Em 1975, a “Casa das Ideias” resolveu fazer o seu Batman. Um vigilante da noite, cria da Lua, vestindo um inteligentíssimo uniforme… Branco ¬¬ (Mark Millar depois ia retomar essa pegada no péssimo dos péssimos Nemesis).
Enfim, fato é que a cria de Doug Moench e Don Perlin é um sub-Batman, e nada além disso. E como a imensa maioria dos sub-qualquer-coisa, nunca engrenou – exemplo foi a mais recente fase do personagem, de 2006, escrita por Charles Huston (arte do xexelento David Finch, aqui foi publicada em 2007, na Marvel Action) e que, apesar de acrescentar uma certa hiper-violência, também não conseguiu colocar fogo na mistura.
Pois bem, na Marvel conserto de personagem tem nome: Brian Michael Bendis. Poucos são os trabalhos abaixo de relevantes do Careca na Casa das Ideias, de modo que ele se juntou ao ídalo do Rodney, Alex Maleev, pra tentar dar um novo ar ao personagem. Dessa vez na Costa Oeste (o que é sintomático), Marc Spector é um produtor de Hollywood cujo alter-ego, um vigilante ex-quase-praticamente Vingador, recebe uma importante missão diretamente das mãos de ninguém menos do que Homem-Aranha, Wolverine e o Capitão América em pessoa: frear a ascensão do “Rei do Crime” de Los Angeles, um misterioso e poderoso vilão.
De cara: a versão do Cavaleiro da Lua do Bendis não é ruim. Não mesmo, é uma história até divertida com bons momentos. Os leitores mais velhacos vão sacar imediatamente quem é o perigoso Rei do Crime de Los Angeles (eu pelo menos saquei. Mas pode ter sido só sorte mesmo). Entretanto, fica claro que mesmo para o Midas da Marvel, com trabalhos relevantes seja nos overpowers da editora (dos Vingadores aos X-men), quanto nos low power (Demolidor, Homem-Aranha, Alias, etc), o Cavaleiro da Lua está mesmo MUITO abaixo da linha da miséria. A saída então é usar um recurso já batido, mas quase sempre muito eficaz: a galhofa.
Assim, Bendis joga em três eixos principais: a irrelevância do personagem e seus coadjuvantes; a irrelevância do cenário (quem se importa com a Costa Oeste?); e a loucura do protagonista.
No primeiro eixo, Bendis atua com o fato de que o Cavaleiro da Lua é um desvalido. Um personagem do quinto escalão da editora, auxiliado por outra personagem do mesmo nível (ele traz de volta Eco, nascida nas HQs do Demolidor com passagem pelos Vingadores do próprio Bendis) e enfrentando um vilão que, apesar de bastante poderoso, nunca foi lá muito memorável. Quanto ao ambiente, a Costa Oeste é aquilo: um lugar tão esquecido que Brian K. Vaughan fez dela domínio de vilões mais inteligentes e menos espalhafatosos em Fugitivos, e aqui Bendis rememora o tempo inteiro que a presença de mascarados beira a irrelevância. Por fim, o ponto alto da trama está na loucura de Marc Spector. Na fase do Charles Huston isso já estava posto (Marc de fato tinha contato com o deus Khonshu ou só alucinava?), e aqui o Bendis faz disso um dos principais pontos da trama – Marc Spector, o Cavaleiro da Lua é doido de jogar pedra em avião. Vê se o Capitão América ia confiar a segurança de Los Angeles a ele? Claro que não – Capitão América, Wolverine e Homem-Aranha não passam de alucinações de um vigilante esquizofrênico! E isso rende grandes momentos, como quando essas personas entram em conflito, ou quando Bendis mostra, já no finalzinho, qual o mecanismo psicológico que faz com que Marc seja tutelado por esses três heróis e não por outros três quaisquer.
Arte de Bridgit Connell
Mas nem tudo são flores, e o roteiro tem seus problemas. O principal deles pra mim é, sem dúvidas, o fato de que Bendis errou a mão na depreciação do personagem e naqueles que o cercam. Seu Cavaleiro da Lua é fudido demais da conta, o tom exagera na galhofa. No começo é divertido mas como toda piada repetida demais, no final do primeiro encadernado você já está cansado disso. Aliás, todas as piadas repetidas cansam – tipo aquela de como a Eco usa um telefone sendo surda, por exemplo. Elas são legais, expõem o insólito no mundo dos supers, mas se a história não é toda nesse tom, acabam simplesmente atrapalhando a imersão do leitor.
Na arte a coisa é um pouquinho mais dolorosa. Ok, Alex Maleev tem uma arte moderna, soturna e que ajuda a deixar claro de que este não é um gibi para crianças, mas… sua narrativa peca, seus layouts de página lançam mão de páginas duplas difíceis de sacar que são duplas, e a movimentação dos personagens está pouco fluída. Não fosse pela presença das garras, lançadores de teia e escudo, seria impossível perceber, através da arte, que Spector estava emulando os estilos de luta de cada um deles. Assim como seu parceiro de roteiros, o trabalho de Maleev estava muito, muito melhor em Demolidor (e olha que, numa entrevista concedida à Mundo dos Super-Heróis, ele disse que CdL era seu melhor trabalho. Não, Maleev, não é)
Quanto ao trabalho da Panini, como eu não tenho tesão de argola com materiais em capa dura, nem tenho mais saco pra encarar mensais e seus mixeszes, esses encadernadinhos capa cartonada são a melhor saída – mesmo que os preços já não sejam tão convidativos como eram antigamente. Entretanto, vai um puxão de orelha: à página 44, Sheoke Sanada, generala do Rei do Crime de Los Angeles, se apresenta às prostitutas que comanda dizendo seu codinome, “Boca-de-Leão” (apresentação que ela repete ipsis literis à página 82, inclusive desenhada fazendo pose outra vez). Isso tudo para, nas páginas 128 e 132, ser chamada de “Dente-de-Leão”, seja pelos desqualificados do “Plantão Noturno” (não ria!), quanto próprio vilãozão da porra toda. Tô pegando no pé sim, mas tá mesmo faltando um revisor na Mythos/Panini (talvez no mercado editorial todo, mas deixa pra outra hora).
Agora é esperar a elogiada fase do Warren Ellis, que a Panini ficou de publicar também.
Cavaleiro da Lua – Recomeço, de Brian Michael Bendis e Alex Maleev, minissérie em duas edições – 148 páginas o volume 1 (R$18,90) e 132 páginas o volume 2 (R$16,90). Editora Panini (março/abril de 2015).
Nota: 6,5