Não sou exatamente um guêimer; não costumo comprar guêimes no lançamento, então geralmente só vou jogar algo muito depois que a moda passa. Mas vi muitos elogios a esse novo jogo do Homem-Aranha, então fiquei com vontade de experimentar. Forçando a amizade, peguei o disco emprestado com o Catena há algumas semanas. E agora com o jogo terminado é hora de falar dele por aqui, não como guêimer, mas como leitor do Aranha.
Ah, e tem SPOILERS aqui! Depois não vem reclamar que não sabia, caceta!
Antes de entrar no guêime em si, é preciso falar da cagada que fizeram (não sei se Disney, Marvel ou Sony, mas estou culpando todo mundo) de não traduzir o nome do personagem. Não apenas a versão nacional do jogo continua se chamando “Spider-Man”, como a própria dublagem em português chama o Homem-Aranha de “Ispáider-Méin”, valendo o mesmo pros codinomes dos vilões.
Pra fugir desse pesadelo bazinguista, a opção foi mudar as configurações do PS4 pra inglês, daí jogar a aventura como se fosse assistir a um filme gringo com legenda. Como a dublagem original é bacana e as legendas não atrapalham a jogabilidade, achei que foi uma boa opção.
Na hora de escolher a dificuldade, fiquei no nível mais fácil, chamado de “friendly” (os outros níveis são identificados por outros adjetivos relacionados com o Aranha: amazing, spectacular, ultimate), afinal o objetivo era aproveitar a narrativa, não ficar frustrado por não conseguir passar de um inimigo difícil.
Escrita por uma cacetada de gente (Jon Paquette, Benjamin Arfmann e Kelsey Beachum, contando também com participação dos quadrinistas Christos Gage e Dan Slott), a história em si é um dos aspectos mais interessantes em Spider-Man, sendo uma mistureba de elementos dos quadrinhos, desenhos animados, filmes e outros jogos. Basicamente os criadores do jogo mantiveram só o que acharam interessante pra contar a história que queriam e ignoraram o resto. O resultado é uma narrativa bastante coesa, divertida e satisfatória.
Quando a aventura começa, o Peter Parker tem 23 anos e já atua como Homem-Aranha há 8 anos. O primeiro desafio é invadir a Torre Fisk e capturar o Rei do Crime. É interessante porque essa fase de tutorial já começa com ação desenfreada e todo o pano de fundo dos personagens vai sendo apresentado enquanto o jogador aprende os comandos. A curva de aprendizado da mecânica de jogo é bem suave, e em pouco tempo até um idiota descoordenado como eu consegue realizar os principais movimentos.
Um dos menus mostra a lista de personagens com detalhes do histórico de cada um, o que é útil não apenas para os novatos como também para quem já conhece os personagens dos quadrinhos, do cinema ou de outros jogos saber o que está diferente. Entre as mudanças mais notáveis de status quo em relação a outras versões do Aranha, vemos um Peter Parker que trabalha como assistente do Doutor Otto Octavius, o empresário bilionário Norman Osborn como prefeito de Nova York, e uma Mary Jane Watson jornalista do Clarim Diário, além de ser ex-namorada do Peter e conhecer a sua identidade secreta.
Apesar de todas essas mudanças funcionarem a favor da narrativa, a “namorada do herói” ser jornalista deixou a MJ parecendo uma cópia da Lois Lane. E o fato dela ser jornalista nem é relevante pra história. Ela poderia desenvolver o mesmo papel na trama com pequenas modificações se fosse uma investigadora particular, uma policial ou uma hacker.
Já o Aranha aparece numa encarnação clássica, respeitando a essência do personagem (ao contrário do Homem-Aranha que dá piruleta dos filmes recentes, como comentamos aqui). O que não é nada clássico é o uniforme principal do guêime, cheio de detalhes brancos que achei bem feios. Mas entendo que a Insomniac Games, que produziu Spider-Man, queria uma roupa que fosse facilmente identificável como “a roupa do jogo do PS4”, e meter a porra de uma aranha gigante branca no peito do personagem sem dúvida torna fácil a diferenciação dessa versão do herói.
Falando em uniformes, além do clássico azul e vermelho e da “roupa do jogo”, também é possível desbloquear e utilizar mais de 20 uniformes diferentes, inspirados em versões dos filmes e das HQs, incluindo algumas opções muito loucas, como o uniforme que parece decalcado dos quadrinhos, deixando o personagem com cara de “2D”. Nosso chegas Load fez um vídeo supimpa sobre os uniformes, que você pode ver aqui.
O método de desbloqueio dos uniformes foi o aspecto que mais me desagradou. A maioria deles é associada a um poder específico, isto é, ao liberar a nova roupa você ganha um novo poder (que depois poderá ser usado com qualquer outra roupa). Os poderes afetam o jogo, então a liberação dos uniformes é dependente de nível e de “tokens” adquiridos em missões específicas (algumas muito chatas e trabalhosas pra quem só queria curtir a história). Mas as roupas em si são meramente decorativas e não afetam a jogabilidade em nada (e a cidade inteira reconhece o Aranha seja lá qual roupa ele esteja usando).
