AVISO: Se você não acompanhou o marketing do filme, terá spoilers abaixo. Teje avisado.
A franquia do Exterminador do Futuro é, no mínimo, instável. Após um bom primeiro filme e um excelente segundo, a curva de qualidade caiu com o fraco terceiro e o horroroso quarto. Com um equilíbrio entre filmes bons e ruins, resta ao novo Exterminador a tarefa de retomar os rumos da série. Será que a nova obra conseguirá trazer de volta a qualidade que parece ter sido gasta no segundo filme?
Spoilers: Não, não consegue.
O filme começa como se fosse uma refilmagem do primeiro Exterminador. Temos John Connor (munido dos poderes da onisciência pelas informações do futuro de sua mãe, Sarah Connor) e Kyle Reese liderando o ataque final contra a Skynet. Infelizmente, ao se ver de joelhos, a Skynet manda um T-800 para o passado para matar Sarah Connor, e cabe a Kyle voltar também para protegê-la. Até aí é aquele papo que a gente já conhece, PORÉM algo ocorre. No meio da preparação para a viagem no tempo, um Exterminador acaba atacando John Connor, criando um evento temporal tão grande que faz com que Kyle experiencie memórias de um passado do seu “eu” de uma linha temporal alternativa.
Sim, essa é a desculpa que eles usaram pra mudar a história dos filmes originais. É uma bosta, mas vamos seguir com ela.
Acontece que Kyle Reese recebe a informação das memórias do seu eu mais jovem de que uma tal de Genysis é a Skynet, e que ele deveria impedir isso em 2017. Só que ele foi mandado para 1984 para proteger Sarah Connor. Quando ele chega lá, no entanto, é atacado por um T-1000 (que só deveria aparecer em 1995, nos eventos do Exterminador 2) e resgatado por uma Sarah Connor porradeira e seu “pai”, o T-800 Schwarzenegger. Juntos eles devem se proteger do T-1000 e do outro T-800 e viajar mais uma vez no tempo, desta vez para o futuro. E para jogar uma pitada de drama nisso tudo, Sarah sabe dos eventos que ocorreriam no primeiro Exterminador, e que deve transar com Kyle Reese para que John Connor nasça e a humanidade tenha uma chance contra as máquinas.
Acho que a primeira coisa que se nota nesse plot é o ode de Genysis aos dois primeiros filmes do Exterminador. Além dos ambientes do primeiro filme, as frases clássicas e os vilões, o filme também acredita que está passando na mesma época deles. Digo isso porque TODA VEZ que o T-1000 vai mostrar suas habilidades de metal líquido, a cena entra no modo câmera lenta para podermos apreciá-la melhor. Toda. Santa. Vez. Na primeira você acha divertido. Na segunda você estranho. Na décima quinta você nem consegue entender mais. Não estamos mais em 1991 para isso ser surpreendente, filme.
Só que o sentimento de nostalgia é o máximo que o filme consegue transmitir em suas duas horas de duração. Até há uma tentativa de uma cena de emoção entre os protagonistas e outra de tensão aqui ou ali, mas todas são abruptamente interrompidas por piadinhas ou uma salvaguarda de roteiro. Parece até que a direção fica com medo de continuar as cenas, como se fazer o espectador tirar a mão letárgica do queixo fosse um crime contra a humanidade.
A única coisa em que ele se arrisca é nas piadas. Aliás, arrisca até demais. Seja com o Schwarzenegger ou com o personagem de J. K. Simmons, a cada cinco minutos temos uma situação engraçadinha na tentativa de copiar o jeitão de um filme Marvel. Geralmente o carisma dos dois atores citados dão conta do recado, mas em outras o filme se perde. Tem uma cena em que os personagens são presos (isso acontece umas três vezes) e toca Bad Boys no fundo enquanto eles são fichados. É tão bizarro e repentino que talvez tenha sido uma alucinação. Preciso de provas mais conclusivas.
Outro problema do filme se traduz nos diálogos. Como já disse um sábio, na internet temos o costume de comparar qualquer coisa razoavelmente ruim com uma visão do Hitler matando bebês-foca, mas eles são realmente ruins nesse nível. São tão clichês, recheados de frases de efeito e sem nenhuma significância no contexto geral que apenas funcionam quando é o Schwarzenegger quem os profere. As conversas entre Sarah Connor e Kyle Reese são sofríveis, te fazendo implorar por uma porradaria ou o velho T-800 aparecer.
“Ah, mas pelo menos as lutas devem ser boas”, diz o cara do fundo. ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ… não. As porradarias são simplórias, passáveis e extremamente lentas, sendo que nenhuma delas consegue te empolgar ou temer pelos protagonistas. Toda vez que ela chega perto disso, a câmera corta para um deus ex machina que vai salvar os mocinhos ou para uma cena completamente nada a ver, te fazendo esquecer que tem personagens lutando em outro canto.
