Em 2007, ano em que foi lançado o primeiro Homem de Ferro, ficava difícil apostar que a Marvel Studios estaria, 8 anos depois, tão por cima da carne seca que seria capaz de apostar numa minissérie de época protagonizada pelo “par romântico sem superpoderes” de um dos heróis – e que não tinha status de protagonista nem nos quadrinhos. Mas Agent Carter mostrou-se não só uma grata surpresa, mas também consolida a Marvel Studios como um estúdio com visão criativa e estratégica cada vez mais difícil de ser superada dentro dos filmes de ~super-herói~.
Agent Carter foi desenhada como uma minissérie em 8 episódios para servir como “mid season” entre a primeira e a segunda metade da temporada atual de Agents of SHIELD. A iniciativa é estrategicamente interessante por diversos motivos. Primeiro, dá um “respiro” na temporada de AOS que, como toda série de canal aberto lá fora, possui exaustivos 22 episódios; segundo, permite criar uma história que, apesar de ainda ligada ao MCU, pode ter resoluções que trazem pouca ou nenhuma consequência direta para os filmes; terceiro, aproveita um crescente interesse do público dos filmes pela personagem; quarto, finalmente aposta numa personagem feminina como protagonista direta; e quinto, pode preencher lacunas do passado do MCU no que diz respeito aos plots que tem relação direta ou indireta com os eventos da Segunda Guerra e da Guerra Fria.
Na minissérie, acompanhamos Peggy Carter que, após os eventos de Capitão América – O Primeiro Vingador, ficou nos EUA (ele é britânica, só pra lembrar) trabalhando para a Strategic Scientifc Reserve (SSR), a agência de espionagem americana da Segunda Guerra (e que serve como uma espécie de pré-SHIELD no MCU), embora não exatamente do jeito que ela esperava.
Apesar das mulheres terem sua participação na Guerra, quando ela acabou, os homens voltaram aos seus afazeres culturalmente determinados – e as mulheres também. Vivendo numa época onde mulher “só servia” para servir cafezinho e atender telefone (até a Mulher Maravilha passou por isso nos quadrinhos), Peggy Carter vê a oportunidade de ser vista e reconhecida como agente relevante quando seu amigo Howard Stark, após ter sido acusado de traição, pede como favor que ela atue como agente dupla na missão de encontrar suas invenções e tentar limpar seu nome e reputação – mas pode acabar condenando o nome e reputação da própria agente.
A série possui todos os elementos que uma história desse período pede, desde a contextualização histórica ao clima pulp e aventuresco – além, é claro, do elemento fantástico característico às produções da Marvel e do humor. Diferente do início de Agents of SHIELD, que tentou um formato “caso da semana” (ou “procedural”, como eles chamam por lá), Agent Carter aproveitou o espaço limitado de 8 episódios para criar uma narrativa única e que mostra que a Marvel é capaz de continuar expandindo seu universo cinemático também para outras épocas, e sem precisar de superpoderes*.
O programa brincou bastante com os aspectos culturais de gênero e, enquanto algumas vezes pareceu o básico, outras criou dinâmicas muito interessantes, como a dupla Peggy/Jarvis. Não preciso nem mencionar minha segunda maior paixão platônica, Hayley Arwell – afinal, não é exagero dizer que a série só existe por causa do carisma e da atuação que ela imprimiu na personagem), pois a série é sobre ela; mas o melhor de tudo é que ela não gira apenas em torno dela. Os outros personagens, apesar de parecerem rasos no começo, são bem caracterizados conforme os episódios passam. A série também flertou – e aproveitou – sua posição no MCU para dar apenas o suficiente de fantasia ao espectador, mantendo-se na maior parte das vezes o mais pé no chão possível, mesmo com invenções sci-fi do pai do Robert Downey Jr. Tony Stark.
Falando nisso, Howard Stark é um personagem que vale a pena uma menção maior. Uma das coisas que me incomodava no MCU é o pai do Tony ter, basicamente, a mesma personalidade do Tony, só que adaptada pra época. Ou seja, o Homem de Ferro era uma cópia carbono do pai. Embora isso tenha sido ressaltado em boa parte dos episódios, a série conseguiu redimir um pouco disso no final, mostrando um lado do Howard Stark que raramente a gente veria explorado em algum filme.
Como todo live action da Marvel Studios, a série conta com ligações com o MCU no seu plot principal, além de referências a personagens. Felizmente, a série não cometeu o mesmo erro do início de Agents of SHIELD e não usou estes elementos como muleta, conseguindo inserí-los, não só de forma mais orgânica, mas garantindo que fosse parte natural da narrativa.
E por falar no MCU, além dos easter eggs e “foreshadowings” esperados, o filme faz duas ligações diretas com os filmes: Mostrar o “projeto viúva negra”, que tem ligações tanto com a origem da personagem dos Vingadores como do Soldado Invernal; e uma participação especial no finalzinho do Arnim Zola, ainda como prisioneiro e não como colaborador da SHIELD (que ainda não existe), mas mostrando o que talvez seja a semente dos futuros planos da Hydra.
Por mais que eu goste de Agents of SHIELD, após o encerramento dessa minissérie, sou obrigado a engrossar o coro dos que acham que os 8 episódios de Agent Carter valem por todos os da série do Coulson até agora. É claro que é injusto comparar, uma vez que a série da Peggy está numa posição bem mais privilegiada (laços menos estreitos com o MCU, uma história curta e autocontida, deslocada no tempo e sem a necessidade nem expectativa de construir algo para os novos filmes, e assim por diante), mas é impossível não fazer essa comparação.
A boa notícia para quem gostou da série como eu é que há a possibilidade de renovação para uma nova temporada. Embora não tenha estourado a boca do balão (carai, que expressão mais velha) em termos de audiência, ficou sempre muito bem posicionada. Se for o caso, espero que não cresçam o olho e mantenham o foco numa temporada curta, objetiva e sem muita frescura.
Agent Carter segue a cartilha da Marvel Studios de não se preocupar com premiações, e sim com o entretenimento do espectador. O humor é bem balanceado e não é exagerado, e a história tem um tom mais leve de que uma típica história noir. Ou seja, uma clássica HQ pulp que não deve nada aos exemplares originais do gênero. Então não espere uma série que rivalize com grandes ganhadores de Emmy ou Globo de Ouro; mas, se você é fã do que a Marvel Studios têm feito com seu universo live action, não vai se decepcionar com esta minissérie.
Nota: 8,9.
*Entre os protagonistas, pelo menos, já que um dos vilões da série é um super-vilão do Capitão América que tem o poder de influenciar as pessoas, o Doutor Faustus.