Quando um dos seus roteiristas de quadrinhos favorito encara um dos seus personagens favoritos, você precisa ler. Se ele ganhou o “Oscar” dos quadrinhos americanos então (o Eisner), mais ainda.
É o caso aqui. Quando penso em Mark Waid, me vem à mente algumas das minhas HQ’s de super-heróis favoritas, como Reino do Amanhã e Liga da Justiça Ano Um. Em atividade na indústria ainda hoje, Waid é um dos poucos autores que sabe, e muito bem, trabalhar o lado humano desses infames seres super-poderosos e suas ridículas noções de vestuário.
Com isso, não era de se estranhar que, na Casa das Ideias, Waid recebesse nas mãos justamente o Demolidor, membro daquele grupo (não oficial) de heróis urbanos da editora (e, logo, um tanto low power se comparados a Thor, Hulk e cia). Fato é que, conforme demonstra bem os dois Eisnereses ganhos (melhor série e melhor escritor), foi uma decisão bem acertada.
E se o “humanismo” do Waid já é notório e eu já citei, há outro ponto na sua trajetória que faz com que o casamento com o Demolidor seja longevo: Waid é um descarado amante do super-heroísmo a moda antiga. É esse o tema central dessa nova fase do Demolidor – vencidas todas as fases negras pelas quais o personagem vinha passando, agora é um novo tempo, uma era mais heroica que se inicia.
Assim, Mark Waid nos apresenta um Demolidor que pode estranhar à primeira vista: o herói não é um justiceiro caladão, sisudo, quase um Batman vermelho e sem capa. Nesse aspecto, o comparativo, seu Demolidor pende muito mais para o amigão da vizinhança. Ainda que mais metódico que o Aranha, seu Demolidor sorri, erra, se mete em enrascadas que não tem muita chance de sair. Waid sabe que para a maioria dos leitores isso é uma quebra de expectativa e tanto e, por isso mesmo, saca da cartola um Foggy Nelson desconfortável com as mudanças do amigo. Se você prestar atenção, perceberá que, ironia das ironias, é Foggy quem quebra o tom da história quando interage com Matt. E é irônico porque, gorducho e de gravata borboleta, era ele quem trazia leveza às histórias – e não o contrário. Foggy é a pulga atrás da orelha dos leitores, que sussurra: “tem algo errado aqui”.
Na arte, temos Paolo Rivera e Marcos Martin. São artes parecidas, e quando Martin assume de fato o lápis, sente-se alguma quebra, mas muito sutil – sutilmente boa, inclusive. Artistas tarimbados como Neal Adams e Bryan Hitch apresentam capas alternadas aos desenhistas regulares, o que sempre engrandece o trabalho (ainda que Hitch coloque o Destemido numa torção de pescoço bem… digamos… incômoda), mas a melhor capa é mesmo de Martin. Numa arte a la Dave Johnson, Martin apresenta uma lindíssima imagem do Demolidor se balançando sobre edifícios-metralhadoras: o tipo de arte que merece moldura.
Por fim, este volume de Demolidor é uma excelente porta de entrada: interessante, instigante e engatilhado numa trama maior. Tudo com uma sintonia (rara) entre roteiro e arte. Coisa de primeira, lugar garantido na estante.
Demolidor #1, de Mark Waid, Paolo Rivera e Marcos Martin. Panini Comics, 148 páginas, R$18,90
Nota: 8,5