Aliás, os personagens me lembram do pior defeito do filme: a inconsistência de roteiro. Veja, Genysis é uma homenagem aos primeiros Exterminadores, e por causa disso ele assume que você conhece o plot e as situações que deveriam passar. Só que o problema é que os próprios personagens parecem também ter ciência disso, e esse conhecimento é lembrado e esquecido mais vezes do que se pode contar. Várias vezes eles mencionam fatos de conhecimento do público apenas para se surpreenderem com a mesma coisa alguns minutos depois.
Todas essas críticas podem parecer que o filme é uma bosta (o que não é exatamente mentira), mas ele tem seus pontos positivos. A obra é uma carta de amor à franquia do Exterminador, sempre tentando referenciar algo que apareceu nos filmes clássicos. Fãs com certeza irão gostar desse tratamento, mas podem ficar cansados com tamanha babação de pau. Além disso, as piadas funcionam em sua grande maioria
Vamos agora aos personagens. Sarah Connor (Emilia Clarke) parece uma mistura de sua personagem no segundo filme com o John Connor do terceiro. Ela é aquela típica garota que sabe atirar, sabe bater, mas é revolts com o sistema. Reclama de tudo, dá achaques a cada dez minutos e no final acaba se apaixonando pelo mocinho. Mocinho este, Kyle Reese (Jason Clarke), que parece ter saído de um guia de protagonistas de filmes de ação dos anos 80. Ele não tem nenhuma personalidade com exceção dos traços típicos do herói porradeiro padrão, e também tem um sério problema de se impor e conquistar seu espaço. Tudo bem que o ator não tem aquele carisma, principalmente perto de outras figuras do elenco, mas ele não consegue se manter na corda nem quando aparece sozinho.
No entanto, falando em carisma, temos o T-800 original de volta. Arnold Schwarzenegger consegue roubar cada cena que aparece, seja lutando ou tentando fazer piadas. É impressionante como sua presença eleva o filme, mesmo que no final pareça mais uma obra da Marvel do que uma do Exterminador. Talvez, se não sumisse em algumas cenas, Genysis pudesse ser melhor.
Outro ator com carisma no filme é J. K. Simmons, atuando no papel do policial que tentou prender Kyle Reese no primeiro filme, O’Brien. Seu papel em Genysis é praticamente um alívio cômico que tem os poderes de avançar com o plot, mas ainda assim é divertido vê-lo em cena.
Quanto aos vilões, são quatro nesse filme. Temos o T-800 do Schwarzenegger novo (cuja CG ficou bem maneira), o já citado T-1000, o Exterminador do Matt Smith (aparece por dez segundos, nem conta) e John Connor. Como um humano contaminado por um Exterminador.
Ei, eu avisei que tinham spoilers.
De qualquer jeito, colocar o salvador da humanidade como vilão de seu filme parece uma ideia interessante na teoria. Infelizmente isso não se traduz pra prática. O filme até tenta colocar a carga dramática nesse plot twist, mas, como já dissemos, ele é incapaz disso. Não obstante, ele também é incapaz de aproveitar o vilão da maneira correta. Os poderes desse novo Exterminador envolvem manipulação das minúsculas partículas que formam seu corpo, algo com potencial para diversas lutas memoráveis, só que eles só são aproveitados na última batalha, em uma cena tão lenta que chega a ser um insulto. Até o T-1000 foi mais aproveitado.
Quanto a Genysis, todo o conceito dela é idiota. Supostamente é um sistema operacional que conecta seu carro, seu celular, sua casa e até sua bunda (se essa for sua praia) em uma plataforma única. Só que ele também é conectado a coisas um pouco mais complicadas, como O SISTEMA DE DEFESA DOS ESTADOS UNIDOS. Que tipo de retardado no governo aceita esse tipo de merda? De quê adianta você conectar todos os recursos bélicos do país a uma rede que envolve até o tamagochi que você esqueceu no bolso da calça? É que nem colocar as senhas dos mísseis nucleares numa conversa do Facebook. Você até consegue enxergar a crítica do filme ao mundo atual e ao vício dos smartphones e da internet, essa rede mundial de computadores, mas não tem como levar a sério uma parada dessas. É uma desculpa chinfrim para uma ascensão relâmpago da Skynet.
Por fim, Exterminador do Futuro: Genysis é um filme que se esforça para gastar seu potencial. Ele tinha todos os elementos para se tornar uma obra memorável, com personagens clássicos, alguns atores carismáticos e a possibilidade de explorar várias eras temporais. Infelizmente ele acaba se perdendo no meio do medo de tentar sair da zona de conforto, além de ter cenas de luta sonolentas e diálogos sofríveis.
Seria apenas um filme medíocre se não fossem duas ofensas: primeiro que todo o mistério da vinda do T-800 para a Sarah Connor criança foi completamente ignorado, supostamente para ser respondido num filme futuro. E segundo que há uma cena no fim tão ultrajante que te deixa puto na hora de sair do cinema. Não quero dar spoilers (afinal, quero que vocês se decepcionem por si mesmos), mas imagine como um upgrade que tornaria a luta final extremamente mais empolgante, mas que acaba sendo apenas uma desculpa para manter um personagem vivo.
Aproveitem que Genysis gosta tanto dos dois primeiros filmes da série e assistam eles em casa ao invés de ir ao cinema ver essa coisa.
Nota: 4.0