano Sclavi, Dylan Dog é um sujeito peculiar. Ex-agente da Scotland Yard, divide seu tempo entre montar um eterno galeão em miniatura e tocar clarineta (um de seus temas mais comuns é El Trino Del Diablo, de Giuseppe Tartini). Isso claro quando ele não está por aí às voltas com desmortos, zumbis, demônios, fantasmas, assassinos sanguinários e médicos inescrupulosos, porque Dylan Dog é também o detetive do pesadelo!
Parte do universo/acervo da Sergio Bonelli Editore, umas das principais editoras de quadrinhos da Itália, Dylan Dog sempre foi um sucesso de público e crítica lá na terra do espaguete. Suas histórias são recheadas de humor, situações escatológicas muitas vezes non sense e mocinhas que coincidentemente sempre caem no charme canastrão do protagonista. Aproveitando que o personagem completou trinta anos de criação ano passado e o lançamento de três edições de histórias pela Editora Lorentz para comemorar a data, resolvi fazer essa pequena retomada da vacilante publicação do detetive do pesadelo aqui na Terra Brasilis.
Dylan e seu parceiro Groucho, um sujeito que é a fuça do comediante Groucho Marx (sim, aquele mesmo que inventou o comunesmo do djabo), estreou aqui pela editora Record no longínquo ano de 1991. Foram 11 edições regulares e 2 especiais até 1993, quando a editora encerrou a publicação. Assim como todas as publicações de fumetti (os quadrinhos italianos) da Record, a publicação seguia o formato italiano (mais largo que o nosso formatinho, com 21×15,5cm e impresso em papel jornal), com exceção do segundo especial, Incubus, lançado em 1993 no formato magazine.
No mesmo ano de 1993, Dylan Dog colocou a cabeça pra fora d’água outra vez pela editora Globo na magazine Fumetti – O melhor dos quadrinhos italianos.
Daí veio o primeiro hiato de publicação que o personagem sofreria no Brasil. Depois do especial Fumetti da Globo, Dylan só voltaria a dar as caras aqui no país da balbúrdia em 2001, numa “minissérie” em seis edições lançada pela Conrad. Coloco aspas em “minissérie” porque, como é tradicional nas publicações do personagem, eram seis edições soltas, com histórias auto contidas. O rótulo de minissérie veio porque a Conrad importara a publicação dos EUA, o que fez com que a publicação tivesse capas incríveis de ninguém menos que Mike Mignola. Essa publicação, inclusive, repetiu o primeiro número já publicado pela Record (“O despertar dos mortos vivos”) em seu número 2. Essa “minissérie” da Conrad, publicada em formatinho tradicional e com um papel melhor do que a encarnação anterior, também trouxe aquela que é não só a primeira HQ de Dylan Dog que li, mas também é disparada a melhor história do personagem pra mim: Jhonny Freak. Não nego pra ninguém que toda a minha história subsequente com o detetive do pesadelo é uma busca por outra Johnny Freak, de tão impactante que foi essa história pra mim.
Ao final da publicação da Conrad, os fãs do personagem não ficaram muito tempo chupando dedo como acontecera anteriormente, porque a Mythos encampou a publicação mais longeva do personagem no Brasil. Em novembro de 2002 chegava às bancas Dylan Dog #1 da editora, com a viajandona HQ A história de Dylan Dog. Tiziano Sclavi, o pai do personagem, se debruça sobre Dylan, seu arquiinimigo Dr. Xabarás e todo o universo do personagem para explicar pontas soltas aqui e acolá, amarrando o passado, o presente e o futuro do personagem. No texto introdutório, Júlio Schneider, o maior tradutor Bonelli do Brasil, conta que a ideia de abrir a nova publicação com aquela que foi a centésima história do personagem na Itália foi consciente. Pois então àquela história se seguiram outras 39 edições lançadas pela Mythos num formato ainda menor que o formatinho (18×13,5cm, papel jornal). Um formato sem dúvida estranho, mas que é utilizado em quase todos os fumetti lançados pela editora. Pela Mythos, além das 40 edições da série regular (encerrada em 2006), o personagem também apareceu nas 6 edições de Tex e os Aventureiros, espécie de almanaque um pouquinho mais largo que o formato italiano típico e que coletava histórias curtas de vários personagens da Bonelli (Tex, Martin Mystère, Zagor, Nick Raider, Mister No e Nathan Never – este último apenas no primeiro volume). Depois disso o personagem novamente caiu no limbo do esquecimento no país.
