A gente lemos: Turma da Mônica – Laços

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Não é fácil escrever uma boa história infantil. Quer dizer, pelo menos uma que me agrade, por que sou exigente nesse sentido. Acho que as melhores histórias infantis são aquelas que falam com a criança “interior”, por assim dizer. Ou seja, com aquele aspecto do ser humano que (quase) nunca morre e que nos torna vivos no melhor sentido da palavra.



As melhores histórias infantis não são (só) para as crianças cronológicas, e sim para o “espírito” de criança e, portanto, valem para todas as idades. Poucas histórias conseguem ter êxito nisso, na minha opinião; o exemplo que posso citar são as animações da Pixar.

Quando a Maurício de Sousa produções resolveu desenvolver as Graphic MSP, era difícil saber o que esperar. Mas Astronauta – Magnetar saiu e fez um sucesso tremendo, e agora é a vez da Turma “oficial” ter sua própria releitura, esta nas mãos dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi.

Como eu comentei na minha resenha de Magnetar (que acho que não está mais disponível por conta do reboot do MDM), eu nunca fui um grande fã da Turma da Mônica, sempre preferi os “alternativos” (Astronauta, Horácio, Turma do Penadinho). Mas Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão são personagens que já estão no imaginário popular, então é impossível não ter algum tipo de identificação por essa garotada.

Em Turma da Mônica – Laços, o floquinho (cãozinho do Cebolhinha) desaparece e a turma se engaja em um “plano infalível” de busca e resgate atrás do cãozinho esquisito e adorável. Com esta premissa simples, desenrola-se uma história que traz o melhor da criança metafórica que encontramos em qualquer idade.

Laços não pode ser analisada isoladamente. É necessário levar em consideração os autores da obra e sua relação com os personagens. Quando conheci Vitor e Lu Cafaggi, ano passado, conhecia apenas superficialmente o trabalho de ambos e, embora fosse fácil perceber os motivos pelos quais eles foram escolhidos para a arte da Graphic Novel, não estava tão certo a respeito do roteiro.

Mal sabia eu que a relação dos irmãos com a Turma seria um dos pontos mais fortes da própria narrativa. As relações familiares são a força da história e o motor que a faz girar. Não só as relações de sangue, mas também os laços de amizade que fazem a turma agir como se fossem irmãos, e não apenas amigos (e, afinal de contas, não é isso mesmo que é a amizade verdadeira?).

Mas não são só os laços entre os autores que fazem a diferença. O carinho de ambos pelos personagens transborda a cada sequência, conforme detalhes da historiografia da Turma são espalhadas pelas páginas, de diálogos a pequenos detalhes no cenário, passando por reconstituição de capas ou menções a histórias antigas e detalhes que até muitos leitores de longa data não lembrariam. Além disso, a história tem uma sensibilidade que transforma os personagens da turma em crianças de verdade, e não meros desenhos bidimensionais.

É com essa sensação de que estamos presenciando a história de um grupo de amigos próximos ou familiares que a hq cativa até o leitor que não conhece a Turma da Mônica, pois ela funciona tanto para quem conhece quanto para quem nunca ouviu falar deles.

Quem é fanático por essa turminha vai poder passar um bom tempo apenas catando os detalhes espalhados pela história; mas quem não conhece vai poder apreciar sem nenhum problema, pois não é necessário nenhum conhecimento prévio sobre os personagens: tudo o que se precisa saber está lá.

Além das referências à histórias e ao universo da turma (com participação de diversos outros personagens), há também referências à outros programas da cultura pop, como Chaves. E tudo isso no melhor clima de filmes dos anos 80 como Goonies e Conta Comigo (e talvez tenha sido isso o que me atraiu na história).

A arte é um show à parte. Com Vitor ilustrando a história no presente e Lu fazendo as cenas de flashback, logo de início a história te faz mergulhar num mundo que não parece feito de quadros em sequência: parece vivo. É bem fácil imaginar esta história como uma animação.

Também é importante citar a contribuição de Sidney Gusman ao projeto. Sua visão de usar os irmãos para contar a história da Turma foi das mais felizes. Criando o roteiro juntos sem nenhuma hierarquia, os dois puderam traduzir sua relação com os personagens no que provavelmente é a maior declaração de amor a essa turma que fez e faz parte da infância de muitas gerações.

Turma da Mônica – Laços é surpreendente, não por ser uma ótima história (o que já era esperado), mas por ser capaz de fazer aquilo que hoje a Pixar é uma das únicas que consegue fazer bem: garantir um engajamento emocional até do leitor mais sisudo e fazer aquela sua criança metafórica, que o mundo sempre tenta calar, encontrar uma voz que parecia perdida há muito tempo.

Nota: 9,5

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