Sim, eu sei, tô sumido. Piadas como “Você sumiu meu cobrão” e “Cara, você tomou uma sumida grande” estão frequentes. A verdade é que com o aumento da minha rotina de trabalho, e consequentemente o aumento das horas de ônibus entre uma cidade e outra, eu ando colocando as leituras em dia. Então é a hora de dar uma brecha e falar de algumas dessas leituras. Começando por uns independentes que eu já li há um tempo e os reviews tavam na fila.
Isso porque eu acho, sinceramente, que é somente da HQ independente que pode vir (ou que virá com mais chance) algum viço de novidade nessa vida de mais de vinte anos lendo e colecionando HQ’s. Sem as amarras editoriais, sem a responsa de carregar décadas de existência de um personagem nas costas, é no quadrinho autoral que os autores podem, de fato, mostrar sua cara – pra mim, é onde tem morado a diversão.
Então, neste A gente lemos, vou falar de três materiais independentes de autores já praticamente tarimbados adquiridos na CCXP2014 e um independente de um autor iniciante e que eu comprei ainda na GibiCon 2014. Olho no lance!
One Shooter, de Danilo Beyruth. 24 páginas, preto e branco, R$10,00.
Danilo Beyruth é uma puta velha parça antigo que eu já não preciso apresentar, certo? Autor consagrado, criador do Necronauta, de Bando de Dois, da biografia fumetti style de São Jorge e da revitalização do Astronauta pelo selo Graphic MSP. Em One Shooter, lançado pra CCXP, ele volta à suas origens, um pouco deixadas de lado desde Bando de Dois pra cá. Assim, o álbum compila oito pequenas HQs de temas e personagens variados. De zueiras ao mundo corporativo no melhor estilo The Office (as três com Abaddon, o demônio funcionário-padrão) até a crítica mordaz à higienização sofrida por um certo personagem de quadrinhos nos últimos anos (em Carcaju Blues), One Shooter é uma delícia, cara;. Figura carimbada nos gibis do Necronauta, o bonequinho do tempo de leitura também está de volta, ainda que tenha ficado um pouquinho lento em seu(s) ofício(s).
Como comentado pelo próprio Danilo na CCXP, a pressa de ter o material pronto para o evento fez com que algumas derrapadinhas escapassem à revisão (como o “9 HQs curtas” da intro ou um incômodo “análize” repetido em WWIV), mas nada que sequer passe perto de atrapalhar o prazer de ler One Shooter. Recomendo demais se você ver por aí!
Nota: 5/5
Colecionador de Memórias, de Victor Moura. 96 páginas, colorido. R$30,00
O Victor é um cara bem legal, pena que não pode ver mulher que trabalha como assistente do Ziraldo e curte muito o trampo do Mike Mignola. Colecionador de Memórias, seu álbum de estréia (foi lançado na GibiCon 2014), remete ao trabalho do pai do Hellboy tanto na arte quanto na temática. Uma obra de muito fôlego (principalmente pra um trabalho de estréia), narra a história de um estranho sujeito com seu anel de caveira, e seus ainda mais estranhos companheiros em busca de impedir que cinco objetos de poder sejam reunidos por forças ocultas a fim de subjugar o mundo. Colecionador de Memórias é um título de apresentação: apresentação do trabalho do Victor, apresentação de um mundo ficcional onde ele deixa tudo pronto pra voltar. E é uma boa apresentação. Não é excelente, mas é bem honesta, e fica melhor se lembrarmos disso. O álbum peca um pouco pela sensação que gera de uma falta de um roteiro mais firme, com começo, meio, clímax e fim, muitas vezes dando a sensação de que o Victor foi criando e desenhando à medida que ia produzindo. Do ponto de vista da forma, o álbum derrapa em trazer explicações textuais demais (como a página 64) e outras que acabam não aproveitando da linguagem específica do quadrinho (como as páginas 13 e 67). Mesmo assim, trata-se de um começo acima da média de um autor que, com o amadurecimento, tem tudo pra se tornar memorável.
Nota: 3/5
A história mais triste do mundo, de Eduardo Medeiros. 40 páginas, colorido. R$20,00.
Se tem uma coisa que eu não escondo de ninguém, é o quanto eu sou fã do trabalho do Medeiros (de Mondo Urbano). Sério mesmo, uma puta paga! Gosto demais da agilidade cartunesca do traço dele, das histórias bem sacadas sobre as situações mais banais do mundo. Em “A história…” ele aborda um episódio da vida de Matias, descrito como “um punk. Um anarquista. Um pária. A escória da sociedade. O refluxo do capitalismo. O fim e a destruição.” Porém, Matias está apaixonado, e nisso reside a zica toda da história. Pra quem acompanha o trabalho do Medeiros (eu! Eu aqui, tio!), é notável como seu estilo tem se cartunizado cada vez mais, indo na direção das produções mais ou menos recentes do Cartoon Network (dos Cartoon Cartoons pra cá) mas, principalmente, das produções Nickelodeon style. Não, nenhuma crítica nisso, apenas uma constatação pura e simples. Até porque o casamento funciona muito bem, e a já bastante ágil arte do Medeiros ganha ainda mais agilidade e expressividade. É notável como, do último material impresso dele que eu li (o zinezinho sem nome sobre maconha. Não, não, perdão, eu li Neeb depois disso. Onde guardei o meu pra comparar? Ou foi antes? Merda…), a composição de páginas mudou, ganhando muito em dinamismo. Mal posso esperar o álbum do Sopa de Salsicha, marcado pra sair agora em 2015 pela Cia das Letras.
Nota: 5/5
Captar, de Camilo Solano e Thobias Daneluz. 44 páginas, preto e branco, R$15,00.
Eu já falei do menino Camilo Solano (irmão mais novo do Affonso) por aqui, quando ele lançou seu álbum de estréia, “Inspiração”. Captar, seu trabalho em parceragem com o ilustrador Thobias Daneluz (que desenha lá pros ovolautas), traz duas histórias, uma de cada, sobre o viver na grande cidade. Camilo traz uma HQ autobiográfica, que meio que traz um desdobramento do que ele apresentou em “Inspiração” – se lá era o momento da passagem, esta agora pequena história de solidão, saudade de casa e velhas histórias é mais um desenvolvimento daquele rompimento com a juventude. É uma história bonita, cotidiana, e que casa muito bem com o estilo do “Mutarelli do século XXI”, conforme afirma a imprensa desespecializada e as empresas de marketing imoral.
Do outro lado do espelho, Daneluz faz o oposto do que o Camilo se propõe: traz uma história romântica, cuja relação “interior/capital” gira muito mais entorno da ingenuidade. O roteiro casa bem com sua arte limpa, claramente ligada à arte publicitária. Inevitavelmente comparando as duas histórias, fica claro que o Thobias já tem um traço mais calejado e maduro do que o menino Camilo. Entretanto, no que tange ao roteiro, ou às histórias em si, o irmão do Affonso fica na frente: sua HQ casa melhor com o tema do álbum (dois jovens do interior na grande cidade) – a impressão é que a história escrita pelo Thobias poderia acontecer em qualquer lugar e, exceto pela aparição de uma Rural, pouco tem do espírito interiorano da coisa.
Ah! Um passatempo a mais é sacar as interreferências que as HQs fazem uma à outra.
Nota: 3,5/5
Bem, é isso. No próximo review (sabem os deuses quando será), vamo falar dela mesma, a aniversariante do ano. Da Morcega! Aguardem!