Esse limbo durou até abril deste ano, quando a desconhecida editora Lorentz decidiu lançar um “tiro curto” do personagem com o intuito de comemorar seus 30 anos de criação na Itália (sim, eu estou desconsiderando a edição pirata de Incubus “lançada” no fanzine Replicóide da editora Sigh em 2016).
Num esforço que só os verdadeiros entusiastas de alguma coisa são capazes de empenhar, a Lorentz convocou ele mesmo, Júlio Schneider para o objetivo de lançar três HQs inéditas do personagem, uma para cada década de sua existência. Dessas, duas já chegaram às bancas especializadas (as bem especializadas mesmo. O porte da Lorentz não permite uma distribuição mais ampla, mas a editora possibilita que os interessados solicitem suas edições por e-mail (editoralorentz@hotmail.com). Apesar de feita por fãs, as duas primeiras edições da Lorentz (Retorno ao Crepúsculo e Manchas Solares) nada têm de amadoras. Como disse, Schneider está de volta na posição de tradutor. O formato fumetti também foi o escolhido, com o apoio do bom papel off-set e de uma boa impressão, esta é, pra mim, a melhor encarnação de um título do personagem no Brasil.
Como a ideia é homenagear os 30 anos de publicação do personagem, a Lorentz abre sua série como uma história que não é das mais introdutórias. Como o próprio nome indica, Dylan retornará ao crepúsculo, isto é, à Zona do Crepúsculo, apresentada na edição 7 da série da Record. O Dr. Xabarás será citado, num diálogo que remete diretamente ao primeiro número da série da Mythos, e o inescrupuloso Dr. Hicks dará as caras novamente (ele é a ameaça da edição 7 da Mythos, Entre a vida e a morte, história que ninguém me tira da cabeça que serviu de “inspiração” para a xexelenta Hellblazer – A cidade dos demônios, de Si Spencer e Sean Murphy). Mas nada capaz de deixar o leitor perdido. A Lorentz, ao contrário do que vem sendo usual em outras editoras, não teve problemas em citar nas notas de rodapé cada uma das histórias referentes. O terceiro volume, Mater Morbi, deve sair por agora, já que a previsão era de lançamentos trimestrais (o volume 2 tem seu registro de lançamento como julho/2017, logo já houve um pequeno atraso). De qualquer jeito, a expectativa é que o bom trabalho de curadoria, tradução e impressão da Lorentz animem os leitores já conhecidos e novos, para que o personagem possa ter uma nova vida longa no país.
BONUS LAP!
Não sei se a relação é direta (ou se há de fato uma relação) mas me parece que a iniciativa da Lorentz de resgatar Dylan Dog no Brasil já rendeu frutos, e outro personagem Bonelli abandonado no Brasil pode ganhar vida nova pela mão de seus fãs. Trata-se de Dampyr! A série, um misto de terror e trama policial, chegou a ser lançada aqui no Brasil em 2004/2005 pela Mythos, mas não foi além dos 12 primeiros números. A Editora 85 decidiu resgatar o personagem através de uma campanha no Catarse, com o objetivo de publicar uma mega edição licenciada com quatro histórias.
De repente está aí se formando um filão, hein? Digo, dos próprios fãs viabilizarem a publicação dos títulos que lhes são caros, principalmente os bonellianos e, apesar do número de leitores reduzido, é sempre composto de fãs muito fiéis… Se a moda pega, tomara que alguém encare de terminar aqui Face Oculta, do Gianfranco Manfredi. Embarquei nas duas promessas de publicação da Panini aqui no Brasil e… CANSEI DE SER ENGANADO, ehehehehehehe