Bill & Ted estão de volta quase 30 anos depois de sua última aventura (Bill & Te: Dois Loucos no Tempo) num filme ligeiramente mais maduro que que não perde o espírito anárquico dos filmes originais – mas exige um nível de suspensão de descrença que não é pra todo mundo.
Quando você é pré-adolescente nos anos 90, os filmes de Bill & Ted parecem incríveis. Reassistir eles depois de adulto… nem tanto. Mas a honestidade das duas produções e a narrativa que parece ser totalmente improvisada tem um apelo inegável. Nenhum dos filmes do Bill & Ted vêm de um lugar de cinismo ou de espírito de porco e, mesmo com uma ou outra coisa datada (culturalmente falando), ainda é possível entender porque esses personagens são tão queridos até hoje.
Bill & Ted: Face the Music é uma sequência direta do segundo filme e se passa no tempo presente, com a dupla há quase 30 anos tentando criar a música que supostamente iria salvar o mundo… sem sucesso. Com isso, Bill & Ted agora são homens de meia idade com esposas e filhas que amam, mas frustrados por não serem capazes de criar o futuro que lhes foi prometido. Mas isso não é apenas ruim para os personagens, e sim para a realidade como um todo, que está prestes a deixar de existir se eles não criarem a tal música em cerca de 40 minutos.
A primeira dica que esse filme é mais maduro que os outros é no roteiro em si. Se os filmes anteriores pareciam mais uma porção de cenas improvisadas reunidas num único plot, Face the Music é bem mais redondinho, com missões bem específicas e um claro objetivo. Não que os anteriores não tivessem uma “missão” a ser executada, mas Face the Music parece muito mais “profissional”, criativamente falando. Bill e Ted possuem arcos bem definidos e todos os personagens têm sua importância na trama, mesmo que com participações pequenas. A história é muito menos sobre personagens históricos aleatórios e mais sobre o poder que a música pode ter sobre as pessoas.
A segunda dica é que, visualmente, o filme é mais bem pensado. Nos filmes anteriores, limitações orçamentárias à parte, você tem que forçar muito a amizade pra pensar que aquele futuro que vemos é um futuro utópico como os personagens fazem parecer. Visual e conceitualmente, é um futuro cinzento, sem graça e que acontece num único ambiente (como saber que na verdade esse não é um futuro distópico que só é bom para os governantes? Mas enfim, estou divagando). Em Face the Music temos a oportunidade de ver mais do futuro, não muito, mas o suficiente pra ele ao menos parecer o futuro utópico que nos foi prometido nos filmes anteriores.
O humor é bacana, mas não é o tipo de filme para cair da cadeira gargalhando (embora tenha alguns momentos bem engraçados). É mais o que chamam de “feel good movie”, onde você fica feliz de estar assistindo. Como estamos acompanhando personagens que são inerentemente otimistas, transparentes e sem maldade no coração, o filme segue completamente essa rota ao invés de ficar forçando piadas ou tentar ser sério demais. O resultado é um filme que alegra, mas não vai fazer gargalhar nem ganahr oscar.
Mas existe uma inocência inerente a esse filme, que se contrasta com a jornada dos personagens, hoje adultos e questionando suas decisões de vida, que torna o filme especialmente atrativo para quem tem 40 anos ou mais. A ideia de que esses personagens viviam sua adolescência acreditando que iam mudar o mundo e, 30 anos depois, começam a ficar cansados porque o futuro que lhes foi prometido não aconteceu, é particularmente realista e se torna ainda mais triste por vermos que as filhas dos personagens simplesmente os idolatram porque possuem esse mesmo otimismo inocente que eles tinham quando jovens.
A esperteza do filme, no entanto, é fugir do cinismo de mostrar como a vida adulta é uma merda e os sonhos dos jovens são infantis e inalcançáveis, e trazer uma história que reforça que, enquanto continuarmos acreditando num mundo melhor, ainda existirá motivos para lutar por isso. A mensagem do filme não é nada surpreendente ou original, inclusive é incluída no filme sem nenhuma pretensão. Talvez por causa disso mesmo, e principalmente por conta do contexto em que o mundo se encontra hoje (e antes a pandemia fosse o maior dos nossos problemas), essa ingênua mensagem te atinge em cheio, e faz você ter esperança de novo, ainda que por um breve momento.
Face the Music é claramente uma declaração de amor aos personagens, o que é ao mesmo tempo sua maior força e sua maior fraqueza. Eu não acho que um expectador aleatório vai conseguir abraçar o absurdo e falta de coerência de alguns momentos, especialmente em uma época onde o público espera explicações para cada mínimo detalhe de uma história. Isso é e sempre foi parte do charme desse universo, de simplesmente ir com o fluxo e aceitar a realidade do que está acontecendo, por mais estranho que pareça. Então pode ser difícil para alguns aceitar que uma pessoa possa fazer uma ligação de um celular a partir do inferno para uma pessoa viva na Terra, ou deixar de se perguntar porque essas pessoas estão no inferno em primeiro lugar se elas não são pessoas “más”. Ou que um robô mate um personagem e seu furgão e o furgão TAMBÉM vá para o inferno. Ou aceitar que um dos membros do Wyld Stallions foi o ceifador, a própria personificação da morte, que deixou a fama subir à cabeça, fez carreira solo, foi detonado pelos críticos e voltou para o mundo dos mortos. E por aí vai.
Bill & Ted: Face the Music não vai ser um filme pra todo mundo. Para alguns, vai ser um filme bobo; para outros, apenas um filme saudosista. Mas é muito mais. É uma obra onde você vê o amor dos envolvidos em cada cena, cada diálogo. E é um filme que calhou de sair na hora certa, pois eu pelo menos estava precisando muito de um filme mais otimista.
Nota: 7,85423