Pra mim seria mais interessante se o desbloqueio dos poderes fosse condicionado a missões, e as roupas fossem conquistas independentes que o jogador casual pudesse fazer naturalmente ao longo da aventura (por exemplo, ficar sem ser visto por 5 minutos quando tem inimigos por perto liberar a roupa “furtiva”; balançar pela cidade em alta velocidade por 2 minutos liberar a roupa “veloz”; e por aí vai).
O sistema de recompensa e evolução de personagem não é nenhuma novidade. Mesmo sendo um jogador casual, vi muitas similaridades com guêimes como Infamous Second Son, Sombras de Mordor e os Assassin’s Creed mais recentes. Então a única diferença aqui seria usar uniforme de super-herói? A resposta é “não”. História e visual à parte, o maior atrativo do jogo é a sensacional movimentação do Homem-Aranha. Passear pela ilha de Manhattan se balançando nas teias é simplesmente incrível!
Esse talvez seja o elemento mais difícil de transmitir nesse texto, e mesmo nos vídeos de gameplay que fiz. Balançar pela cidade pode ser tanto empolgante (quando você tenta fazer proezas físicas entre os prédios) quanto relaxante (quando você pega uma avenida larga e vai só no embalo ritmado do início ao fim). Devo ter passado umas boas horas entre missões só nesse “Homem-Aranha Simulator”. Também ajuda que os comandos envolvidos são bem mais simples que as combinações complexas de comandos das lutas; depois de uns 10 minutos você nem pensa mais no que está fazendo, só curte o passeio.
Exatamente por quebrar esse barato de estar na pele do Aranha, um dos pontos negativos é quando você se vê obrigado a usar outros personagens, como a Mary Jane e o Miles Morales, que são bacanas na trama, mas chatos pra jogar. As missões geralmente se resumem a se esgueirar por aí pra tentar não ser visto e morto por vilões. O Aranha também tem desafios furtivos, mas no caso dele isso inclui subir em postes, andar pelas paredes, socar vilões distraídos e até o clássico movimento de descer do teto pendurado na teia; tudo muito divertido, tornando as missões dos outros personagens ainda mais chatas em comparação.
Mas os pontos positivos ainda superam em muito os negativos. A imersão no mundo aberto é um espetáculo à parte. A Manhattan de Spider-Man é a Manhattan da Marvel, ainda que numa versão da Marvel específica pro jogo, e não exatamente o 616. A Torre dos Vingadores é o prédio mais alto da ilha; tem uma estátua do Dentinho no lugar da estátua do touro de Wall Street; e é possível visitar os prédios onde ficam a firma de advocacia Nelson & Murdock e a Alias Investigações. E você ainda pode usar o “modo foto” pra registrar isso tudo (inclusive fazendo “selfies” ou usando as dezenas de opções de molduras disponíveis).
Há também outros tipos de interação com os itens colecionáveis/recorrentes. Uma das missões é recolher mochilas que o Aranha foi deixando pela cidade ao longo dos anos, e dentro delas tem vários objetos esquecidos que remetem a outras versões do personagem (como as teias do suvaco do uniforme original dos quadrinhos). Você pode passar de vez em quando nas bancas de jornal ou nos pequenos quiosques vermelhos pra olhar a capa do Clarim Diário mais recente, relatando os eventos pelos quais você acabou de passar na trama. E, sabe-se lá por quê, o Peter Parker assina o podcast do JJ Jameson, então volta e meia você ouve o velho turrão com suas loucas teorias da conspiração que deixariam qualquer youtuber terraplanista morrendo de inveja.
No fim das contas, tirando alguns pontos específicos que me desagradaram (e que podem nem incomodar outras pessoas), Spider-Man entrega uma experiência de movimento do personagem-título que é simplesmente incrível, e de brinde levamos uma nova versão do Homem-Aranha em uma história surpreendentemente boa (melhor que os filmes recentes do personagem).
É sempre difícil recomendar esses guêimes de mais de 100 reais, pois não acho que jogo algum vale isso. Mas se você paga isso de boa, ou tá com 180 reais sobrando, esse sem dúvida é um jogo divertido à beça, principalmente pra quem é fã do Cabeça de Teia.
Nota: 9
1ª cena pós-créditos: Pra quem não viu, fiz várias transmissões do guêime no canal do MdM no YouTube. Reuni todas elas numa playlist pra quem quiser ver.
2ª cena pós-créditos: A participação do Stan Lee nesse jogo, dublando um cozinheiro que conversa com o Peter e a MJ, foi a última participação especial divulgada antes da morte dele semana passada.
3ª cena pós-créditos: No final dos créditos aparece esta mensagem dedicando o jogo à memória do Steve Ditko, co-criador do personagem, falecido em junho deste ano.