O ano era 1982. Marvel Comics, a Casa das Ideias, prepara a publicação de sua primeira graphic novel, paradoxalmente, matando seu personagem-símbolo: nascia A Morte do Capitão Marvel, de Jim Starlin.
Na trama de pouco mais de 60 páginas, Starlin (que obtivera notoriedade nos anos anteriores justamente reformulando o personagem) narra a história melancólica dos últimos dias do grande guerreiro Kree, Mar-Vell, que tendo enfrentado e vencido os maiores desafios imagináveis como entidades cósmicas, exílios na Zona Negativa e até o titã louco Thanos, agora sucumbia… de câncer.
Reza a lenda que com a HQ Starlin também exorcizava (ou elaborava, no jargão psicanalítico) a morte de seu pai, abatido pela mesma doença. A Morte do Capitão Marvel deixa claro esse papel duplo, de graphic novel e mecanismo de defesa psicológico: sua trama é densa, reflexiva e cheia de altos e baixos afetivos. A resignação de Mar-Vell se choca com o inconformismo de Rick Jones, coexiste com a perseverança de Mentor e dos heróis da Terra, até ceder e transformar-se em raiva diante do medo sentido pelo próprio herói com a chegada de seu fim.
Mascarada em cada um dos personagens, o que Starlin revela é a si mesmo: o ex-fotógrafo de Guerra que tendo visto tantas batalhas, a face da morte tantas vezes, agora sentia-se impotente e fraco diante de um mal silencioso e definitivo. É particularmente tocante que a grande batalha da história não seja física: no coração de Mar-Vell, sua inconformidade enfrenta (e o inimigo não podia ser outro) o amante da Morte, Thanos de Titã. Trocam socos e sopapos para terminarem, mãos dadas com a Morte personificada, caminhando rumo ao inescapável.
Passados quase 35 anos de sua publicação original (de Brasil são 28 anos), A Morte do Capitão Marvel ainda conserva sua força. Sim, há problemas de envelhecimento, lógico. Os diálogos de Starlin em alguns momentos acabam soando verborrágicos demais, e sua arte ainda melhoria muito com o passar dos anos, mas nada passa sequer perto de diminuir um nada que seja do brilho desta bela HQ. Mais do que isso, é importante perceber como, depois desse tempo todo, o câncer ainda é um problema grave mesmo no mundo multicolorido dos heróis e vilões. Recentemente, numa abordagem bastante semelhante do problema (“oras! Esses caras que cruzam o universo num átimo de tempo não conseguem descobrir a cura de uma doença?”), Mark Waid trouxe o assunto de novo à baila nas histórias do Demolidor, tendo Foggy Nelson no epicentro da coisa.
Relendo a HQ para escrever esse post, fiquei me perguntando onde a Panini e a Salvat andam procurando materiais que até hoje não republicaram esse clássico aqui no Brasil. Que merece, merece.
Escrevi esse post em homenagem ao nosso leitor e chégas Jorge Theodoro, o Don Theodoro. Figura ponta firme demais que conheci no FIQ de 2013 e desde então sempre me chamou, se posicionou e cobrou posicionamentos sobre os assuntos mais importantes do nosso mundinho nerd e de fora dele. Neste final de semana o câncer nos tirou essa figura ducacete, simpático e humilde até mandar parar – o tipo de pessoa que vai fazer muita falta no mundo da gente. E aí vocês vão perguntar se eu não vou dizer “morreu, morreu, antes ele do que eu”. Posso dizer isso. Mas seria só uma forma infantil de fingir que não doeu… Descanse em paz, Don. A gente segue na briga, mas cê vai fazer falta aqui, viu?