Afinal de contas, quando o Zé lançou o livro, eu fiquei interessado, confesso. Mas também confesso que o não entender sobre o título fez com que esse meu interesse fosse cozido em banho-maria. O que mudou quando fomos conversar sobre o lançamento da graphic novel de Folheteen, e eu aproveitei o ensejo (e o despacho) para saber mais e pedir um exemplar do Reisen… pra mim.
Quando chegaram, o impacto visual do diário de viagem (é esse o significado de reisetagebuch. Pode conferir no Google Translator aí se você tá duvidando!) foi muito grande: fiquei maravilhado com a beleza, o acabamento, a proposta. Foi com peso no coração que coloquei o livrão na fila de espera (fila esta que ele furou rapidinho).
Em Reisen… (antes que mimimizem, eu não estou “abreviando” o nome do livro errado. Só cortei a aglutinação típica do alemão e voltei ao termo original) o Zé conta de suas duas estadias na terra dos germânicos, em Liepzig e Berlim. Numa acompanhando sua esposa enquanto esta fazia intercâmbio, noutra ele mesmo estudante.
O livro é feito de pequenas coisas – pequenas coisas que só um estrangeiro poderia perceber. Provavelmente os alemães natos ou os naturalizados jamais se encantariam (ou já não mais se encantam) com o hábito de se pendurarem coisas perdidas pelas ruas, por exemplo. Ou com a forma com que os alemães flertam. A marca do estrangeiro é o estranhamento, isso a gente sabe desde Freud, passando por Caetano e até o Guilherme Arantes – a graça de ser estrangeiro é estar fora do lugar, e olhar tudo como se fosse o mundo (e não nós) que estivesse fora do prumo. Parece bobeira, parece óbvio, mas isso é legal demais.
Porque o Zé consegue, sei lá como, transmitir essa sensação ao leitor – certamente que o fato da edição ser bilíngue ajuda (não poucas vezes me peguei caçando correspondências entre os textos), mas há algo mais que eu não consigo mapear. De um povo visto como “frio”, o Zé acabou fazendo um retrato bem terno, bem próximo. Algo realmente bonito de se ver.
A arte forma um capítulo a parte. Como deu pra ver, o livro é um diário de viagem ILUSTRADO pela Alemanha. Quem tá acostumado com o José Aguiar quadrinista, de Vigor Mortis Comics ou Folheteen, talvez estranhe um pouquinho só as ilustrações que compõem o livro – nada muito distante do que ele faz em sua tira Nada com coisa nenhuma, por exemplo, onde se permite ser mais experimental. Em Reisen…, o que vemos é um artista se expressando com suas ferramentas habituais. Não há uma preocupação com a forma de apresentação ou com outros aspectos técnicos da linguagem: é arte gráfica, pura. Também por isso, eu acho muito mais bonitas as ilustrações em que as cores foram feitas no punho, no lápis mesmo, ali, orgânico. Admito, as artes com cores digitais (não todas) perdem um pouco o brilho perto de suas irmãs analógicas.
Ainda daquela conversa com o Zé, ele me deu uma sugestão que eu solenemente desacatei mas que quero contornar: Reisetagebuch é um livro para ser lido a dois. Ou, se lido só, é para ser compartilhado com alguém especial, com alguém com quem se tem planos. Porque eu acho que o nosso estrangeiro só pôde ser terno com os bretões porque tinha retaguarda afetiva…
Reisetagebuch – uma viagem ilustrada pela Alemanha, de Jose Aguiar. Editora Quadrinhofilia. Edição bilíngue (português/alemão), 160 páginas. R$60,00 (através do e-mail projeto.quadrinho@gmail.com)
Nota: 10